Preservar um Património Universal

O Projeto de Conservação e Restauro de Obras de Arte do Terra Sancta Museum

A conservadora-restauradora Mafalda Fernandes dá-nos a conhecer as várias etapas do processo de conservação e restauro de um conjunto de obras pertencentes à coleção do Terra Sancta Museum.
Mafalda Fernandes 14 fev 2024 7 min
O Tesouro dos Reis

A exposição O Tesouro dos Reis. Obras-primas do Terra Sancta Museum foi o mote para o desenvolvimento de um complexo projeto de conservação e restauro de um conjunto de obras de ourivesaria, mobiliário, têxtil, pintura e documentos gráficos. As obras intervencionadas – à exceção de duas pinturas da coleção do Museu Nacional de Machado de Castro – pertencem ao acervo da Custódia da Terra Santa. Após a sua itinerância em diversas exposições internacionais, regressarão a Jerusalém, onde serão apresentadas na secção histórica do Terra Sancta Museum, a inaugurar em 2026.

No contexto da preparação da exposição, em abril de 2022, uma equipa do Museu Calouste Gulbenkian deslocou-se a Jerusalém para a seleção das obras e elaboração de um levantamento inicial das necessidades de conservação. Decorrente dessa visita, ficou o Museu Gulbenkian responsável pela definição dos critérios de intervenção e execução prática dos trabalhos em articulação com a Custódia da Terra Santa.

Foi também estabelecida uma colaboração com o Laboratório José de Figueiredo para a coordenação técnico-científica da conservação e restauro das obras de ourivesaria. Esta parceria, fundamental para o sucesso dos trabalhos, permitiu também a elaboração de estudos e métodos de exame e análise, com o objetivo de identificar materiais e respetivos produtos de alteração e, consequentemente, apoiar a tomada de decisão das metodologias a implementar.

As 75 obras provenientes da Terra Santa chegaram a Portugal no segundo trimestre de 2023, momento em que se iniciaram os trabalhos de conservação e restauro de um conjunto de cerca de 40 peças. Este projeto de restauro teve a duração aproximada de cinco meses.

O relevo Ressurreição de Cristo, datado de 1736 e proveniente do Reino de Nápoles, é uma das mais imponentes obras que se apresentam nesta exposição. Por se tratar de uma peça de grandes dimensões e peso (160 centímetros de altura, 197 centímetros de largura e cerca de; de 200 kilos), foi a que mais exigiu do ponto de vista logístico, desde a sua retirada de uma parede da Capela latina da Aparição, no interior da Basílica do Santo Sepulcro – onde se encontrava ao culto –, até à sua instalação na exposição.

O relevo é composto por uma estrutura em madeira, sobre a qual estão montadas cinco placas de prata fundida. A obra apresentava escurecimento do metal, produtos de corrosão e uma elevada acentuação de sujidade e produtos de limpeza de intervenções anteriores. Com maior expressão na parte inferior da moldura, observavam-se danos estruturais como deformações, fraturas e lacunas de material.

O restauro iniciou-se pela desmontagem da obra que, acompanhado de um mapeamento e etiquetagem de cada peça, facilitou o processo final de montagem. De seguida, foi realizada uma limpeza química ou mecânica de todos os elementos, bem como reforços estruturais e correções de deformações. Todo o processo de intervenção foi acompanhado de uma criteriosa documentação fotográfica para registo dos trabalhos desenvolvidos.

Uma outra obra de grande impacto e qualidade artística é o frontal de altar proveniente de Nápoles, executado em 1731 pelo ourives Gennaro De Blasio. Composto por três painéis articulados entre si por dobradiças de ferro, o frontal de altar apresenta no painel central o tema do Pentecostes e, nos laterais, os franciscanos São Luís de Anjou e São Boaventura.

Os frisos e as várias peças que dão tridimensionalidade à obra – incluindo as esculturas que representam a Virgem, os Apóstolos e os santos franciscanos – foram retirados para limpeza, permitindo desta forma o acesso total ao objeto.

A prata e os elementos em cobre dourado foram também limpos química ou mecanicamente. Parte de um dos frisos inferiores, originalmente em cobre dourado, estava em falta, perturbando a leitura geral da obra. Para preenchimento da lacuna, esculpiu-se um novo friso em madeira que foi posteriormente dourado.

O restauro do baldaquino eucarístico ofertado pelo rei Filipe IV de Espanha e seu filho, futuro Carlos II, foi um dos mais exigentes deste grande projeto de conservação. Executado em 1665 em Messina, na Sicília, e recebido em Jerusalém em 1666, esta obra de consideráveis dimensões divide-se em dois grandes elementos estruturais, unidos por encaixe. A chapa de prata que reveste quase todo o objeto apresenta uma espessura bastante reduzida e encontra-se abundantemente decorada, seja com ornamentos em relevo, seja com cravações com pedrarias coloridas. A prata separa-se da estrutura de madeira em centenas de peças, num complexo esquema de montagem.

Os elementos passíveis de serem desmontados foram etiquetados e limpos separadamente. Foi o caso dos anjos, que após a limpeza foram colocados num banho de ultrassons (para ajudar a remover os produtos de limpeza) e seguidamente secos. A prata, além do escurecimento e dos produtos de corrosão observáveis, encontrava-se fissurada e deformada, com maior expressão nas arestas. Depois da limpeza, da aplicação de reforços estruturais e da correção de deformações, todas as peças foram recolocadas no seu local de origem, sempre que possível com os elementos de fixação originais.

Nesta exposição apresentam-se também duas pinturas portuguesas do século XVI, da coleção do Museu Nacional de Machado de Castro, em Coimbra, que representam A Descoberta da Santa Cruz por Santa Helena e O Imperador Heráclio com a Cruz.

Apesar de terem sido restauradas anteriormente, ambas as pinturas apresentavam instabilidade na adesão da camada de preparação e das camadas cromáticas ao suporte em madeira, revelando já pequenas perdas. A intervenção consistiu na estabilização das pinturas, com fixação dos destacamentos da policromia. Fez-se ainda o preenchimento das lacunas e a integração cromática das mesmas, isto é, a correção da sua forma e/ou da sua cor. Foi também retificado o tom das anteriores integrações, que se encontrava muito alterado. O tratamento das molduras consistiu na remoção de poeiras depositadas, preenchimento e tonalização das lacunas de dourado.

Como nota conclusiva, podemos referir que o sucesso do projeto se deveu ao empenho de uma equipa multidisciplinar composta por 12 conservadores-restauradores especializados nas diversas áreas, historiadores de arte, químicos, marceneiros, entre outros. Este excecional tesouro artístico é um património verdadeiramente universal, pelo que ter contribuído para a sua preservação foi motivo de grande satisfação e prazer para todos os envolvidos.

Série

O Tesouro dos Reis

Os reinos de Portugal, Espanha e Nápoles realizaram das mais importantes doações à Terra Santa. Nesta série de vídeos, descubra alguns dos objetos e das figuras que protagonizaram estas ofertas.

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