CAM em Movimento. Lida Abdul. «White Horse», 2006

Programa «CAM em Movimento / Ciclo de Vídeos»

A apresentação de «White Horse», de Lida Abdul, constituiu a segunda mostra do ciclo de vídeos dedicado à solidão e à guerra, integrado no programa «CAM em Movimento». A obra foi exibida no contentor marítimo instalado no Jardim Gulbenkian, o primeiro de vários que seriam distribuídos pela cidade.

Em 2021, entre confinamentos e o definitivo encerramento para obras do seu edifício, o Centro de Arte Moderna (CAM) iniciou um «programa fora de portas» intitulado «CAM em Movimento». Guiado pelo desejo de apresentar uma arte mais democrática e feita para as pessoas, este novo ciclo sustentava o seu modelo na espontaneidade, reunindo uma programação pensada para suscitar a curiosidade do público e que se concretizava na invasão da paisagem comum e na tentativa de disrupção do quotidiano da cidade.

Para Benjamin Weil, estes eram os elementos fundacionais do programa, e a instituição conseguiria cumprir os seus objetivos se durante o período de encerramento conseguisse alargar a sua área de influência para lá do perímetro da Fundação Calouste Gulbenkian, procurando relacionar-se com outros públicos que, por uma razão ou por outra, habitualmente se escusam a interagir com a arte (Conversa online: Alargar e diversificar geografias, 2021). Para o novo diretor do CAM, a obra do edifício oferecia à instituição «uma oportunidade […] [de] se reinventar e construir um futuro dinâmico, criar e estreitar laços de colaboração com outras áreas da Fundação, e explorar novos modos de se dar a conhecer e de atrair novos públicos» («António Filipe Pimentel é o novo diretor do Museu Calouste Gulbenkian», Expresso, 10 dez. 2020).

A par das intervenções artísticas de Didier Fiúza Faustino (1968) e de Fernanda Fragateiro (1962) nas linhas de comboio da CP de Sintra (Rossio-Sintra) e de Cascais (Cais do Sodré-Cascais), respetivamente, a proposta inaugural do «CAM em Movimento» incluiu a instalação de um contentor marítimo no Jardim Gulbenkian, ao qual, mais tarde, se juntariam outros, que se multiplicariam pela cidade com novos projetos artísticos e obras da coleção do CAM.

A criação de uma sala de projeção de vídeos dentro de um contentor de carga e transporte de mercadorias, sobretudo quando colocado no meio de um jardim, era inusitada, mas seguia a linha do programa, favorecendo o encontro com a arte em locais onde esta seria, à partida, inesperada (CAM em Movimento, 2021).

O primeiro contentor a ser instalado no Jardim Gulbenkian apresentou um ciclo de vídeos da coleção do CAM especialmente dedicado a questões políticas e sociais, como a solidão e a guerra, tendo a paisagem e o mundo natural como cenários de fundo (Centro de Arte Moderna \ CAM em Movimento. Lida Abdul, 2021).

Entre outubro e novembro de 2021, foi exibido o segundo vídeo do ciclo: White Horse (2006), de Lida Abdul (1973). Nascida em Cabul e radicada nos EUA, Abdul arrisca frequentemente o regresso ao seu país natal (sobretudo enquanto mulher e artista) para trabalhar temas como a migração, a identidade cultural e os processos de destruição e desterritorialização que têm marcado a história do Afeganistão desde os anos 80. Com destaque internacional, o seu corpo de trabalho desenvolve-se entre a instalação, a performance, o vídeo e a fotografia.

Interessada em olhar o país, as pessoas, a cultura e as cicatrizes da guerra, é no cenário de pós-guerra, na paisagem, na arquitetura, no modo de vida e na fisionomia dos seus habitantes que a artista encontra os seus temas, rejeitando a visão imediatista e simplificada que os meios de comunicação social veiculam através da reprodução de imagens de dor e sofrimento (Contemporânea, 20 jan. 2013).

Nas palavras de Isabel Carlos, ao mostrar esse outro lado do país, a artista procura redimir o Afeganistão (Ibid.). Combinando temas do formalismo «ocidental» com tradições estéticas islâmicas, budistas, hindus, pagãs e nómadas, que coletivamente influenciaram a arte e a cultura afegãs, Abdul incita o espectador a compreender os despojos psicológicos da guerra através da observação da cultura e do quotidiano de indivíduos que se revelam absortos, entregues a si próprios no desempenho de ações insólitas ou «irreais» (Lida Abdul \ Biography).

A ideia de que Abdul «opera uma espécie de redenção» do seu país parece confirmar-se pela forma como o branco se apresenta em grande parte dos seus trabalhos, maioritariamente vídeos (Contemporânea, 20 jan. 2013). «Cor da redenção por excelência […], da paz, do desejo de purificação e […] do luto até à Idade Média na Europa», o branco está presente no algodão que preenche os buracos de um avião destruído, em In Transit (2008); nas paredes de uma ruína e de uma camisa negra que a autora pinta de branco, em White House (2005), e no cavalo, imóvel como uma estátua, que, num «gesto incompreensível», é pintado por um velho ancião, em White Horse (2006) (Ibid.).

Pela repetição e cadência com que são executados, estes gestos simbólicos passam a ocupar o estatuto de cerimónias ou rituais de passagem entre a vida e a morte, a existência e a sobrevivência. Implicados nestes ritos, os objetos – ruínas ou símbolos remanescentes do que já não existe – elevam-se à condição de relíquia (Ibid.).

O filme White Horse revela o lugar poético de um velho homem que pinta de branco um cavalo preto. Quer seja um remédio para ultrapassar a dor e a doença (do cavalo ou do país, e, por consequência, da guerra), ou uma estratégia para atrair turistas, que, de acordo com o ancião «gostam de branco», o filme fala da situação de exceção introduzida pela guerra, dos sentimentos e consequências irresolúveis que esta traz, e da força que o jogo, o humor, a beleza e a poesia podem ter como mecanismos de preservação e sobrevivência.

Como parte da programação paralela, foi organizada uma conversa online entre as curadoras Patrícia Rosas e Patrícia Albergaria e o artista Fernando José Pereira, intitulada «CAM em Movimento II: Alargar e diversificar geografias». A conversa centrou-se sobretudo no ciclo «CAM em Movimento» e no processo de produção e instalação do contentor marítimo no Jardim Gulbenkian, tendo ainda contado com uma apresentação de Fernando José Pereira acerca da obra The man who wanted to collect Time, o último vídeo do ciclo (Fundação Calouste Gulbenkian \ CAM em Movimento II: Alargar e diversificar geografias, 2021).

A exposição teve uma repercussão tímida nos meios de comunicação social. Destaque para a crítica de Luísa Santos na Contemporânea (Santos, Contemporânea, ed. 01-02-03, 2022), para as menções em artigos nas revistas Time Out (Moreira, Time Out, 19 out. 2021) e Umbigo (Duarte, Umbigo, 3 nov. 2021) e para as peças nos programas de rádio e televisão Jornal da Noite (SIC, 15 out. 2021), As Horas Extraordinárias (RTP3, 29 out. 2021) e Portugal em Direto (RTP1, 3 nov. 2021).

Madalena Dornellas Galvão, 2023


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

White Horse

Lida Abdul (1973-)

White Horse, 2006 / Inv. 14IM67


Eventos Paralelos

Mesa-redonda / Debate / Conversa

CAM em Movimento. Alargar e Diversificar Geografias [conversa online]

14 dez 2021
Online

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Frame do vídeo de Lida Abdul, «White Horse», 2006 (Col. CAM, Inv. 14IM67)
Frame do vídeo de Lida Abdul, «White Horse», 2006 (Col. CAM, Inv. 14IM67)
Frame do vídeo de Lida Abdul, «White Horse», 2006 (Col. CAM, Inv. 14IM67)
Frame do vídeo de Lida Abdul, «White Horse», 2006 (Col. CAM, Inv. 14IM67)
Frame do vídeo de Lida Abdul, «White Horse», 2006 (Col. CAM, Inv. 14IM67)
Frame do vídeo de Lida Abdul, «White Horse», 2006 (Col. CAM, Inv. 14IM67)

Multimédia


Documentação


Periódicos


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