CAM em Movimento. Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2000

Programa «CAM em Movimento» / 2.º Ciclo Vídeos

No âmbito do programa «CAM em Movimento», e apresentada num contentor instalado no Jardim Gulbenkian, a obra de Ana Vidigal integra-se na segunda mostra de vídeos da coleção do CAM dedicado à condição feminina. Nela, inventam-se soluções para escapar à monotonia de um domingo à tarde.

Em 2021, entre confinamentos e o definitivo encerramento do edifício do Centro de Arte Moderna (CAM) – para obras que visam reconfigurar a área expositiva e criar um novo jardim aberto ao público, num projeto do arquiteto Kengo Kuma (Japão, 1954) – o CAM iniciou um «programa fora de portas» intitulado «CAM em Movimento».  

Gerado num momento de transição e guiado pelo desejo de uma arte mais democrática e feita para as pessoas, este novo ciclo sustenta o seu modelo na espontaneidade, reunindo uma programação capaz de suscitar a curiosidade do público através da invasão da paisagem comum e da tentativa de disrupção do quotidiano na cidade. A partir de um exercício de experimentação e reflexão, pretende-se questionar criticamente a instituição, explorando o leque de possibilidades, papéis e funções a adotar no presente e no futuro, em contexto local, nacional e internacional.  

Para Benjamin Weil, novo diretor do CAM desde dezembro de 2020, estes são os elementos fundadores do programa. Nesse sentido, a instituição conseguiria cumprir os seus objetivos se durante o período do fecho conseguisse alargar a sua área de influência para lá do perímetro da Fundação Calouste Gulbenkian, procurando relacionar-se com outros públicos que, por uma ou outra razão, habitualmente se escusam a interagir com a arte (Conversa on-line: Alargar e diversificar geografias, nov. 2021).

Afinal, para o novo diretor do CAM, a obra do edifício oferece à instituição «uma oportunidade (…) [de] se reinventar e construir um futuro dinâmico, criar e estreitar laços de colaboração com outras áreas da Fundação, e explorar novos modos de se dar a conhecer e de atrair novos públicos» aproximando-os da arte contemporânea (Cruz, Expresso, 20 dez. 2020). Como admitiu numa entrevista dada aos jornalistas da RTP (15 out 2021), a instituição quis aproveitar a situação de exceção para «estender a mão aos visitantes», permitindo que a experiência da arte faça parte da vida quotidiana de todos».

Em outubro de 2021, o programa inaugural do «CAM em Movimento» incluiu várias iniciativas. A escultura de Miguel Palma (1694) Cemiterra-Geraterra (1991) viajou até Loures para ser instalada no Parque Quinta dos Remédios, na Bobadela. Os artistas Didier Fiúza Faustino (1968) e Fernanda Fragateiro (1962) intervieram no exterior das carruagens dos comboios da CP das linhas de Sintra e de Cascais, respetivamente. Vinte e quatro obras da Coleção do Centro de Arte Moderna viajaram até à Casa das Histórias Paula Rego, em Cascais, para a exposição «Coleção de Arte Britânica do CAM». O ilustrador António Jorge Gonçalves iniciou o projeto de desenho para os tapumes que circundavam o perímetro das obras do edifício do CAM, que viria a inaugurar em novembro. Um contentor de carga e transporte de mercadorias foi instalado no jardim da Fundação Calouste Gulbenkian, para servir de sala de projeção de vídeos da Coleção do CAM, ao qual, mais tarde, e até final de 2022, se juntariam outros contentores espalhados pela cidade para acolher novos projetos artísticos site-specific, como o de Rui Toscano na praça do Centro Comercial Fonte Nova, Carlos Bunga na Praça do Comércio e António Pedro no Parque da Bela Vista em Chelas, um projeto desenvolvido em colaboração com os moradores desse bairro.

Para Benjamim Weil, a criação de uma sala de projeção dentro de um contentor marítimo colocado no meio de um jardim, era um acontecimento inusitado. No entanto, seguia a linha do programa «CAM em Movimento», favorecendo o encontro com a arte em locais onde este seria, à partida, inesperado.

Entre outubro de 2021 e o final de 2022, o contentor recebeu quatro ciclos de vídeos. Sem exceção, as obras exibidas no contentor marítimo do Jardim Gulbenkian pertenciam à coleção do CAM. O primeiro entre eles, que ocorreu entre 15 de outubro de 2021 e 10 janeiro de 2022, foi dedicado a questões políticas e sociais como a solidão e a guerra, tendo a paisagem e a natureza como cenários de fundo. Contou com obras de João Onofre (1976), Lida Abdul (1973), Pedro Barateiro (1979) e Fernando José Pereira (1961) e curadoria de Patrícia Rosas e Rita Albergaria.

 

O segundo ciclo ocorreu entre 11 de janeiro e 3 de maio de 2022, e permitia refletir acerca da condição feminina, da angústia e da solidão, do prazer ou mesmo das questões de género, através das obras de Vasco Araújo (1975), Ana Vidigal (1960), Maria Lusitano (1971) e Gabriel Abrantes (1984).

 

Se Mulheres d´Apolo (2010), de Vasco Araújo, conta o trágico destino das mulheres de Tróia, Domingo à Tarde (2000), de Ana Vidigal, e Modern Woman (2015), de Maria Lusitano, inventam soluções para escapar à monotonia do quotidiano da mulher. The Brief History of Princess X (2016), o último vídeo do ciclo, narra com humor a história de como foi criada a famosa escultura fálica Princess X, de Constantin Brancusi, um dos artistas mais reconhecidos do século XX.

O segundo vídeo apresentado no contentor instalado no Jardim da Fundação Gulbenkian, no âmbito do segundo ciclo de vídeos, foi Domingo à Tarde, 2000, de Ana Vidigal (Col. Cam, Inv. IM33), um vídeo de 50 minutos, a cor, com som e doado à Fundação Calouste Gulbenkian em setembro de 2010.

Em abril de 2013, Isabel Carlos, diretora do Centro de Arte Moderna entre 2009 e 2016, publica um texto para a apresentação da obra na respetiva página web da Coleção do Centro de Arte Moderna:

«Domingo à Tarde, apesar de ser um vídeo e Ana Vidigal ter-se afirmado sobretudo como pintora desde a década 1980, funciona como uma chave para toda a obra dado que revela a prática, a metodologia e o processo de Vidigal.

Assumidamente doméstico – câmara fixa, imagem por vezes desfocada, azulejos em fundo –, o vídeo regista a artista a operar uma série de ações sobre o seu próprio rosto: primeiro, cobre-o de fita-cola dupla; depois, adiciona-lhe pioneses e plasticina, enclausura-o num saco de plástico transparente; finalmente, apresenta-o refletido numa superfície espelhada que o deforma e transfigura com a ajuda das mãos e de sucessivos esgares e caretas.

Martha Rosler, Bruce Nauman, Helena Almeida e mesmo Francis Bacon ecoam nestas imagens, mas nunca de um modo epigonal, antes como consciência assumida de que o ato artístico é sempre um aprofundamento ou um passo mais à frente, ou ao lado, daquilo que outros criadores fizeram. Os criadores podem vir de um passado artístico longínquo ou não; Vidigal vem de um passado recente, a arte do século XX: do modernismo à pop, passando pelo recurso ao texto e à ironia corrosiva do conceptualismo, bem como à desmontagem da iconografia da sociedade mediática operada pelo feminismo.

A auto-representação, a auto-referencialidade, a colagem, a sobreposição, a transparência e a utilização de materiais comuns, características que atravessam a obra de Vidigal, estão presentes neste vídeo. Mas também a criação de uma espécie de máscara ou armadura que simultaneamente protege e afasta (se entrássemos em contacto com aquele rosto cravado de tachas magoar-nos-íamos). A sequência de acções do vídeo possui também algo de autopunição: a dada altura tememos mesmo que o rosto sufoque dentro do saco de plástico. Um ano mais tarde, a artista usou stills deste vídeo acrescentando-lhes texto para criar uma outra obra que tem um título revelador: Tornei-me Feminista para Não Ser Masoquista

Embora integrada na programação do «CAM em Movimento», amplamente divulgada pelos meios de comunicação social, o segundo ciclo de vídeos e a iniciativa em causa, não tiveram registos críticos na imprensa que os destacassem em particular. Para uma contextualização do «CAM em Movimento» nos meios de comunicação social, consultar, por exemplo, a crítica de Luísa Santos na Contemporânea (Santos, Contemporânea, ed. 01-02-03, 2022), as menções em artigos nas revistas Time Out (Moreira, Time Out, 19 out. 2021) e Umbigo (Duarte, Umbigo, 3 nov. 2021). Para as peças nos programas de rádio e de televisão ver Jornal da Noite (SIC, 15 out. 2021), As Horas Extraordinárias (RTP3, 29 out. 2021) e Portugal em Direto (RTP1, 3 nov. 2021).

Dada a natureza e condições do espaço de apresentação dos vídeos — um contentor marítimo de livre circulação — não se realizou relatório de exposição, questionário ao público — no que diz respeito ao grau de satisfação pela visita —, ou contagem do número de visitantes. 

Madalena Dornellas Galvão, 2021


Ficha Técnica


Artistas / Participantes


Coleção Gulbenkian

Domingo à Tarde

Ana Vidigal (1960-)

Domingo à Tarde, 2000 / Inv. IM33


Material Gráfico


Fotografias

Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)
Frame do vídeo de Ana Vidigal, «Domingo à Tarde», 2006 (Col. CAM, Inv. IM33)

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