Sibelius: Sinfonia n.º 1
Orquestra Gulbenkian / Nuno Coelho
Tanto na sinfonia como no poema sinfónico, o compositor finlandês Jean Sibelius demonstrou capacidades criativas que se renovaram constantemente, em busca de um ideal de sonoridade que fundisse os ecos da música tradicional do seu país natal com as demandas próprias do espírito romântico, sem perder de vista as linhas mestras da tradição musical austro-germânica, das quais foi aprendiz durante o seu período de estudos nas cidades de Helsínquia, Berlim e Viena. Província do vasto império russo desde 1814, a Finlândia apenas conheceu uma expressão nacionalista sólida, no que à música diz respeito, a partir de finais da década de 1890. Sibelius liderou este movimento, com a composição da sua Sinfonia nº 1 e do poema sinfónico Finlândia, op. 26.
Composta entre os anos de 1898 e 1899, a Sinfonia nº 1 detém uma base formal de cunho conservador, fortemente influenciada pelos cânones do classicismo, sobretudo no primeiro e terceiro andamentos. De todo o modo, Sibelius mantém presente um espírito aberto, perscrutador, através do qual transmite às suas texturas um conjunto de traços identitários, essenciais, de resto, para a prossecução, em moldes ambiciosos, do seu restante projeto sinfónico, que conta com mais seis sinfonias de larga escala. É uma obra impetuosa, permeada pela sucessão de patamares expressivos muito distintos e contrastantes, no curso dos quais se cruzam constantemente os sentimentos humanos com as recriações sonoras da grandiosa paisagem nórdica.
Um solo melancólico de clarinete sobressai na introdução lenta que serve de ponto de partida ao primeiro andamento, Adante, ma non troppo. Sobre uma exposição de sonata, a secção Allegro energico faz surgir o tema principal, logo seguido de miríades de motivos melódicos secundários que incitam ao desvio da tonalidade sombria de Mi menor para a tonalidade mais auspiciosa de Sol maior. O segundo tema destaca-se pela sua serenidade, evocadora dos amplos espaços da tundra ártica. O violino assume o protagonismo da secção de desenvolvimento, após o que regressa à textura o segundo tema da exposição, no clarinete.
Uma das melodias mais célebres de Sibelius, misto de lirismo e espírito contemplativo, assoma à superfície do segundo andamento, Andante, na tonalidade afastada de Mi bemol maior. Introduzida pelas cordas con sordina, a bela melodia é retomada pelos clarinetes que a envolvem numa teia de sextas paralelas. Por sua vez, as trompas estabelecem uma atmosfera lendária, reminiscente dos dramas de Wagner (ainda que Sibelius não simpatizasse com o autor da Tetralogia), a qual imerge o ouvinte no mundo do Kalevala – uma saga literário-musical finlandesa de origem incerta, que relata as explorações de três irmãos, habitantes de Kaleva (a terra dos heróis). O andamento encerra com o regresso à textura do tema inicial.
No último andamento, em Mi menor, Sibellius leva a efeito uma síntese abrangente dos componentes temáticos dos andamentos anteriores, sem deixar de acrescentar novos motivos, fortemente característicos, os quais imprimem ao ouvido uma persistente sensação de continuidade e fluidez sonora. A melodia do Andante serve aqui como principal elemento melódico unificador.
Intérpretes
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Nuno Coelho
Maestro Convidado
Na temporada 2022/23, Nuno Coelho é o novo Maestro Principal e Diretor Artístico da Orquestra Sinfónica do Principado das Astúrias e cumpre o quinto ano como Maestro Convidado da Orquestra Gulbenkian, que dirige numa produção da visão de José Saramago da ópera Don Giovanni de Mozart, em comemoração do centenário do escritor. Outras atuações de destaque incluem estreias com a Orquestra do Real Concertgebouw de Amesterdão, a Filarmónica de Tampere e a Sinfonieorchester St Gallen, novas colaborações com a Sinfónica de Amberes e a Sinfónica de Tenerife e uma digressão com a Jovem Orquestra Nacional de Espanha.
Na temporada passada estreou-se à frente da Filarmónica de Helsínquia, da Dresdner Philharmonie, da Staatsorchester Hannover, da Filarmónica do Luxemburgo, das Sinfónicas de Gävle e Malmö, da HET Residentie Orkest, da Filarmónica de Estrasburgo e da Orquestra Nacional de Lille. Reforçou o seu relacionamento com as Sinfónicas da Galiza e de Barcelona. Em março de 2022, na Fundação Gulbenkian, dirigiu uma produção semi-encenada de Così fan tutte, expandindo o seu repertório de ópera que abarca produções de La traviata, Cavalleria rusticana, Rusalka, O diário de Anne Frank e Os sete pecados mortais, entre outras.
Nuno Coelho venceu o Concurso Internacional de Direção de Orquestra de Cadaqués em 2017 e, desde então, dirigiu a Royal Liverpool Philharmonic, a BBC Philharmonic, a Sinfónica de Hamburgo, a Sinfónica de Castela e Leão, a Noord Nederlands Orkest e a Orchestra Teatro Regio Torino. Em 2018/19 recebeu a Bolsa Dudamel, o que lhe permitiu colaborar com a Filarmónica de Los Angeles. Nessa mesma temporada, dirigiu a Sinfónica da Rádio da Baviera, ao substituir o maestro Bernard Haitink à última hora.
Nuno Coelho nasceu no Porto. Estudou direção de orquestra na Universidade das Artes de Zurique com Johannes Schlaefli e ganhou o Prémio Neeme Järvi no Festival Menuhin de Gstaad. Em 2014 foi bolseiro da Fundação Gulbenkian e em 2015 foi admitido no Dirigentenforum do Conselho Alemão da Música. Nos dois anos seguintes foi bolseiro em Tanglewood e maestro assistente da Filarmónica dos Países Baixos. Ocupa o seu tempo livre com a literatura e o ténis.
Programa
Jean Sibelius
Sinfonia n.º 1, em Mi menor, op. 39
1. Andante, ma non troppo – Allegro energico
2. Andante (ma non troppo lento)
3. Scherzo: Allegro
4. Finale: Andante – Allegro molto – Andante