Os contos tradicionais no percurso artístico de Paula Rego

A artista associou os contos tradicionais portugueses a histórias ouvidas na sua infância e aos valores expressivos da cultura popular.
Leonor de Oliveira 19 nov 2019 3 min
Novas leituras

Nos anos de 1960, a artista centra-se na versão mais erudita destas histórias, de feição mitológica, mas entre 1974 e 1975 aborda o tema com um conjunto de guaches que ilustram contos integrados nas antologias de Gonçalo Fernandes Trancoso e de Leite de Vasconcelos, nomeadamente Brancaflor, O Diabo do Gato, Os Dois Vizinhos e As Três Cabeças de Ouro.

Estas ilustrações destinavam-se inicialmente a uma publicação inglesa, da editora Jonathan Cape, que acabou por não ser editada.

 

Paula Rego, «Contos Populares Portugueses: os dois vizinhos – dois homens separados por um rio de sangue», c. 1975. Inv. DP239
Paula Rego, «Contos Populares Portugueses: Branca Flor – pombas a tomar banho», c. 1975. Inv. DP242

 

A sua pesquisa sobre os contos populares prossegue entre 1976 e 1979 com o apoio de uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian.

Nos relatórios enviados à Fundação, Paula Rego inclui uma recolha exaustiva de ilustradores de contos populares, que acompanha de uma análise crítica, procurando «integrar contos eternos na nossa mitologia contemporânea e experiência subjetiva através da pintura»[1] e defendendo o conto de fadas clássico como «o conto mais certo sobre [sic] o ponto de vista psicológico. Nesse género de conto, o bem e o mal estão nitidamente definidos mas constituindo um todo complexo e indivisível.»[2]

 

Paula Rego, «Contos Populares Portugueses: o diabo gato – três pequenos diabos atados com fio branco», c. 1975. Inv. DP240
Paula Rego, «Contos Populares Portugueses: as três cabeças de oiro – rapariga sentada num poço com cabeças em primeiro plano», c.1975. Inv. DP238

 

A atenção dada por Paula Rego a histórias centradas no percurso aventuroso de uma heroína, como Brancaflor, revelam que a artista parte de um ponto de vista pessoal, identificando-se com as suas personagens no confronto com acontecimentos nefastos, como aqueles que marcam a sua vida familiar em meados dos anos 1970, e no conflito com a sua dupla natureza, sexual e maternal.

A prática criativa e o imaginário pessoal de Paula Rego identificam, por isso, nestas histórias o seu correspondente literário. Por detrás da fantasia e do sobrenatural encontramos, tal como na obra da artista, histórias cruas e violentas que podemos relacionar com um percurso iniciático.

Paula Rego, enquanto mulher, revê nos desafios narrados a sua própria experiência criando assim um imaginário íntimo que a ajuda a enfrentar os desafios do presente.

 

Paula Rego, «Contos Populares Portugueses: Branca Flor – o diabo e a diaba na cama», c. 1975. Inv. DP237
Paula Rego, «Contos Populares Portugueses: Branca Flor – rapaz a brincar com o diabo», 1974. Inv. DP241

 

Para uma análise mais detalhada sobre o trabalho de Paula Rego e os contos tradicionais consultar o catálogo Paula Rego: Contos tradicionais e contos de fadas.[3]


[1] Candidatura de Paula Rego a uma bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa, 26 de abril de 1976. Arquivos Gulbenkian, SBA1392.

[2] Paula Rego, «Algumas origens dos Contos de Fadas», texto inserido no seu primeiro relatório enviado à Fundação Calouste Gulbenkian [Londres, julho de 1977]. Arquivos Gulbenkian, SBA3708.

[3] Cascais: Fundação D. Luís I: Casa das Histórias Paula Rego, 2018

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Nesta rubrica, artistas, curadores, historiadores e investigadores convidados refletem sobre a Coleção do CAM, explorando diferentes perspetivas e criando relações por vezes inesperadas. Partindo de uma obra, de um artista ou de uma temática específica, estes textos propõem novas formas de ver e pensar a Coleção à luz do contexto histórico atual.

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