Tchaikovsky: Sinfonia n.º 4
Orquestra Gulbenkian / Lorenzo Viotti
Na segunda metade do ano de 1877, a composição da Sinfonia n.º 4, em Fá menor, op. 36, de Piotr Ilitch Tchaikovsky, acompanhou uma fase especialmente difícil da vida do compositor, marcada pelo fracasso do seu casamento com Antonina Milyukova. Os desapontamentos e fragilidades da experiência conjugal foram então confidenciados nas cartas que Tchaikovsky dirigiu ao irmão Modest e à sua protetora e dedicatária da Sinfonia n.º 4, Nadezhda von Meck.
O primeiro andamento da sinfonia, em particular, testemunha o domínio da grande forma sinfónica como veículo para a confrontação dramática de agregados temáticos diferentes entre si, mas complementares. A situação pessoal do compositor aflora, de forma bem nítida, no inexorável “motivo do destino” que teima em persistir ao longo dos andamentos da obra, qual lembrança omnipresente do fatuum beethoveniano, a obstar à plena realização da felicidade humana. Tal elemento temático, apresentada desde o início do andamento pelas trompas e fagotes, com eco nos trompetes e madeiras, atua simultaneamente como expediente de unificação musical e como gérmen criador de muitos dos seus componentes melódicos, como, por exemplo, o primeiro tema da exposição, apresentado pelos violinos e violoncelos, Moderato con anima, sobre um ritmo reminiscente da valsa.
Apesar de refletirem diferentes predisposições e estados de alma, os dois andamentos seguintes, Andantino in modo di canzona e Scherzo, vêem-se impelidos por uma mesma atitude introspetiva, de que deu conta o compositor numa carta dirigida a Mme. von Meck. Segundo as suas palavras, o protagonista pressente e assimila a nostalgia que o rodeia, procurando depois combater as disposições adversas através da ingestão de vinho. Sobre ambos os andamentos pairam os ecos premonitórios do “tema do destino”.
O último andamento constitui um momento de viragem na obra, já que propõe o retorno do discurso a um tom mais sério, o que de resto é sublinhado, desde logo, pela introdução de uma versão aperfeiçoada da secção inicial do Scherzo. Contudo, a ambiguidade torna-se a nota dominante, à medida que a textura evolui para patamares longínquos e contrastantes, fugindo à previsível resolução das tensões e dos conflitos ardilosamente construídos no andamento inicial. Ante as características melodias populares russas empregues no Finale, Tchaikovsky parece ter querido regressar às raízes mais simples da sua Sinfonia n.º 2, Pequena Rússia, composta cinco anos antes, mas a ascendência do destino implacável acaba por transmitir uma impressão final de resignação, face à impossibilidade de realizar os sonhos e aspirações mais profundos.
Intérpretes
- Maestro
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Lorenzo Viotti
Maestro Convidado Principal
Na quarta temporada como Maestro Principal da Orquestra Filarmónica e da Ópera Nacional dos Países Baixos, Lorenzo Viotti dirige O Morcego de Johann Strauss e uma nova produção de Peter Grimes de Britten. Dando também continuidade à sua relação profissional com a Ópera de Zurique com uma nova produção de A Cidade Morta de Korngold. Para além dos concertos regulares e digressões com a Filarmónica dos Países Baixos, regressa aos EUA para a suas estreias com a Filarmónica de Los Angeles e com a Sinfónica de Pittsburgh. Na Europa, dirige a Filarmonica della Scala, a Orchestra dell’Accademia Nazionale di Santa Cecilia, a Gürzenich Orchestra e a Orchester der Deutschen Oper Berlin. Estreia-se à frente da Orchestre de la Suisse Romande e conclui a temporada com a Sinfónica de Viena.
Na qualidade de maestro convidado, Lorenzo Viotti trabalhou com muitas das principais orquestras mundiais, incluindo as Filarmónicas de Viena, Berlim e Munique, a Orquestra do Real Concertgebouw de Amesterdão, a Sächsische Staatskapelle Dresden, a Orquestra do Gewandhaus de Leipzig, a Orquestra de Cleveland, a Royal Philharmonic, a Orquestra Estadual de Berlim ou a Sinfónica de Tóquio.
Natural de Lausanne, na Suíça, Lorenzo Viotti nasceu no seio de uma família de músicos de ascendência italiana e francesa. Estudou piano, canto e percussão em Lyon, tendo inicialmente sido percussionista da Filarmónica de Viena. Paralelamente estudou direção de orquestra com Georg Mark, em Viena, e com Nicolás Pasquet, no Conservatório Franz Liszt, em Weimar. No início da sua carreira venceu prestigiosos concursos de direção, incluindo o Concurso Internacional de Cadaqués, o Concurso de Direção MDR (2013) e o Nestlé and Salzburg Festival Young Conductors Award (2015). Em 2017 recebeu o International Opera Newcomer Award nos International Opera Awards, em Londres. Foi Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian entre 2018 e 2021, sendo atualmente Maestro Convidado Principal.
Programa
Piotr Ilitch Tchaikovsky
Sinfonia n.º 4, em Fá menor, op. 36
1. Andante sostenuto – Moderato con anima
2. Andantino in modo di canzona
3. Scherzo: Pizzicato ostinato – Allegro
4. Finale: Allegro con fuoco