Lei Saito: «Tento fazer com que cada performance seja um encontro único»
O que a levou a aceitar o convite para participar na Temporada de Arte Contemporânea Japonesa do CAM?
Fiquei muito feliz quando, há mais de um ano, Emmanuelle de Montgazon me convidou para participar na Temporada Japonesa.
O conceito arquitetónico japonês 縁側 [engawa], na sua qualidade de espaço público / privado, interior / exterior, é-me muito inspirador. Além disso, nunca tinha estado em Portugal antes da viagem de preparação que realizei no ano passado. Visitar cidades desconhecidas enche-me sempre de inspiração.
As suas performances estão normalmente relacionadas com o local em que se realizam. O que precisa de saber sobre um lugar antes de planear a sua performance?
Visitar o local e sentir a cidade é muito importante. Adoro olhar para a vida quotidiana dos habitantes e deixo-me inspirar pelos pormenores que observo. O ambiente, a vegetação, o desenho dos espaços públicos, as cores e os cheiros da cidade, a humidade, os mercados e os cafés de bairro, a forma como as pessoas andam e se vestem, etc.
Também foi importante para mim visitar os mercados locais e biológicos e experimentar alguns restaurantes para perceber a cozinha e o sabor da comida em Lisboa.
Faz associações de cores e/ou sabores com os vários aspetos de um local? Ou de uma exposição?
Para a performance na Gulbenkian [Cuisine Existentielle], por exemplo, quis que a instalação se parecesse com a calçada portuguesa (branca e preta) de Lisboa. Por isso, reinterpretei-a utilizando cacau-carvão em pó e fazendo bolachas cúbicas pretas e brancas.
Quis também utilizar as ondulações da água que se formavam na superfície do lago da Fundação, pelo que procurei integrar formas redondas feitas de gelatina, juntamente com fatias de frutas e vegetais, combinando-as com peças de cerâmica azul iridescente que lembram a água.
Também usei os meus oshizushi reinventados (sushi prensado em formas quadradas com padrões) e bolos de chocolate quadrados com padrões para fazer referência aos azulejos portugueses.
Os produtos/culturas locais têm impacto no processo de conceção de uma performance/peça?
Sim, têm.
Tento fazer com que cada performance seja um encontro único. Obviamente, a comida local, as pessoas que encontro ou mesmo um tema de conversa podem ajudar-me a desenhar uma paisagem. Também criei uns pequenos suportes para bolos e taças com padrões marmoreados para criar diferentes níveis de altura na mesa, pensando na topografia da cidade e do Jardim Gulbenkian. Este padrão cósmico do mármore parece-me bastante japonês e português ao mesmo tempo.
Considero que o momento de degustar e apreciar a paisagem de comer é parte integral da performance. É emocionante e curioso ver como as pessoas reagem durante a montagem dos ingredientes, como começam a comer e o que descobrem, sobre o que conversam, etc.
Existe um aspeto efémero relacionado com a comida, que explora em todas as áreas do seu trabalho – performance, cerâmica, desenho, fotografia, instalação, escultura, etc.
Penso que a efemeridade é um dos raros elementos japoneses no meu trabalho. Gosto de construir cenários: lugares que existem apenas por um período limitado de tempo – a duração de uma performance, uma exposição, uma festa, etc. Quando sabemos que vai desaparecer, damos-lhe mais atenção e tentamos recordá-lo. Tudo desaparece, mas as imagens, os sons, a atmosfera, os sabores e os cheiros permanecem na nossa memória.
Como é que estas práticas se complementam no seu trabalho?
Há sempre uma trajetória pendular no meu trabalho. Uma instalação transforma-se numa obra impressa. Ou uma paisagem de comer dá-me uma ideia para um novo título ou novos desenhos.