Pavilhão Mozart: um espaço para a cultura dentro da prisão
“O Pavilhão Mozart é, antes de mais, um espaço físico dentro de uma prisão que se organiza por pavilhões”, explica Paulo Lameiro, diretor artístico do projeto Ópera na Prisão, promovido pela SAMP – Sociedade Artística Musical dos Pousos no Estabelecimento Prisional de Leiria – Jovens (EPL-J) desde 2015. “Mas é também um modelo de trabalho, uma metodologia que se foi desenvolvendo ao longo destes anos PARTIS”, que, além de trabalhar com criadores externos, “contempla um trabalho de cocriação, de envolvimento de toda a comunidade prisional, incluindo das famílias dos reclusos, que vão lá dentro ensaiar e atuar com eles”. Este é o resultado de um projeto que começou como “Ópera na Prisão: D. Giovanni 1003-Leporello 2015”, no âmbito da iniciativa PARTIS, e que evoluiu, na segunda edição, para “Pavilhão Mozart – Só Zerlina ou Così fan tutte?”. Ambas as edições tiveram como ponto de partida a recriação e apresentação de uma ópera de Mozart, com o objetivo de potenciar, pela criação artística no campo da música em geral e da ópera em particular, a autoestima, o autocontrolo e a formação pessoal e cívica dos jovens do EPL-J.
Projeto Pavilhão Mozart – fase de Residências Artísticas
Do poder transformador da ópera à realidade virtual aumentada
No decorrer dos primeiros anos do projeto, uma coisa ficou muito clara para Paulo Lameiro e toda a equipa: “é muito importante para os reclusos saírem fora da prisão para apresentar o seu espetáculo num palco profissional, mas para a comunidade é tão ou mais importante ir dentro da prisão assistir ao espetáculo”. Foi assim que nasceu o sonho de, na segunda edição do Ópera na Prisão (2016-2018), criar um espaço físico permanente dentro da prisão, adaptado para a apresentação de uma grande obra – como uma ópera de Mozart. Um antigo pavilhão de encadernação dentro do EPL foi então recuperado e, depois das necessárias obras, iniciadas em julho de 2020, inaugura agora uma extraordinária nova vida. Além do apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, através da iniciativa PARTIS, o Pavilhão Mozart passou a contar também com o apoio da iniciativa Portugal Inovação Social e da Fundação Caixa Agrícola de Leiria.
Em retrospetiva dos últimos cinco anos, Paulo Lameiro sintetiza como principais aprendizagens “o poder transformador da ópera”, a importância de envolver não só as famílias dos reclusos mas também toda a comunidade parceira nos projetos (guardas, psicólogos, políticos, vereadores, presidentes de comissões e de fundações, encenadores, músicos e artistas) e a “ousadia dos serviços prisionais”. “Nada disto faria sentido se o estabelecimento prisional não tivesse aceitado de braços abertos a possibilidade de existir este pavilhão, não de saúde nem de cursos profissionais, mas para capacitar profissionais de palco”, explica o diretor artístico. “Isto revela bem também o caminho que se fez até aqui e a cumplicidade: somos uma equipa e trabalhamos em conjunto para fazer alguma coisa transformadora para todos”.
O futuro é incerto, mas tudo indica que 2021 vai ter um arranque positivo. Neste momento, decorre o projeto Traction, financiado pelo programa HORIZONTE 2020, em parceria com o Gran Teatre del Liceu, de Barcelona e a Irish National Opera. Utilizando tecnologias de realidade virtual aumentada – já instaladas no pavilhão –, o projeto “procura ultrapassar os muros de betão e as grades físicas, mas também os muros humanos e preconceitos entre o fora e o dentro da prisão”. A longo prazo, espera-se que outros projetos e desafios vão surgindo, para que “a cidade de Leiria possa ter mais um espaço de performance, que por acaso está dentro de uma prisão”.
O vídeo da inauguração está disponível no site da SAMP e no Youtube.