“Não tem ilha”: a arte participativa e o desafio de estar no território

Marcus Faustini trouxe a sua experiência em arte participativa nas favelas do Rio de Janeiro para a conferência “Atos para a democracia cultural”, uma iniciativa do programa Atos, desenvolvida pelo Teatro Nacional D. Maria II e pela Fundação Calouste Gulbenkian.
23 out 2024 18 min

“Eu vou defender aqui a paixão pela cultura”, anuncia Marcus Faustini. “Ela é melhor do que a paixão amorosa.” A plateia ri-se, mas Marcus está a falar a sério. “A paixão amorosa acaba em dois anos e faz a gente, às vezes, cometer erros.” A paixão pela cultura é transformadora e fica para a vida.

Marcus tinha 14 anos quando a professora de português, dona Maria Baptista, pegou na turma, “botou toda a gente dentro de um fusca e abriu a janela para dizermos poesia”. Foi um momento revolucionário. Depois de descobrir que “poesia não era letra, era expressão” e que “tão importante quanto fazer e entender poesia, era falar poesia”, o jovem Marcus descobriu-se apaixonado pela cultura. “Eu fui um jovem pobre, urbano, dos anos 80, no Rio de Janeiro. Venho de uma família de vendedores de rua, de trabalhadores, e sou o primeiro da minha família a entrar na universidade”, conta. “A paixão pela cultura foi o que me trouxe até aqui”, diz Marcus Faustini aos participantes na conferência “Atos para a democracia cultural”, que durante todo o dia 18 de outubro ocupou o Auditório 3 da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. 

“A paixão pela cultura é transformadora e fica para a vida.”

Foi a paixão pela cultura, “não a educação”, defende, que lhe proporcionou “uma mobilidade subjetiva”: “A cultura deu-me a possibilidade de operar o entendimento do mundo, ajudou-me a gostar de história, a falar melhor. Não foi a escolarização que me mudou, foram as práticas culturais que abriram redes na cidade, que me fizeram conviver com pessoas diferentes. A cultura deu-me uma série de atributos, inclusive o mais difícil deles, a arte.”

Marcus Faustini © Carlos Porfírio

Hoje, Marcus Faustini tem 52 anos e é professor, cineasta, escritor, encenador. Foi secretário de Cultura da cidade do Rio de Janeiro e de Nova Iguaçu e tem trabalhado com comunidades desfavorecidas, criando e implementando metodologias artísticas para impacto sociocultural. Há 13 anos, criou, nas favelas do Rio de Janeiro, a Agência de Redes para a Juventude. A paixão pela cultura fê-lo não só ter mais consciência do mundo onde vivia, mas também querer transformá-lo. “Na formulação de Rancière”, diz, “a democracia é a possibilidade de qualquer um chegar num determinado lugar e com a sua participação reorganizar aquela sociedade”. Faustini quer levar a cultura a todos porque acredita que, tal como aconteceu com ele, as práticas culturais podem efetivamente transformar os indivíduos e, por arrasto, as sociedades, tornando-as mais democráticas e mais felizes.

“Cultura com as pessoas para não desistimos da democracia”

Mas como contribuir para essa transformação? “A democracia cultural é uma prática de procurar a diferença. Diferença, e não só diversidade”, alerta Marcus Faustini, na sua palestra. “A gente responde à democracia cultural frequentemente com a ideia de diverso. Dizemos que precisamos ter diversidade. Mas quando criamos uma prática de diversidade, a gente só inclui aqueles que se vestem igual a nós, que se vestem de cultura, que já estão na universidade, que já falam os códigos culturais, já acreditam na arte como representação. E a gente já cria logo um edital e uma cota para dar conta da diversidade”, diz, apontando a crítica às instituições que, tantas vezes, se satisfazem com ações que aparentam ser mais diversas mas, na verdade, têm muito pouco impacto na comunidade.

“A democracia cultural é uma prática de procurar a diferença. Diferença, e não só diversidade”

Essa prática da diversidade tem se demonstrado insuficiente, afirma Faustini. A cultura continua ainda a ser “uma ilha” à qual muitos têm dificuldade em aceder. Por isso, defende, é preciso começar a trabalhar com a diferença, “com aqueles que não se vestem de cultura”: “No mundo da diferença não existe ilha, existe essa possibilidade de uns se interessarem pelos outros”.

Para isso, temos que sair dos gabinetes: “A diferença só aparece quando a gente vai e está a atuar no território”, diz. E sobre isto deixa mais dois avisos: o território não é um lugar, não basta sair da sala de reuniões para estar no território; o território não é uma comunidade de interesses, não basta juntar um grupo de pessoas. O território é uma prática comum, é feito de lugares, de pessoas, de experiências, de narrações, de ações, de partilhas – é comunidade. E é também o local de transformação.

Para intervir nos territórios, a primeira coisa que os artistas e todas as outras pessoas que trabalham nesta área têm que fazer é, portanto, despir o seu fato de cultura: “Colocar todas as suas habilidades à disposição de quem não quer fazer arte e cultura. Quem quer abrir um pequeno negócio local, quem quer organizar melhor o dia na sua igreja ou a escola do bairro. Não submeter tudo à criação de um objeto artístico, mas antes colocar toda a nossa formação, toda a nossa capacidade de fazer rede, todo o nosso privilégio político e sentimental à disposição de pessoas que não desejam fazer arte”, aconselha Marcus Faustini. “Para isso a gente precisa colocar-se num lugar mais humilde, de não ir fazer cultura para as pessoas, de fazer uma participação territorial sem necessariamente querer fazer arte.” Ou seja, levar as metodologias, as práticas e o pensamento artísticos e colocá-los ao serviço da vida.

E depois isto, que é tão importante: é preciso “estar no território, não a ensinar, mas a fazer juntos”. Um mediador não é um professor. “Não é ir lá para explicar-lhes a partir da cultura o que é a vida, mas colocar à disposição todo o nosso instrumental para que a gente faça junto. Colocar-se como mais um, e não como um que seja síntese de todos, que seja capaz de representar a realidade.”

Atos: sair do Rossio e trabalhar “de Carrazeda de Ansiães a Tavira”

Calouste Sarkis Gulbenkian tinha não só “um enorme amor pela arte e pela diversidade da experiência cultural” como, tal como Marcus Faustini, acreditava “no poder transformador da arte”, recorda Martin Essayan, bisneto do fundador e atual administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, na abertura da conferência. Nas cartas que Gulbenkian escreveu ao seu único neto, quando ele estava na escola na Inglaterra, deu-lhe vários conselhos sobre o que o poderia ajudar a concretizar todo o seu potencial como ser humano. Trabalhar muito e estudar, claro. Mas também aconselhava o neto a apreciar as cores e os cheiros da natureza e a aprender a apreciar a arte, incentivando-o a visitar museus e a passar tempo lá, “para realmente ver”. “A natureza e a arte desenvolvem a alma e, desta forma, também desenvolvem a resiliência para encarar a vida, e isto é talvez mais importante do que o trabalho na escola”, disse-lhe. “A natureza está acessível a todos, de diferentes formas, mas a arte não tem estado sempre acessível. E é isso que devemos fazer”, conclui Martin Essayan. “Todos devem ter oportunidade de se expressar, de explorar todos os meios de ser humano e de desenvolver a sua alma.” 

“A natureza está acessível a todos, de diferentes formas, mas a arte não tem estado sempre acessível. E é isso que devemos fazer”

Na sua perspetiva, o Atos pode ser um contributo importante para tornar real essa acessibilidade e foi por isso que a fundação se associou ao Teatro Nacional D. Maria II neste projeto desde o primeiro dia. “A participação e a democratização cultural, que é um dos fundamentos do Atos, é cada vez mais central para o trabalho da Fundação Calouste Gulbenkian”, diz Martin Essayan. Em 2023, “a fundação iniciou uma nova estratégia que tem como pilares a sustentabilidade e a equidade. E o papel cívico da arte é fundamental. A arte e a cultura podem ser fatores-chave para entender a coesão e a pertença”.

Impulsionado pelo encerramento do edifício no Rossio, devido a obras, e pelo facto de ter de deixar “a sua sede histórica e simbólica”, em 2023 o Teatro Nacional D. Maria lançou-se numa Odisseia Nacional. Esta situação “fez-nos questionar a ideia de centralidade”, explicou o diretor artístico do teatro, Pedro Penim, num dos paineis de debate, ainda durante a manhã, em que se apresentou o volume “Atos – Arte, Participação e Território”. O Teatro Nacional sentiu que era preciso sair do eixo Lisboa-Porto e também não ficar só no litoral, que é sempre mais privilegiado. Mas mais importante do que isso: “Percebemos que esse caminho só se poderia fazer se de facto fôssemos para o território. E isso significa não necessariamente apresentar aquilo que é o trabalho desenvolvido em Lisboa pelo Teatro Nacional, fazendo-o circular, numa lógica simples de digressão, mas sim de querer escutar, de querer ouvir quem lá está.” De querer trabalhar com os outros numa lógica de colaboração. 

Conferência “Atos para a democracia cultural” © Carlos Porfírio

“As primeiras transformações e as primeiras dificuldades foram com as nossas equipas, das instituições”, recorda Narcisa Costa, gestora de Projetos de Equidade da Fundação Calouste Gulbenkian. “O que muda nas nossas formas de fazer, como é que nós trabalhamos estas práticas, como é que nós as comunicamos, como é que agilizamos e pomos ao dispor aquilo que são as ferramentas que temos, sem impor um caminho, sem decidir por outros?” 

Esse foi o ponto de partida para o Atos, que percorreu o país, “de Carrazeda de Ansiães a Tavira”, envolvendo 16 coletivos artísticos, 40 municípios, dezenas de parceiros locais e centenas de participantes de todas as regiões de Portugal, procurando aprofundar aquilo a que se designa arte participativa. O Atos “foi uma das facetas de maior impacto da Odisseia Nacional”, reconhece também Rui Catarino, presidente do Conselho de Administração do Teatro Nacional D. Maria II. “As reações que tivemos mostram-nos que a democracia cultural não é um conceito abstrato, mas que se pratica diariamente para valorizar todas as vozes e para reconhecer que as expressões artísticas têm um efetivo poder transformativo”, diz. “Quando nos juntamos, criamos assembleias de potencial ilimitado.”

Conferência “Atos para a democracia cultural” © Carlos Porfírio

Independentemente dos resultados obtidos com cada projeto, no final, muitos participantes perguntavam “quando é que voltam?”. Essa foi, diz Pedro Penim, a maior recompensa: perceber que se tinha estabelecido uma relação e que havia, de ambas as partes, a vontade de voltar.

“Um caminho sem regresso”:  os atos seguintes

Marcus Faustini elogia o facto de um Teatro Nacional, que “normalmente é um teatro conservador”, ter arriscado e optado por “colocar o seu privilégio dentro dos territórios”, mas sublinha a importância deste trabalho ter continuidade: “Esse é o primeiro ato, e o segundo? E o epílogo?”, pergunta. “O segundo ato tem de ser o aprofundamento da história. A democracia cultural depende de práticas constantes de risco.” Não basta ir e dizer que já se foi. Ou como ele diz, com muita graça: “Não adianta a gente colocar o pé na água, perceber que a água é fria e sair, mas não faz mal, a gente já fez uma foto no Instagram”.

Pedro Penim tem essa preocupação bem presente. Não queria ir só lá molhar o pé. Queria “deixar lastro”. Não se trata de “voltar para Lisboa e fazer estas belas conferências, dizendo que somos fantásticos, mas de perceber que essa ideia da dedicação ao território é um caminho sem regresso”, diz. Isto significa, por um lado, que é importante que as estruturas se possam autonomizar dentro do próprio território, sem precisar da Fundação Calouste Gulbenkian e do Teatro Nacional D. Maria II, “nesta forma mais hierárquica, de cima para baixo”, mas que, por outro lado, a ligação deve continuar, só que de outra maneira.

O “primeiro ato” caracterizou-se por ser muito intenso, tentando chegar a todo o país em muito pouco tempo. Foi aquilo que Luís Sousa Ferreira, adjunto da direção artística do teatro, comparou a “um amor de verão”. Mas, ao se perceber que esta afinal vai ser uma relação longa, é necessária uma adaptação. Se, para os artistas, “este primeiro impacto foi quase como um sprint, algo que se respira muito rapidamente e que serviu necessariamente como arranque”, o que se procura agora – neste segundo ano de Atos – é uma “tentativa de estender no tempo, de desacelerar e de alguma maneira considerar que a permanência mais prolongada no território será sempre mais benéfica”, explica Penim.

© Carlos Porfírio

“2023 foi o ano do arranque do que nós achamos já ser um novo Teatro Nacional”, conclui Rui Catarino. 2024 tem sido o ano de aprofundamento e consolidação. “O programa Atos continua, formando-se em cima dos ensinamentos que vamos colhendo, expandindo já a sua ação à formação e ao pensamento”, sem esquecer ainda que este é o ano em que celebramos os 50 anos do 25 de abril: ao contribuir para a  democratização da cultura, o Atos, acredita o administrador do TNDMII, pode ser um dos “caminhos do fortalecimento da democracia”.

Os desafios e as tensões fazem parte do processo: “Temos de continuar a continuar”

Marcus Faustini já tinha avisado durante a manhã que “o desafio é enorme”, mas é nos painéis de debate à tarde, com artistas de diferentes projetos participativos e representantes de autarquias e outras instituições locais ou regionais, que as problemáticas e as tensões da intervenção no território se tornam mais visíveis. 

Conferência “Atos para a democracia cultural” © Carlos Porfírio

Ana Bragança, cofundadora da estrutura Ondamarela e coordenadora de Comunidade e Participação do projeto Desejar, integrado na Braga 2025 – Capital Portuguesa da Cultura, fala, por exemplo, do desafio de querer “chegar a toda a gente”. Referindo a experiência das “assembleias participativas”, encontros mensais que se querem inclusivos e onde se pensa o que poderá ser a programação do próximo ano, questiona o que fazer para que “quem participa não sejam sempre as mesmas pessoas que vão já à atividade cultural que acontece em Braga”. Além de estarem instalados no mercado municipal, para chegar a um público que não é habitual, também organizam assembleias noutros lugares da cidade e desenvolvem uma série de outras estratégias, procurando as pessoas nos cafés, nas associações, na rua. No entanto, “de cada vez que reunimos uma assembleia, tentamos perceber quem é que ali está a faltar, a quem é que ainda não chegámos e como é que conseguiremos chegar até essas pessoas. E há muitas pessoas que ainda faltam nas assembleias, isto é um trabalho de continuidade”.

Por seu lado, o coreógrafo Victor Hugo Pontes traz consigo a experiência do projeto performativo “Meio no Meio”, em que, durante três anos, esteve a trabalhar em quatro municípios, com quatro comunidades distintas. “Eu era o único elemento externo”, recorda. “Os formadores eram daqueles territórios e para além disto tínhamos uma equipa de mediadores, cada território tinha uma pessoa que fazia a mediação.” Foi um trabalho de continuidade e em que se estabeleceram relações profundas entre as pessoas. “O processo é importante e para estas 40 pessoas, ou mais, que tivemos durante três anos, foi muito importante estarem no processo todo.” Mas, no final, apenas 12 puderam efetivamente participar no espetáculo e isso acabou por ser um motivo de angústia para o coreógrafo. “O caminho é importante, não é só aquilo que se produz. Mas eu senti que para aquelas pessoas o resultado, também era importante. Elas também queriam ter estado em cima do palco, elas também queriam ter tido visibilidade.”

“O caminho é importante, não é só aquilo que se produz. Mas eu senti que para aquelas pessoas o resultado, também era importante.”

Ana Isa Coelho, coordenadora da Unidade de Promoção e Desenvolvimento da Cultura  da CIMAC – Comunidade Intermunicipal do Alentejo Central, fala da dificuldade em criar impacto numa zona de “baixa e baixíssima densidade”, onde as pessoas vivem extremamente isoladas e afastadas de todas as atividades culturais. Os resultados aqui não podem ser avaliados quantitativamente: “É muito bom termos impacto mesmo que seja em meia dúzia de pessoas”, diz, no que é acompanhada por Ana Paula Amendoeira, vice-presidente da CCDRAlentejo, que chama a atenção para a importância das políticas públicas (e da sua necessária dotação financeira) na promoção da equidade no acesso à cultura. “A comunidade está isolada, cansada, sem afetos”, afirma Ana Isa Coelho. Muitas vezes, os projetos de arte participativa “esgotam-se no objeto artístico” e, no final, não há “sentido de pertença”  nem “reativação do sentido de comunidade”: isso causa alguma frustração, admite. “Temos de continuar a continuar”.

Num país onde, como afirma Ana Paula Amendoeira, ainda “há uma certa atitude de extrativismo cultural, de quem chega de fora para levar a cultura aos territórios”, uma expressão que continua a ser usada até por responsáveis políticos; ou onde, como recorda Victor Hugo Pontes, alguns artistas ainda dizem que estão “a dar voz” às pessoas, como se nem todas as pessoas tivessem voz, o caminho da arte participativa é feito de tentativas e erros, lutando pelos apoios dos municípios e das instituições mas, ao mesmo tempo, não se deixando limitar pelos convites nem pelos contratos. 

Conferência “Atos para a democracia cultural” © Carlos Porfírio

“A democracia cultural só vai acontecer se nós, das instituições, mudarmos, não são os outros. O ónus está em nós”, considera Dália Paulo, diretora municipal de Cultura de Loulé. Para concretizar a democracia cultural defende que a ação deve focar-se em três “Ds”: “derrubar preconceitos, hábitos, modos de fazer, derrubar aquilo que é um certo atavismo e uma certa educação formal para a cultura”; dialogar, tendo em atenção que para haver um verdadeiro diálogo tem de haver escuta; e, por fim, doar, “doarmo-nos ao outro”, numa aproximação ao que é diferente de nós. É um caminho, conclui. 

Se algo fica claro é que ainda há muito por fazer. E todos concordam que as tentativas, ainda que com erros e desilusões, têm sempre algo bom. “Interessa-nos muito trabalhar com todas as pessoas e escutar. É sempre novo, há muitas coisas que não sabemos, que não dominamos, mas que vamos descobrir em conjunto. Há imprevisibilidade, claro, mas o encontro é isso. E é isso que nos move”, diz Lara Soares, uma das fundadoras da Burilar – Processos Criativos na Mediação de Públicos, que prefere sempre sentir-se desinquietada a ficar no conforto do sofá. “Temos andado muito sobre a ideia de sermos mais felizes e de tornarmos os locais onde trabalhamos mais felizes.”

Conferência “Atos para a democracia cultural” © Carlos Porfírio

“As pessoas têm muita vontade de participar”, afirma Ana Bragança. “Não sabem que o podem fazer e têm muito medo de falar porque acham que não têm nada a acrescentar. A magia acontece quando as pessoas se sentem ouvidas.” Para esta criadora, os projetos em que participa, ainda que tenham falhas, não podem ser considerados falhanços: “Acontecem sempre coisas que podem parecer pequenas mas são gigantes”, diz. Os “legados” podem ser simplesmente “encontros que nunca aconteceriam se aquelas duas pessoas não entrassem naquele projeto, se calhar nem reparariam uma na outra, vidas que mudam, pessoas que arriscam a fazer algo que nunca tinha pensado”. 

“A magia acontece quando as pessoas se sentem ouvidas.”

A tensão faz parte do mundo da diferença, mas isso é positivo, concorda Marcus Faustini: “Toda a vez que a cultura tensiona a arte, a arte melhora”. “O diálogo é difícil mas precisamos trabalhar com a diferença, não podemos trabalhar só com os iguais. Temos que criar espaços de contradição, saber lidar com a crítica. Demora tempo, temos de ter muita paciência. O mediador tem de ter prazer na escuta, mesmo na escuta que bate nele.” Que isso não o (nos) faça desistir. Se quer produzir transformação e contribuir de facto para a democracia cultural, o mediador tem de estar dentro e trabalhar a partir de dentro, essa é a premissa: “Não tem ilha”.

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