David de Almeida

David de Almeida transforma texto escrito («Peregrinação», de Fernão Mendes Pinto) em composição visual – uma tentativa de transcrição visual da viagem como tema.
Ana Vasconcelos 15 abr 2020 3 min
Novas leituras

As duas obras …tornando na volta do mar …(Fernão Mendes Pinto)[1] fazem parte de um conjunto de vinte composições executadas em 2004 e expostas em 2006, sobre a Peregrinação, o extraordinário relato escrito por Fernão Mendes Pinto sobre as suas viagens pelo Oriente (1.ª edição em 1614). As duas obras Sem título de 2007 são um complemento posterior a essa série.

Na transformação do texto escrito em composição visual, na possibilidade da transcrição visual da viagem como tema, David de Almeida recorre à colagem-assemblage de diversos elementos – feltros, finíssimos vimes, hashi de madeira –, ligados ao suporte e entre si por alinhavos e nós, numa referência ao cordame da marinharia e aos instrumentos e cartas cosmográficas de navegação. As composições seguem um equilíbrio de opostos (branco/preto, Yin/Yang) de grande depuração formal, com uma invocação iconográfica recorrente das velas dos barcos, da circularidade do globo terrestre e da forma esférica do sol e da lua.

 

David de Almeida, «...tornando na volta do mar... (Fernão Mendes Pinto)», 2004. Inv. 19DP4557
David de Almeida, Sem título, 2007. Inv. 19DP4560
David de Almeida, «...tornando na volta do mar... (Fernão Mendes Pinto)», 2004. Inv. 19DP4558
David de Almeida, Sem título, 2007. Inv. 19DP4559

 

Na composição 19DP4557 é sugerida a forma de um junco chinês.

Na obra 19DP4560 a palava inscrita «WAKASA» significa juventude, em japonês.

Na composição 19DP4559, a figura masculina que empunha uma arma foi copiada pelo artista do desenho de uma posição de tiro com mosquete retirado de um manuscrito japonês realizado para um samurai em 1595, o Manual de Tiro da Escola Inatomi (Inatomi-ryū teppō densh) (coleção da New York Public Library). Este manual repertoria as trinta e duas posições de disparo com um mosquete e foi realizado no auge da procura de armas de fogo no Japão. As ilustrações conjugam os corpos seminus dos atiradores – a nudez é usada para tornar mais explícitos todos os detalhes da posição registada –, com legendas escritas explicativas que, no desenho de David de Almeida, se transformam na vegetação que rodeia a figura, sob um sol redondo, traçado com linha vermelha. Tal como no Manual, onde algumas das legendas revelam a preocupação com a falta de elegância e beleza da postura de tiro – por contraste com as posições da esgrima que era a disciplina tradicional da Escola Inatomi –, há nas composições de David de Almeida um cuidado extremo com o equilíbrio e a sugestão de leveza da composição através de formas e cores.

Por vezes, o preto e branco da maioria dos elementos é interrompido com a introdução do vermelho. Nesta composição específica acima referida, o traçado de um círculo vermelho sobre o branco significa «boa sorte», e surge como uma invocação do sol. 

Finalmente, na colagem 19DP4558 surgem as folhas de dois livros sobre a história da China contada às crianças, aludindo ao cruzamento da história com a ficção na construção destas grandes narrativas de que Peregrinação faz seguramente parte.


[1] Volta do mar refere-se à técnica de navegação desenvolvida pelos navegadores portugueses durante o século XV.

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Nesta rubrica, artistas, curadores, historiadores e investigadores convidados refletem sobre a Coleção do CAM, explorando diferentes perspetivas e criando relações por vezes inesperadas. Partindo de uma obra, de um artista ou de uma temática específica, estes textos propõem novas formas de ver e pensar a Coleção à luz do contexto histórico atual.

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