Ricardo Fitas: “Agora sou eu que estou na posição de oferecer oportunidades a outras pessoas”

Ricardo Fitas foi bolseiro de Mérito da Fundação Gulbenkian entre 2017 e 2022. Com um percurso académico louvável, inicia agora uma sólida carreira de investigação na engenharia mecânica e quer retribuir aquilo que lhe foi dado e abrir caminho para futuros bolseiros.
27 dez 2023 8 min
Histórias de Bolseiros

Natural de Esposende, Ricardo foi aluno do mestrado integrado em Engenharia Mecânica na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Com o apoio da Bolsa Gulbenkian de Mérito, fez um ano de Erasmus na Alemanha, onde iniciou aquela que se adivinha uma longa e promissora carreira académica.

Recentemente, contactou o serviço de Bolsas da Fundação Gulbenkian para dar de volta aquilo que recebeu e “poder contribuir para que outros alunos também tenham acesso a estas oportunidades”. Tivemos ocasião de, numa breve visita sua ao país-natal, conversar um pouco com este bolseiro decidido e inconformista.

És formado em Engenharia Mecânica. De onde surgiu o interesse por esta área?

Sempre me interessei por Matemática, mas já desde antes do Secundário imaginava-me formado em Engenharia e não propriamente nas ciências exatas ou à volta da teoria; sempre gostei de aplicar os conhecimentos na prática. Foi uma decisão que tomei na altura do nono ano, e eu sou assim um bocado de planos fixos, não sou de experimentar muito. Segui a licenciatura e o mestrado, e mesmo o doutoramento está ligado a uma área de aplicação da engenharia mecânica. Estou a gostar bastante, é o que sempre que quis fazer profissionalmente.

E agora estás a trabalhar na Alemanha. Como é que foste lá parar?

Foi graças ao meu Erasmus. Estudei na universidade de Aachen durante um ano, onde tive também oportunidade de trabalhar com um supervisor – online, infelizmente, por causa do Covid. Gostei bastante da experiência porque consegui perceber como é que trabalhavam e conhecer algumas pessoas de lá. Tive uma espécie de um estágio durante seis meses e depois produzi um artigo científico, publicado no ano passado, o que foi ótimo. Tudo isso permitiu-me depois concorrer a universidades e empresas na Alemanha.

Infelizmente, o meu alemão ainda não é muito fluente, mas há universidades onde isso não é necessário. Estive a fazer investigação na Universidade Técnica de Munique durante seis meses, mas não gostei muito do laboratório e da área de trabalho, por isso desisti. Agora estou na Universidade Técnica de Darmstadt. Em princípio, devo ficar lá para o doutoramento.

Ricardo Fitas ©Ricardo Lopes

Qual a área de investigação em que estás a trabalhar?

Numa área da Engenharia Mecânica muito específica, que é o design de cartões ondulados ou canelados. São aqueles cartões que servem como base para fazer as embalagens dos produtos que encomendamos pela Amazon. O objetivo é modificar o design dessa estrutura para reduzir a massa ou o peso das caixas, para as tornar menos custosas a nível de fabrico e de material, com um grande foco na sustentabilidade.

Onde te vês daqui a 10 anos?

Estou a trabalhar a longo prazo e já tenho algumas ideias de propostas e projetos a desenvolver nos próximos anos. No entanto, penso que o meu futuro estará mais virado para a academia, onde temos mais liberdade para desenvolver projetos de acordo com a nossa visão e não temos a pressão do mercado. O plano é estabilizar a minha carreira, começar o doutoramento, eventualmente fazer uma espécie de Erasmus, talvez até no pós-doutoramento, e depois ingressar na vida académica. Se continua a ser na Alemanha ou não, essa é a parte que não sei. Para já, sinto-me bem lá, mas as coisas podem mudar.

Não te apetece voltar para Portugal?

Não sei, está em aberto. Tenho um plano delineado para os próximos três a cinco anos. Pensar mais a longo-prazo do que isso é difícil. [risos]

Os projetos que queres desenvolver no futuro estão ligados à área da sustentabilidade e do combate às alterações climáticas?

Sim, vai ser sempre nesta área. Mas o meu foco é na parte da otimização, data science, inteligência artificial, machine learning, para tornar os métodos de otimização mais eficientes, mais do que propriamente na parte da engenharia mecânica.

Como foi a tua experiência como bolseiro Gulbenkian? Que importância teve a bolsa para o teu percurso?

Quando entrei na faculdade não tinha sequer conhecimento das Bolsas Gulbenkian. Depois, os meus pais incentivaram-me a candidatar às bolsas Gulbenkian Mais [atuais bolsas Gulbenkian de Mérito]. Tive um apoio especial da minha professora de português do Secundário, que me ajudou a escrever a carta de motivação, e quando fui selecionado obviamente fiquei bastante contente. Na altura, a minha intenção era só tentar sobreviver à licenciatura, que sabia que ia ser difícil, enquanto trabalhava na restauração, aos fins-de-semana e nas férias de verão.

O que aconteceu com esta bolsa foi que consegui focar-me mais nos estudos. Aos fins-de-semana tinha uma coisa que não sabia que ia precisar, que é uma cabeça mais livre para estudar. Não estava a contar que as disciplinas fossem tão difíceis. Com o tempo que tinha “livre” aproveitei para fazer algum trabalho de investigação, a trabalhar em tópicos de software e otimização aplicada. A Gulbenkian basicamente ofereceu-me as condições para isso, para começar logo a trabalhar no que queria, ter tempo para outras atividades de investigação e eventualmente diferenciar-me dos meus colegas.

Achas que ser bolseiro Gulbenkian te ajudou com essa parte, de ganhar experiência?

Sim. Por exemplo, participei na Summer School / Escola de Verão Novos Talentos da Matemática no final do segundo ano, que apesar de não ter tido uma dimensão muito prática, serviu para conhecer outras pessoas, outros bolseiros. Consegui ver o que os colegas andavam a trabalhar, no âmbito da bolsa Novos Talentos, e achei bastante interessante perceber aquilo de que já somos capazes ainda sem a formação terminada, partilhar experiências, etc. Também conheci colegas de outros países, nomeadamente um da Argentina, que ganhou as Olimpíadas Mundiais da Matemática.

Ricardo Fitas ©Ricardo Lopes

O que te levou a decidir devolver o valor da Bolsa?

No fim do primeiro ano pensei: ok, tenho algum tempo, portanto vou dedicar-me a fazer algum trabalho que no final dos estudos me permita ter um emprego mais estável, na área de investigação ou numa empresa, e através do qual consiga devolver o dinheiro que a Gulbenkian me ofereceu, para poder contribuir para que outros alunos também tenham acesso a estas oportunidades. Foi sempre essa a minha ideia, é algo que é bastante lógico. Agora que tenho as condições e disponibilidade financeira para pagar as minhas contas, tenho todas as condições para devolver aquilo que estive a receber da Gulbenkian nos últimos cinco anos.  

Então foi uma decisão que tomaste logo a partir do segundo ano da faculdade?

Foi mais ou menos nessa altura, sim. No primeiro ano estava convencido de que iria passar os cinco anos dos estudos a trabalhar na restauração. Entretanto as coisas mudaram e a minha filosofia, a minha visão, também passou a ser outra. Comecei a pensar em arranjar uma carreira assim que saísse da faculdade que me possibilitasse juntar aquele dinheiro e retribuí-lo e foi para isso que trabalhei.

Como sociedade, é quase como se tivéssemos alguém a segurar-nos para irmos subindo, mas depois temos de ir olhando para as pessoas que ficaram para trás e fazer o que fizeram connosco. Agora sou eu que estou na posição de oferecer as oportunidades a outras pessoas e não ficar no meu canto. A ligação com a Gulbenkian foi muito importante e vai ficar muito presente. É com isso que quero retribuir.

Que conselho darias ao bolseiro que vai receber essa bolsa que agora devolves?

Bom, eu sei que engenharia é uma área que efetivamente tem muitas oportunidades de trabalho, e que nem todas são tão abrangentes. Conheço a realidade aqui em Portugal e compreendo que muitos bolseiros de outras áreas não têm possibilidade de chegar ao fim dos estudos nestas condições – muitos nem têm dinheiro para pagar uma casa sozinhos ou sair de casa dos pais. No entanto, o conselho que lhes daria é que é muito importante tentar ganhar alguma experiência além dos estudos. Tentem agarrar as oportunidades, obviamente fazendo aquilo que querem, mas sem se agarrarem ao conformismo.

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Desde 1955, a Fundação Gulbenkian apoiou mais de 30 mil pessoas de todas as áreas do saber, em Portugal e em mais de 100 países. Conheça as suas histórias.

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