O futuro é azul

Seis anos do programa Blue Bio Value

Desde 2018, o Blue Bio Value impulsionou dezenas de negócios na área da biotecnologia azul em todo o mundo. A Fundação Gulbenkian encerra este capítulo, com o sentido de missão cumprida, e foca-se agora em desbravar caminho noutras direções, dentro do seu compromisso com a proteção e valorização do oceano.
Patrícia Fernandes, Sofia Barbeiro 13 mar 2024 11 min

Quando a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Oceano Azul se uniram para criar o Blue Bio Value – um dos primeiros programas internacionais de empreendedorismo na área da biotecnologia azul,– o ecossistema de startups e PME neste domínio era praticamente inexistente.

Fortemente comprometida, já nessa altura, com a proteção e valorização do oceano, a Fundação Calouste Gulbenkian encarou o investimento na estimulação deste mercado com uma visão concreta: tornar Portugal uma referência na promoção de inovação sustentável, de caráter científico e biotecnológico.  A partir dos recursos biológicos existentes no mar – como algas ou bactérias,–  esta iniciativa deveria responder a necessidades reais de mercado (indústria alimentar, farmacêutica, cosmética, biomateriais, entre outros), protegendo, simultaneamente, os ecossistemas marinhos.

Portugal possuía vantagens competitivas que se destacavam e que permitiriam o desenvolvimento deste ecossistema a nível nacional e a sua liderança a nível europeu.

Nessa altura, as tendências de mercado apontavam já para um crescimento promissor do setor na Europa, Estados Unidos da América e Canadá. Por sua vez, Portugal possuía vantagens competitivas que se destacavam e que permitiriam o desenvolvimento deste ecossistema a nível nacional e a sua liderança a nível europeu: é um dos países mais ricos da Europa em biodiversidade marinha e possui mais de 30 laboratórios e centros de investigação e desenvolvimento (I&D) de biologia marinha, ecologia e biotecnologia marinha de excelência.

Nos meses que antecederam o lançamento do programa, uma análise detalhada às barreiras ao crescimento do setor em Portugal identificava três obstáculos principais: escassez de fundos e investimento disponíveis; complexidade dos processos legais e regulamentares; constrangimentos existentes no desenvolvimento e expansão da tecnologia.

Mostra de materiais de um grupo participante © Pedro Pina

Aceleração e Ideação, duas faces da mesma moeda

Foi neste contexto, e para fazer face a estes obstáculos, que surgiu o Blue Bio Value – Aceleração, com o objetivo de acelerar startups que operam ao longo da cadeia de valor dos biorrecursos marinhos e cujos serviços ou produtos oferecem ao mercado alternativas sustentáveis. Ao longo de seis anos (2018-2023), a Fundação Calouste Gulbenkian e a Fundação Oceano Azul apoiaram a consolidação e expansão de 96 startups de 31 nacionalidades que, após participação no programa, conseguiram internacionalizar a sua atividade, diversificar a sua oferta ou angariar investimento que lhes permitisse continuar a crescer.

Apesar de o programa de Aceleração dar resposta às barreiras inicialmente identificadas, em 2020 foi considerado o lançamento um novo programa, Blue Bio Value – Ideação, como complemento ao primeiro e por forma a colmatar uma outra necessidade identificada: fomentar a geração de novas ideias, explorar potenciais oportunidades de negócio que a biotecnologia pode oferecer e incentivar a transferência de tecnologia e conhecimento da Academia para a Economia. Concebido para atrair a comunidade académica, o programa Blue Bio Value – Ideação desafia, desde então, estudantes e investigadores a desenvolverem e colocarem no mercado soluções tecnológicas nascidas nas universidades, laboratórios e centros de investigação que, possivelmente, de outro modo, ficariam dentro das portas da Academia.

Participante com algas, numa visita de estudo © Pedro Pina

Nos últimos quatro anos (2020-2023), este programa alcançou um total de 162 participantes, correspondendo a 58 novos projetos. Um dos casos de maior sucesso do programa de Ideação é o da Horta da Ria, participante da 1.ª edição, que participou no programa de Aceleração em 2020. Esta empresa de produtos feitos à base de salicórnia extraída da Ria de Aveiro, segundo processos sustentáveis, acabou por se sagrar vencedora. Mais recentemente, o projeto Easy Harvest (participante da 3.ª edição) que atua no setor das algas marinhas e dos seus serviços ecossistémicos, através da monitorização, mitigação e valorização da proliferação de macroalgas selvagens, acabou também por se constituir como empresa em Portugal e concorreu ao programa de Aceleração em 2023, tendo sido um dos selecionados para um dos cohorts de maior qualidade da história do programa.

Uma trajetória de impacto e crescimento

Seis anos volvidos desde a génese do Blue Bio Value, é evidente a trajetória de crescimento do ecossistema de startups e PME a operar com biotecnologia azul, bem como o envolvimento de investidores, da comunidade científica, de empreendedores e de gestores de grandes empresas, atraídos pelo enorme potencial deste mercado.
Não escondemos que, quando o programa foi lançado, a expectativa e a ambição eram elevadas, mas o que aconteceu ao longo dos últimos anos não deixou de ser surpreendente. Não temos hoje qualquer dúvida de que o programa Blue Bio Value desempenhou um papel fundamental na mudança a que assistimos.

O cenário alterou-se muito da primeira para a mais recente edição do Blue Bio Value. Em 2023, o programa de aceleração acolheu o grupo de startups mais sólido e diversificado de sempre, não só pelo número de indústrias representadas, mas também pelo grau de maturidade tecnológica das startups em competição.
Com 2,3 milhões de euros de investimento, repartido pelas duas Fundações, eis alguns dos principais indicadores de sucesso do Blue Bio Value:

Aceleração

  • 6 edições
  • 419 candidaturas
  • 96 startups
  • 31 nacionalidades
  • 4 continentes
  • 84 mentores
  • >54,1M € angariados pelas startups

Ideação

  • 4 edições
  • 162 participantes
  • 58 projetos
  • 12 universidades e centros de investigação
 

Assistimos ao nascimento de soluções biotecnológicas no mercado português, ao aumento do investimento em empresas e startups nesta área.

Portugal, polo global para a bioeconomia azul

Portugal também já não é o mesmo. Assistimos ao nascimento de soluções biotecnológicas no mercado português, ao aumento do investimento em empresas e startups nesta área, ao estabelecimento de redes e sinergias para o alargamento da cadeia de valor da biotecnologia marinha e à criação de emprego no setor.

Inclusivamente, foram vários os casos de startups internacionais que participaram no programa e que acabaram por se estabelecer em Portugal. A Algaesys, uma startup italiana que desenvolve tecnologia à base de algas e bactérias para estações de tratamento de água e utiliza menos 80% de eletricidade, constituiu empresa em Portugal e estabeleceu parcerias nacionais para o fabrico de infraestruturas que está a usar noutros países; a Biosolvit, uma startup brasileira biotecnológica que desenvolve absorventes naturais usados para derrames de petróleo onshore ou offshore e alternativas sustentáveis para fertilizantes de solo, que, enquanto vencedora da 2ª edição do programa, usou o voucher do prémio para constituir empresa em Portugal e expandir o seu negócio para a Europa; ou a Resqunit, a startup norueguesa que desenvolve sistemas para reduzir a perda de equipamentos de pesca no oceano, e que também abriu escritório em Portugal, tendo estabelecido, em 2023, uma parceria com a Direção Regional das Pescas do Governo dos Açores para a prevenção da perda de artes de pesca em alto-mar.

Participante interage com uma mostra de materiais criados a partir de recursos marítimos.
Participante a segurar uma mostra de materiais © Pedro Pina

Em 2021, a Fundação Calouste Gulbenkian apoiou a criação da plataforma Blue Bioeconomy Hub, num processo liderado pela Fundação Oceano Azul no âmbito da qual foi desenvolvida e aprovada a candidatura do Pacto da Bioeconomia Azul às agendas mobilizadoras para a inovação empresarial do Plano de Recuperação e Resiliência, com um montante de 133 milhões de euros de investimento até 2025. Este Pacto resulta de um consórcio de 83 entidades, entre centros de I&D, startups, PME de biotecnologia azul e grupos empresariais, capazes de contribuir para a reindustrialização do país através do desenvolvimento de modelos de negócio baseados na utilização de biorrecursos marinhos, segundo princípios de circularidade, desperdício zero, sustentabilidade e descarbonização.

Mais recentemente, o Governo português comprometeu-se ainda com o objetivo de tornar Portugal um Centro Internacional de Bioeconomia Azul até 2030.

A filantropia tem também o relevante papel de criar evidência sobre as novas oportunidades que contribuem para um desenvolvimento mais sustentável.

O contributo da filantropia

Se é certo que o Blue Bio Value é hoje um programa de referência na promoção de modelos económicos mais responsáveis e com um impacto positivo no oceano, na altura da sua criação era um dos poucos programas, à escala global, com estas preocupações. Desde então, têm surgido novos aceleradores focados no oceano, que competem diretamente com este, contribuindo para dinamizar o mercado.

Isto deixa-nos profundamente orgulhosos porque este é também – ou acima de tudo – o papel das Fundações: a sua independência, disponibilidade de recursos e possibilidade de exposição ao risco, permite-lhes arriscar e investir em áreas em que os setores público e privado não querem ou não podem arriscar, tanto pela falta de recursos financeiros como pela incerteza sobre os resultados que serão obtidos. Por outro lado, a filantropia tem também o relevante papel de criar evidência sobre as novas oportunidades que contribuem para um desenvolvimento mais sustentável. O potencial risco de investir num programa com estas características acabou por se revelar um tiro certeiro: o que há seis anos era uma visão aspiracional é hoje uma realidade comprovada, que regista inúmeros casos de sucesso e conseguiu alargar a rede de investidores interessados e dispostos a prosseguir com o financiamento do desenvolvimento e expansão deste mercado. Consideramos, por isso, que a missão a que nos propusemos foi cumprida e bem-sucedida. É agora hora de avançar noutras direções.

O oceano continuará a ser um eixo prioritário para a Fundação Calouste Gulbenkian no seu ciclo programático 2023-2027, através do Programa Sustentabilidade. Projetos como o Gulbenkian Carbono Azul renovam o compromisso da Fundação Calouste Gulbenkian em dar resposta a alguns dos principais desafios ambientais e socioeconómicos da atualidade, tendo sempre em vista a proteção e a valorização deste importante recurso, do qual o planeta, e a nossa vida, dependem inteiramente. E hoje, ainda mais do que há seis anos, não duvidamos de que o futuro é azul.

Fotografia de grupo dos vencedores do Blue Bio Value – Acceleration com a diretora do Programa Sustentabilidade da Fundação Calouste Gulbenkian e o diretor da Fundação Oceano Azul.
Vencedores do Blue Bio Value – Acceleration © Pedro Pina

Agradecimentos

O sucesso do programa não teria sido possível sem o empenho e a parceria inexcedível da Fundação Oceano Azul, a quem agradecemos estes anos de partilha e visão comum.

Salientamos também o apoio, conhecimento e profissionalismo dos parceiros que implementaram os programas. Tendo-se juntado ao Blue Bio Value em 2021 para gerir a componente de Aceleração, a capacidade de trabalho e entrega de resultados demonstrados pela maze levaram a que, no último ano, assumisse também a gestão da componente de Ideação. Contámos ainda, desde o início, com a Bluebio Alliance enquanto parceiro científico, responsável pela validação das soluções técnicas apresentadas e pela gestão da Blue Demo Network, uma rede de infraestruturas e serviços portugueses disponibilizada aos vencedores do programa de Aceleração.

Não podemos deixar de mencionar também a Fábrica de Startups, parceiro responsável pela implementação do programa de Aceleração até 2020, e da BGI, parceiro responsável pela implementação do programa de Ideação entre 2020 e 2022, a quem também agradecemos a dedicação durante o período de parceria.

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