Ofertas de Calouste Gulbenkian ao Patriarcado Arménio de Jerusalém

De uma biblioteca a um livro de evangelhos, a investigadora Vera Mariz dá-nos a conhecer, neste artigo, as ofertas de Calouste Gulbenkian ao Patriarcado Arménio de Jerusalém.
Vera Mariz 06 dez 2023 5 min
Calouste Gulbenkian e Jerusalém

Como outras famílias arménias otomanas, os Gulbenkian estabeleceram e cultivaram, pelo menos desde o início do século XIX, importantes relações filantrópicas com o Patriarcado Arménio de Jerusalém. Firme defensor da responsabilidade de preservar a herança e as tradições familiares, Calouste Gulbenkian irá dirigir uma parte significativa dos seus esforços filantrópicos precisamente para a comunidade cristã arménia da Terra Santa.

A Biblioteca Gulbenkian constitui a mais expressiva memória da relação de Calouste Gulbenkian com o Patriarcado Arménio de Jerusalém. O início do projeto remonta a 1928, quando o comité criado para a comemoração do 50º aniversário da ordenação sacerdotal do Patriarca Yeghishe I Tourian propõe a construção de uma biblioteca, lançando uma campanha de recolha de donativos. Sensibilizado para o projeto, Calouste Gulbenkian não só aceitaria contribuir, como se disponibilizará a financiar a totalidade das despesas, declarando fazê-lo em memória do seu pai, Sarkis Gulbenkian.

Como era seu apanágio, Gulbenkian vai acompanhar de perto e envolver-se nas diferentes fases do processo, recorrendo sempre que necessário a colaboradores da sua confiança. É o caso de O. Abdalian, antigo verificador na obra de remodelação do 51 avenue d’Iéna, residência de Gulbenkian em Paris, a quem nesta ocasião será encomendada a avaliação do projeto e respetivo caderno de encargos da autoria de E. Faitelson (arquiteto) e Merguer Merguerian (construtor).

A Biblioteca Gulbenkian seria inaugurada a 23 de outubro de 1932, sem a presença do seu principal benemérito, sempre discreto e avesso à atenção pública. A primeira visita de Gulbenkian teria lugar somente em 1934, uma experiência que deixaria memórias inolvidáveis no filantropo arménio. O compromisso com a instituição seria vitalício, traduzindo-se em donativos regulares para a aquisição de livros ou outras necessidades daquela que para sempre seria, nas palavras endereçadas por Gulbenkian à sua filha Rita e ao seu neto Mikaël, «a nossa biblioteca».

A relação entre a adesão ao projeto de construção da biblioteca patriarcal e o fascínio do Colecionador pela arte do livro, tendo o próprio reunido um interessante conjunto de manuscritos e obras impressas, é evidente. Serve, também, de pano de fundo para uma outra oferta: um livro de evangelhos arménio, produzido em Archesh (atual Erciş, Turquia) e datado de 1455, descrito por Gulbenkian como sendo «muito bonito». A obra surgira no mercado em Londres, em 1947, num leilão da Sotheby’s, chamando a sua atenção, através do catálogo, não só pela beleza das iluminuras, mas sobretudo pela encadernação. A pedido do Colecionador, à data a residir em Lisboa, a qualidade do manuscrito seria confirmada por Frederic Sutherland Ferguson, diretor-gerente da livraria antiquária Bernard Quaritch, que acabaria por intermediar a aquisição.

Arrematado por apenas 260 libras (além de 40 libras de comissão para Ferguson), o livro seria entregue no escritório da Gulbenkian Limited, em Londres. Ao contrário do que aconteceria com outras obras adquiridas neste período, Gulbenkian pede que o manuscrito seja enviado para Lisboa, através da sua filha, «porque tenho interesse em vê-lo».  As iluminuras da autoria de Minas, um dos mais populares e prolíferos miniaturistas da Escola de Van, e a caligrafia arménia de tipo bologir (letra cursiva minúscula) do padre David (copista), terão agradado ao Colecionador. No entanto, o livro de evangelhos acabaria por não se juntar a outros manuscritos arménios que já integravam a coleção, acabando por ser oferecido ao Patriarca Arménio de Jerusalém, Guregh II Israelian.

Desejando que fosse «uma adição interessante» à biblioteca patriarcal, em 1948 Gulbenkian dá início ao envio do livro para Jerusalém. Face ao conflito árabe-israelita desencadeado pela aprovação do plano de partilha da Palestina pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o processo acabaria por ser algo tortuoso. Numa primeira etapa, o manuscrito seria confiado a John C. Wiley, embaixador norte-americano em Lisboa, nomeado em 1948 para um novo posto no Irão, estando prevista uma passagem pelo Cairo a caminho de Teerão. Na capital egípcia, a obra seria recebida por Janig H. Chaker, empresário arménio que servira de anfitrião durante a viagem de Gulbenkian ao Egito em 1934, a quem agora se pedia colaboração no envio da obra para Jerusalém quando as condições na região fossem favoráveis.

A derradeira etapa da viagem só teria lugar em 1950, depois de Chaker ter articulado com Mampré Sirounian, Arcebispo da Igreja Arménia no Cairo, o envio do livro de evangelhos para a Biblioteca Gulbenkian em Jerusalém. A memória desta oferta em particular seria, de resto, eternizada no próprio manuscrito através de uma inscrição em arménio: «Oferta do honorável Calouste Gulbenkian».

Série

Calouste Gulbenkian e Jerusalém

Do itinerário e impressões pessoais de Calouste Gulbenkian sobre uma viagem realizada em 1934, à aquisição e oferta de um manuscrito arménio, esta série dá a conhecer os laços que unem Calouste Gulbenkian a Jerusalém.

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