CAM em Movimento. Miguel Palma, «Cemiterra-Geraterra», 1991 – 2000        

Programa «CAM em Movimento»

Alertando para o estado do planeta, a obra de Miguel Palma foi apresentada pela primeira vez em Loures. Jogando entre as dicotomias vida e morte, semente e fruto, ou homem e natureza, a obra interroga noções de monumento e memorial num cruzamento entre a escultura e a performance.

Em 2021, entre confinamentos e o definitivo encerramento do edifício do CAM – Centro de Arte Moderna para obras, o CAM iniciou um «programa fora de portas» intitulado «CAM em Movimento». Guiado pelo desejo de uma arte mais democrática e feita para as pessoas, este novo ciclo sustentava o seu modelo na espontaneidade, reunindo uma programação capaz de suscitar a curiosidade do público, que se concretizava na invasão da paisagem comum e na tentativa de disrupção do quotidiano na cidade.

Através de um exercício de experimentação e reflexão, pretendia-se questionar criticamente o CAM enquanto instituição museológica, explorando o leque de possibilidades, papéis e funções a adotar no presente e no futuro, em contexto local, nacional e internacional. 

Para Benjamin Weil, o «CAM em Movimento» conseguiria cumprir os seus objetivos se durante o período do fecho conseguisse alargar a sua área de influência para lá do perímetro da Fundação Calouste Gulbenkian, procurando relacionar-se com outros públicos que, por uma ou outra razão, habitualmente se escusam a interagir com a arte (Conversa on-line: Alargar e diversificar geografias, 2021).

Em outubro de 2021, o programa inaugural do «CAM em Movimento» incluiu várias mostras. Entre outras, contam-se as intervenções artísticas de Didier Fiúza Faustino (1968) e de Fernanda Fragateiro (1962) nas linhas de comboio da CP de Sintra (Rossio-Sintra) e de Cascais (Cais do Sodré-Cascais), respetivamente, a exposição «Coleção de Arte Britânica do CAM» na Casa das Histórias Paula Rego, ou a colocação de um contentor marítimo no Jardim Gulbenkian no interior do qual seriam projetados ciclos de vídeos da coleção do CAM.

Em 2022 o Parque Quinta dos Remédios, no município de Loures, recebia a obra Cemiterra-Geraterra (1991) de Miguel Palma (1964), numa instalação pensada em diálogo com a paisagem natural e agrícola da zona.

Com uma área de cerca de 4,3 hectares, a Quinta dos Remédios datada do século XVIII e hoje propriedade do IST – Instituto Superior Técnico, abriu ao público como parque de recreio e lazer em 2016, fruto de um protocolo de colaboração entre o IST e a Câmara Municipal de Loures.

Miguel Palma produziu a «escultura-performance» Cemiterra-Geraterra, constituída por dois elementos de grandes dimensões em ferro e aço — um globo terrestre e uma enorme caixa paralelepipédica — entre 1990 e 1991. Realizada no estaleiro de Frias, no âmbito de um concurso promovido pela Secretaria do Estado da Cultura e apoiado pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Renault, a obra seria doada à Fundação Calouste Gulbenkian assim que ficou concluída para ser enterrada no jardim da instituição junto ao Centro de Arte Moderna, onde permaneceria até ao ano 2000.

Ao longo dos anos, Cemiterra-Geraterra viria a ser exposta em diversos locais, revelando essa viagem de ida ao subsolo e regresso à superfície da terra — o globo dentro do seu «caixão» —, num ato de grande simbolismo imaginado pelo artista e Pedro Nuno Andrade, autor do livro que completou o projeto primevo (Ferreira, Público, 9 mar. 1991).

Conforme recorda, durante a sua infância, Miguel Palma tinha o hábito de enterrar objetos e voltar a desenterrá-los um ano mais tarde, para poder analisar os indícios da passagem do tempo. Num gesto próximo dessas lembranças, o artista pretendeu recriar permanentemente esse ato original, como se se tratasse de uma morte ensaiada, segundo um ritual de preparação do regresso à vida em forma de renascimento. Através do ato cerimonial, o artista propôs o recolhimento, penitência e, idealmente, retorno do planeta ao estado embrionário, num gesto que se afirmou tanto um apelo como um desejo de mudança perante o estado de falência dos sistemas ecológicos e da natureza como a conhecemos (Ibid.).

De acordo com o artista, no dia da inauguração no Jardim Gulbenkian, em 1991, o ritual tornou-se «técnico», reunindo máquinas, empilhadoras, guindastes, operários e convidados, que permitiram proceder ao movimento da obra com cerca de quatro toneladas (Ibid.).

O «funeral» da terra foi registado através de fotografias e desenhos, que ilustraram o processo e passaram a acompanhar a obra. Um dos 700 exemplares da publicação «Dois Diálogos à Procura do Sentido», simultaneamente obra literária e objeto escultórico concebida pela dupla, foi sepultado junto da obra. Trata-se de um livro com capa em chapa de ferro que pretende explorar o cruzamento entre o saber humano e as suas ilusões com a simplicidade e imponência da natureza, através dos diálogos entre rei e sábio, poeta e cientista (Ibid.).

Devido ao tratamento com jatos de areia, apenas a caixa-caixão, que guarda o globo intato, é alvo da ação dos elementos e do tempo, ganhando uma pátina de ferrugem (Ibid.).

Em 2000 a obra foi desenterrada, a caixa de ferro e aço desselada, e os dois elementos expostos à superfície no Jardim Gulbenkian, onde permaneceram até 2005. Posteriormente, e até 2017, a obra seria exposta no campus da Faculdade de Economia da Universidade de Lisboa. Em 2022, integrada na programação do CAM em Movimento Cemiterra-Geraterra encontraria um novo lugar acima do solo, numa das encostas do olival sito no Parque Quinta dos Remédios, na Bobadela.

Cemiterra-Geraterra foi instalada perto da entrada, na zona alta do Parque, pontuando o olival com a sua esfera e o paralelepípedo que em tempos foram sepultados.

A exposição teve uma boa repercussão nos meios de comunicação social, com destaque para a crítica de Luísa Santos na Contemporânea (Santos, Contemporânea, ed. 1, 2, 3, 2022), para os artigos na revista Umbigo (Pinto, Umbigo, 15 mar. 2022) e no jornal Público (Tavares, Público, 18 jul. 2022).

Madalena Dornellas Galvão, 2023


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Cemiterra-Geraterra

Miguel Palma (1964-)

Cemiterra-Geraterra, 1991-2000 / Inv. 91E1223


Eventos Paralelos

Mesa-redonda / Debate / Conversa

CAM em Movimento. Alargar e Diversificar Geografias [conversa online]

14 dez 2021
Online

Publicações


Material Gráfico


Fotografias

Miguel Palma, «Cemiterra-Geraterra», 1997-2021. Col. CAM, Inv. 91E1223
Miguel Palma, «Cemiterra-Geraterra», 1997-2021. Col. CAM, Inv. 91E1223
Miguel Palma, «Cemiterra-Geraterra», 1997-2021. Col. CAM, Inv. 91E1223
Miguel Palma, «Cemiterra-Geraterra», 1997-2021. Col. CAM, Inv. 91E1223

Documentação


Periódicos


Páginas Web


Fontes Arquivísticas

Arquivo Digital Gulbenkian, Lisboa / ID: 384077

Coleção fotográfica, cor: aspetos (Quinta dos Remédios, Bobadela) 2022


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