CAM em Movimento. Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016

Programa «CAM em Movimento» / Ciclo « O espaço é real?»

Primeira mostra do ciclo de vídeos dedicado à vivência e interpretação dos espaços, que remeteu, neste caso, para um dos espaços da Fundação Calouste Gulbenkian. Incluída na programação do «CAM em Movimento», integrou o último ciclo de vídeos do ano exibido no contentor marítimo do Jardim Gulbenkian.

Em 2021, entre confinamentos e o definitivo encerramento do edifício do Centro de Arte Moderna (CAM) – para obras visam ampliar a área expositiva e criar um novo jardim aberto ao público, num projeto do arquiteto Kengo Kuma (Japão, 1954) – o CAM iniciou um «programa fora de portas» intitulado «CAM em Movimento».  

Guiado pelo desejo de uma arte mais democrática e feita para as pessoas, este novo ciclo, gerado num momento de transição, sustentava o seu modelo na espontaneidade, reunindo uma programação capaz de suscitar a curiosidade do público, que se concretizava na invasão da paisagem comum e na tentativa de disrupção do quotidiano na cidade. Através de um exercício de experimentação e reflexão, pretendia-se questionar criticamente a instituição, explorando o leque de possibilidades, papéis e funções a adotar no presente e no futuro, em contexto local, nacional e internacional.  

Para Benjamin Weil, crítico de arte francês e novo diretor do CAM desde dezembro de 2020, estes eram os elementos fundacionais do programa. Nesse sentido, a instituição conseguiria cumprir os seus objetivos se durante o período do fecho conseguisse alargar a sua área de influência para lá do perímetro da Fundação Calouste Gulbenkian, procurando relacionar-se com outros públicos que, por uma ou outra razão, habitualmente se escusam a interagir com a arte (Conversa on-line: Alargar e diversificar geografias, nov. 2021).

Afinal, para o novo diretor do CAM, a obra do edifício oferecia à instituição «uma oportunidade (…) [de] se reinventar e construir um futuro dinâmico, criar e estreitar laços de colaboração com outras áreas da Fundação, e explorar novos modos de se dar a conhecer e de atrair novos públicos» aproximando-os da arte contemporânea (Cruz, Expresso, 20 dez. 2020). Como admitiu numa entrevista dada aos jornalistas da RTP (15 out 2021), a instituição queria aproveitar a situação de exceção para «estender a mão aos visitantes», permitindo que a experiência da arte faça parte da vida quotidiana de todos».

Em outubro de 2021, o programa inaugural do «CAM em Movimento» incluiu várias iniciativas. A escultura de Miguel Palma (1694) Cemiterra-Geraterra (1991) viajou até Loures para ser instalada no Parque Quinta dos Remédios, na Bobadela. Os artistas Didier Fiúza Faustino (1968) e Fernanda Fragateiro (1962) intervieram no exterior das carruagens dos comboios da CP das linhas de Sintra e de Cascais, respetivamente. Vinte e quatro obras da Coleção do Centro de Arte Moderna viajaram até à Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, para a exposição «Coleção de Arte Britânica do CAM». O ilustrador António Jorge Gonçalves iniciou o projeto de desenho para os tapumes que circundavam o perímetro das obras do edifício do CAM, que viria a inaugurar em novembro. Um contentor de carga e transporte de mercadorias foi instalado no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, para servir de sala de projeção de vídeos da Coleção do CAM, ao qual, mais tarde, e até final de 2022, se juntariam outros contentores espalhados pela cidade para acolher novos projetos artísticos site-specific, como o de Rui Toscano na praça do Centro Comercial Fonte Nova, Carlos Bunga na Praça do Comércio e António Pedro no Parque da Bela Vista em Chelas, um projeto desenvolvido em colaboração com os moradores desse bairro.

Para Benjamim Weil, a criação de uma sala de projeção dentro de um contentor marítimo colocado no meio de um jardim, era um acontecimento inusitado. No entanto, seguia a linha do programa «CAM em Movimento», favorecendo o encontro com a arte em locais onde este seria, à partida, inesperado.

Entre outubro de 2021 e o final de 2022, o contentor recebeu quatro ciclos de vídeos. O primeiro entre eles foi dedicado a questões políticas e sociais como a solidão e a guerra, tendo a paisagem e a natureza como cenários de fundo. Contou com obras de João Onofre (1976), Lida Abdul (1973), Pedro Barateiro (1979) e Fernando José Pereira (1961) e curadoria de Patrícia Rosas e Rita Fabiana (Centro de Arte Moderna / Agenda / CAM em Movimento. João Onofre).

O segundo ciclo refletia em torno da condição feminina, da angústia e da solidão, do prazer ou mesmo das questões de género, através das obras de Vasco Araújo (1975), Ana Vidigal (1960), Maria Lusitano (1971) e Gabriel Abrantes (1984) (Centro de Arte Moderna / Agenda / CAM em Movimento. João Onofre).

No terceiro ciclo, intitulado «Ecos Latentes», a curadoria ficou a cargo do grupo 15-25 IMAGINA, um coletivo de jovens integrado no projeto de programação cultural da Gulbenkian. Entre a morte e a transformação, o ciclo trabalhou sobre o desaparecimento da presença humana, a sua desmaterialização e a coexistência entre os vestígios por esta deixados e outras formas de vida (Centro de Arte Moderna / Agenda / CAM em Movimento. Ecos Latentes: presença presença presença).

O quarto e último ciclo dedicou-se ao espaço, numa reflexão sobre a perceção instintiva que temos dele. De acordo com Leonor Nazaré, curadora do ciclo ao qual chamou «O espaço é real?», a ideia que temos do espaço não é objetiva, «mas resulta de um ponto de vista e de uma disposição e propósito interiores» que construímos porque o vivemos, percorremos ou visitamos.

Composto por seis obras exibidas entre setembro de 2022 e janeiro do ano seguinte, o ciclo dividia-se em três partes: uma primeira, que tratou os espaços reais da Fundação Calouste Gulbenkian; uma segunda, sobre abordagens ficcionais da natureza; e uma terceira, dedicada aos mundos paralelos entre o consciente e o inconsciente (Centro de Arte Moderna / Agenda / CAM em Movimento. Emily Wardill).

Piso Térreo (2006) é uma encomenda feita pela Fundação Calouste Gulbenkian à artista no âmbito da exposição «Sede e Museu Gulbenkian. A arquitetura dos anos 60», inserida no programa de celebrações do cinquentenário da Fundação, festejado em 2006 («Sede e Museu Gulbenkian. A Arquitectura dos Anos 60», 2006).

Filmada em travelling à altura fixa de cerca de um metro, a obra conduz o espetador numa visita de quase 40 minutos às várias áreas técnicas, revelando a vivência destes espaços dos bastidores da instituição, normalmente inacessíveis (Centro de Arte Moderna / CAM em Movimento. Filipa César).

Como num carrossel que gira sempre à mesma velocidade e permite uma ampliação do olhar, a câmara passa de sala em sala, registando uma panóplia de superfícies, escolhas e acontecimentos relativamente irrelevantes. Texturas, cores, brilhos, movimentos e barulhos distintos, mais ou menos surpreendentes, sucedem um atrás do outro, dando pistas sobre quem ali trabalha e o que por ali acontece.

A viagem inicia -se provavelmente nas cabines de tradução simultânea e nas primeiras salas de arquivo da biblioteca, acessíveis a académicos e visitantes da Biblioteca de Arte. Entre os corredores, os espaços comuns e as áreas de acesso condicionado, Filipa César regista a mudança nas opções estéticas e decorativas, que passa das estampas japonesas para os quadros kitsch de gatos, imagens populares de Nossa Senhora de Fátima e da Virgem do Leite, finalizando com vários metros de parede forrados com cartazes da Playboy. Longe do gosto erudito e da imagem oficial da instituição, as imagens de natureza kitsch e sexual revelam um outro lado não menos real da Fundação: o das pessoas que lá trabalham e que têm preferência pela cultura popular.

A câmara visita as dependências da lavandaria, segurança, oficinas técnicas e reservas; observa de perto sistemas AVACS (refrigeração do ar), os ensaios da orquestra, do coro, e uma discussão nas reservas do museu. A acompanhar estas passagens, passos, conversas e ocasionais comentários — como «de la chance à la chance» ou «la salle vive est la salle habité» —, irrompem entre as imagens em movimento, pontuando com inteligência e bom humor o caráter de devaneio, contemplação e trivialidade da obra.

Conforme é habitual no olhar de Filipa César, através do registo deste tipo de aspetos peculiares e caricatos, a obra extravasa o documentário, aproximando-se da ficção.

Embora integrada na programação do «CAM em Movimento», amplamente divulgada pelos meios de comunicação social, a divulgação do segundo ciclo de vídeos e da iniciativa em causa, não teve registos críticos na imprensa que a destacassem em particular. Para uma contextualização do «CAM em Movimento» nos meios de comunicação social, destaque para a crítica de Luísa Santos na Contemporânea (Santos, Contemporânea, ed. 01-02-03, 2022), para as menções em artigos nas revistas Time Out (Moreira, Time Out, 19 out. 2021) e Umbigo (Duarte, Umbigo, 3 nov. 2021), e para as peças nos programas de rádio e de televisão Jornal da Noite (SIC, 15 out. 2021), As Horas Extraordinárias (RTP3, 29 out. 2021) e Portugal em Direto (RTP1, 3 nov. 2021).

Dada a natureza e condições do espaço de apresentação dos vídeos — um contentor marítimo de livre circulação — não se realizou relatório de exposição, questionário ao público — no que diz respeito ao grau de satisfação pela visita —, ou contagem do número de visitantes. 

[A versão revista deste texto será brevemente disponibilizada.]

Madalena Dornellas Galvão, 2023


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

I Gave my Love a cherry that had no stone

Emily Wardill (1977-)

I Gave my Love a cherry that had no stone, Inv. 17IM80


Material Gráfico


Fotografias

Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)
Frame do vídeo de Emily Wardill, «I gave my love a cherry that had no stone», 2016 (Col. CAM, Inv. 17IM80)

Documentação


Periódicos


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