CAM em Movimento. Gabriel Abrantes, «A Brief History of Princess X», 2016

Programa «CAM em Movimento» / 2.º Ciclo Vídeos

No âmbito do programa «CAM em Movimento», e apresentada num contentor instalado no Jardim Gulbenkian, a obra de Gabriel Abrantes integra-se na segunda mostra de vídeos da coleção do CAM dedicado à condição feminina. Nela, o artista narra com humor a história de como foi criada a famosa escultura fálica Princess X, de Constantin Brancusi.

Em 2021, entre confinamentos e o definitivo encerramento do edifício do Centro de Arte Moderna (CAM) – para obras que visam reconfigurar a área expositiva e criar um novo jardim aberto ao público, num projeto do arquiteto Kengo Kuma (Japão, 1954) – o CAM iniciou um «programa fora de portas» intitulado «CAM em Movimento».  

Gerado num momento de transição e guiado pelo desejo de uma arte mais democrática e feita para as pessoas, este novo ciclo sustenta o seu modelo na espontaneidade, reunindo uma programação capaz de suscitar a curiosidade do público através da invasão da paisagem comum e da tentativa de disrupção do quotidiano na cidade. A partir de um exercício de experimentação e reflexão, pretende-se questionar criticamente a instituição, explorando o leque de possibilidades, papéis e funções a adotar no presente e no futuro, em contexto local, nacional e internacional.  

Para Benjamin Weil, novo diretor do CAM desde dezembro de 2020, estes são os elementos fundadores do programa. Nesse sentido, a instituição conseguiria cumprir os seus objetivos se durante o período do fecho conseguisse alargar a sua área de influência para lá do perímetro da Fundação Calouste Gulbenkian, procurando relacionar-se com outros públicos que, por uma ou outra razão, habitualmente se escusam a interagir com a arte (Conversa on-line: Alargar e diversificar geografias, nov. 2021).

Afinal, para o novo diretor do CAM, a obra do edifício oferece à instituição «uma oportunidade (…) [de] se reinventar e construir um futuro dinâmico, criar e estreitar laços de colaboração com outras áreas da Fundação, e explorar novos modos de se dar a conhecer e de atrair novos públicos» aproximando-os da arte contemporânea (Cruz, Expresso, 20 dez. 2020). Como admitiu numa entrevista dada aos jornalistas da RTP (15 out 2021), a instituição quis aproveitar a situação de exceção para «estender a mão aos visitantes», permitindo que a experiência da arte faça parte da vida quotidiana de todos».

Em outubro de 2021, o programa inaugural do «CAM em Movimento» incluiu várias iniciativas. A escultura de Miguel Palma (1694) Cemiterra-Geraterra (1991) viajou até Loures para ser instalada no Parque Quinta dos Remédios, na Bobadela. Os artistas Didier Fiúza Faustino (1968) e Fernanda Fragateiro (1962) intervieram no exterior das carruagens dos comboios da CP das linhas de Sintra e de Cascais, respetivamente. Vinte e quatro obras da Coleção do Centro de Arte Moderna viajaram até à Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, para a exposição «Coleção de Arte Britânica do CAM». O ilustrador António Jorge Gonçalves iniciou o projeto de desenho para os tapumes que circundavam o perímetro das obras do edifício do CAM, que viria a inaugurar em novembro. Um contentor de carga e transporte de mercadorias foi instalado no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, para servir de sala de projeção de vídeos da Coleção do CAM, ao qual, mais tarde, e até final de 2022, se juntariam outros contentores espalhados pela cidade para acolher novos projetos artísticos site-specific, como o de Rui Toscano na praça do Centro Comercial Fonte Nova, Carlos Bunga na Praça do Comércio e António Pedro no Parque da Bela Vista em Chelas, um projeto desenvolvido em colaboração com os moradores desse bairro.

Para Benjamim Weil, a criação de uma sala de projeção dentro de um contentor marítimo colocado no meio de um jardim, era um acontecimento inusitado. No entanto, seguia a linha do programa «CAM em Movimento», favorecendo o encontro com a arte em locais onde este seria, à partida, inesperado.

Entre outubro de 2021 e o final de 2022, o contentor recebeu quatro ciclos de vídeos. Sem exceção, as obras exibidas no contentor marítimo do Jardim Gulbenkian pertenciam à coleção do CAM. O primeiro entre eles, que ocorreu entre 15 de outubro de 2021 e 10 janeiro de 2022, foi dedicado a questões políticas e sociais como a solidão e a guerra, tendo a paisagem e a natureza como cenários de fundo. Contou com obras de João Onofre (1976), Lida Abdul (1973), Pedro Barateiro (1979) e Fernando José Pereira (1961) e curadoria de Patrícia Rosas e Rita Albergaria.

 

O segundo ciclo ocorreu entre 11 de janeiro e 3 de maio de 2022, e permitia refletir acerca da condição feminina, da angústia e da solidão, do prazer ou mesmo das questões de género, através das obras de Vasco Araújo (1975), Ana Vidigal (1960), Maria Lusitano (1971) e Gabriel Abrantes (1984).

 

Se Mulheres d´Apolo (2010)de Vasco Araújo, conta o trágico destino das mulheres de Tróia, Domingo à Tarde (2000), de Ana Vidigal, e Modern Woman (2015), de Maria Lusitano, inventam soluções para escapar à monotonia do quotidiano da mulher. The Brief History of Princess X (2016), o último vídeo do ciclo, narra com humor a história de como foi criada a famosa escultura fálica Princess X, de Constantin Brancusi, um dos artistas mais reconhecidos do século XX.

Este breve vídeo de Gabriel Abrantes (7 minutos), projetado entre 5 de abril e maio de 2023, tinha sido incorporado na Coleção Moderna, poucos anos antes – uma aquisição realizada em dezembro de 2021.

Na notícia publicada no website do Centro de Arte Moderna sobre esta recente aquisição, Helena de Freitas escreve:

«Há uma escolha muito intencional de Gabriel Abrantes no título deste seu filme e no objeto que se lhe refere. Princesse X (1916) é uma escultura modernista de Constantin Brancusi, amplamente referenciada pela sua notoriedade plástica, mas também pelo escândalo e pela polémica que a sua apresentação pública arrastou. A obra foi por duas vezes recusada, no Salon d’Antin à data da sua realização e, em 1920, no Salon des Indépendants. O escândalo prendeu-se, naturalmente, com a forma que exibia, um inequívoco e exuberante falo em bronze polido, que o escultor insistentemente defendeu como a rigorosa estilização de uma figura feminina, no caso, Maria Bonaparte.

Gabriel Abrantes escolheu o objeto que melhor lhe permitiu entrar pela porta oficial da História da Arte, trazendo à obra o debate em torno de um dos temas mais fraturantes da atualidade. Na verdade, Princesse X, na sua ambiguidade extrema, na confusão que promove da representação do feminino e do masculino, perturba a ordem simbólica da distinção entre os sexos e é um objeto artístico exemplar para a discussão do género.

Gabriel Abrantes parte das características formais e temáticas desta escultura-ícone da História da Arte para criar uma narrativa própria, dentro do espírito da petite histoire, na qual lança as bases para uma discussão em que se colocam, com fina subtileza, ironia e arrojo visual, um desses eixos temáticos contemporâneos. Neste caso, não apenas as diferenças ou ambiguidades de género, mas também, e a partir das teorias de Freud, a sexualidade e o prazer femininos. E, como é habitual nos seus trabalhos, estes dados são lançados através de uma hábil construção narrativa, bem-humorada, aparentemente leve, escrupulosamente elegante, sem esforço programático ou evidência panfletária.

Em simultâneo, integra no seu filme acontecimentos que se cruzam com a história de arte portuguesa, no caso a singular aventura modernista de Amadeo de Souza-Cardoso e a cúmplice amizade que desenvolveu com Brancusi durante a sua passagem por Paris (1906-1914). A captação de uma imagem da pintura de Amadeo Avant la Corrida num evento expositivo comum será o sinal dessa conhecida proximidade e também, indiretamente, o apontamento de uma discussão historiográfica sobre a possível influência formal de um desenho de uma figura feminina de Amadeo de Souza-Cardoso (les mauresques, 1912) nesta polémica escultura. Gabriel Abrantes intensifica também deste modo a questão da ambiguidade representativa e interpretativa da obra de referência, do mesmo modo que expande o espectro documental e interpretativo do seu trabalho.»

Embora integrada na programação do «CAM em Movimento», amplamente divulgada pelos meios de comunicação social, a divulgação do segundo ciclo de vídeos e da iniciativa em causa, não teve registos críticos na imprensa que a destacassem em particular. Para uma contextualização do «CAM em Movimento» nos meios de comunicação social, consultar, por exemplo, a crítica de Luísa Santos na Contemporânea (Santos, Contemporânea, ed. 01-02-03, 2022), as menções em artigos nas revistas Time Out (Moreira, Time Out, 19 out. 2021) e Umbigo (Duarte, Umbigo, 3 nov. 2021). Para as peças nos programas de rádio e de televisão ver Jornal da Noite (SIC, 15 out. 2021), As Horas Extraordinárias (RTP3, 29 out. 2021) e Portugal em Direto (RTP1, 3 nov. 2021).

Dada a natureza e condições do espaço de apresentação dos vídeos — um contentor marítimo de livre circulação — não se realizou relatório de exposição, questionário ao público — no que diz respeito ao grau de satisfação pela visita —, ou contagem do número de visitantes. 

[A versão final do texto científico, assinada por Madalena Galvão Telles, será disponibilizada no final de janeiro de 2024].

Madalena Dornellas Galvão, 2023


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Material Gráfico


Fotografias

Frame do vídeo de Gabriel Abrantes, «A brief history of Princess X», 2016 (Col. CAM, Inv. 21IM105)
Frame do vídeo de Gabriel Abrantes, «A brief history of Princess X», 2016 (Col. CAM, Inv. 21IM105)
Frame do vídeo de Gabriel Abrantes, «A brief history of Princess X», 2016 (Col. CAM, Inv. 21IM105)

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