Isabel Costa: “Mudar o mundo não é necessariamente ganhar prémios Nobel”
O que te levou a escolher Direito?
Acho que, de certa maneira, sempre quis seguir Direito, mesmo antes de saber o que era. A minha mãe diz que desde que comecei a falar queria fazer coisas com leis; mas acho que se tornou mais claro aos 14 anos, quando os meus pais ficaram sem emprego e, na altura, sem saberem muito bem o que fazer e sem formação superior, decidiram abrir um bar, que era um sonho da juventude do meu pai.
No meio de todas as licenças e da burocracia necessárias para abrir um estabelecimento comercial, estavam um bocado perdidos, e eu é que comecei a olhar mais para essa parte. Achei aquilo fascinante, e foi aí que tive a certeza de que queria seguir Direito. De resto, sempre tive interesse pelos direitos humanos, pela política, e ficava muito zangada com as injustiças do mundo. E continuo a ficar.
E dentro da área do Direito, o que gostarias de seguir?
Acho que a Isabel de 14 anos percebeu logo o que queria e a faculdade confirmou: eu gosto mesmo é de burocracia! Direito administrativo foi a cadeira de que mais gostei, até agora, e até fiz investigação nessa área, que é mesmo daquelas coisas que ninguém acha interessante, de maneira nenhuma [risos].
Há algo mesmo incrível e subliminar sobre isso porque é o tipo de coisas que têm impacto na vida das pessoas no dia a dia. É o direito administrativo que regula a economia e os serviços. Obviamente, temos toda a vertente dos direitos humanos e do direito constitucional, que são a base, sem dúvida, de qualquer sociedade; mas é pelo direito administrativo que de facto as conseguimos fazer valer.
És natural da aldeia de Santa Bárbara de Nexe, em Faro. Como foi a tua adaptação à cidade de Lisboa?
Foi interessante. Nunca tinha andado de metro na minha vida. Ia de autocarro para a escola e era um para ir e outro para voltar. Se quisesse ir a algum outro sítio, tinha de pedir aos meus pais. Aqui parece que está tudo ligado e é muito fácil chegar a todo o lado. Foi mesmo uma mudança total, principalmente a nível de independência e de perceber como é que as coisas podem ser. Na small-town life, as oportunidades parecem todas muito fechadas e um bocado impossíveis. Depois chegamos aqui e é como chegar a uma terra em que os sonhos são possíveis, por muito clichê que isso seja. De repente há oportunidades e todas aquelas coisas grandiosas estão cá perto.
Até porque Lisboa é um pouco o centro da nossa Democracia. Pensar que o Parlamento está a uma viagem de metro daqui, poder visitá-lo, é fascinante para mim. No primeiro ano do curso estagiei na Assembleia da República e acho que foi mesmo o momento mais abre olhos de “OK, estas coisas afinal não estão assim tão distantes, não é uma fantasia que vemos na televisão”.
Também fazes muitas ações de voluntariado e atividades fora do âmbito académico. O que retiras dessas experiências?
Infelizmente, já não faço tanto voluntariado, é mais pontualmente, mas estou muito dentro do associativismo. Sou representante dos estudantes no conselho da minha faculdade e no Conselho de Ação Social da Universidade Nova de Lisboa. O que me faz entrar nessas coisas é pensar que é possível haver mudança, que conseguimos mudar a forma como as coisas são. É dar aquele primeiro passo para o mundo que idealizamos. Porque também é muito assim que vejo o Direito e a questão da regulação da sociedade: estamos a fazer, não para o mundo que temos, mas para o mundo que queremos.
Primeiro fazem-se as leis e depois é que se avança, cumprindo-as?
Isso é uma grande questão no mundo do Direito, se é a sociedade que faz o Direito ou o Direito que faz a sociedade. Eu acho que estamos na fase em que é o Direito que tem de fazer a sociedade, sim.
Então precisamos muito de pessoas como tu.
Eu acho que precisamos de pessoas com vontade de fazer, trabalhadoras. Se fizermos as coisas só por interesse próprio, há limites para o que vamos dar. Temos de saber que estamos a fazê-lo pela comunidade e, às vezes, transpor as barreiras do individualismo porque é a única forma de ultrapassar o cansaço. Acima de tudo, acho que nada se faz sem esperança. Se não tivermos esperança de que as coisas podem mudar para melhor, nunca vamos tentar mudá-las.
De onde veio essa tua veia comunitária?
Acho que veio muito dos meus pais e mesmo dos meus avós. A minha avó era uma pessoa muito dedicada, ensinava as crianças que não conseguiam ir à escola a falar português e inglês, dava aulas lá em casa. O meu avô também era muito apaixonado, os meus pais estão sempre prontos para ajudar no que conseguem lá na aldeia, nas festas da terrinha… tudo o que trouxer um bocadinho mais de alegria às pessoas.
Cresci à volta desse meio e esse foi o valor que eles mais me incutiram – trazer um bocadinho mais de alegria e amor às nossas pessoas. É para isso que estamos cá, não é para chegar a nenhum posto ou cargo. Se nós e os nossos estiverem felizes, não há nada mais gratificante.
Qual a importância da bolsa Gulbenkian Mérito para o teu percurso e para a tua vida agora?
Foi completamente imprescindível para estar aqui sentada neste momento. Só com esta bolsa é que consegui vir para Lisboa; de outra maneira acho que não teria conseguido, A bolsa permitiu realizar o meu único sonho até à data, que era entrar no o ensino superior. Mostrou-me que, de facto, há oportunidades e os sonhos são alcançáveis.
Como é fazer parte da rede de bolseiros Gulbenkian?
Tenho ido aos encontros de bolseiros e acho que há sempre um grande sentido de comunidade, ao ver todas aquelas pessoas a quem a bolsa Gulbenkian possibilita outro percurso de vida. Se há uma maneira de mudar o mundo, é pela educação. Estar na rede de bolseiros é exatamente isso, ver as pessoas que vão mudar o mundo nos próximos anos, mesmo nas coisas mais pequenas.
Falo muito de mudar o mundo, mas acho que isso não é necessariamente fazer ações grandiosas ou ser uma daquelas pessoas que ganham prémios Nobel. Mudar o mundo é ser uma pessoa correta na sua atuação diariamente, alguém que tenta fazer pelos outros, pela comunidade. Mudar o mundo são as pequenas ações diárias que possibilitam que isto tudo continue.
Onde te vês daqui a 10 anos, quando projetas o teu futuro?
Daqui a 10 anos, com 31 anos… se tiver muita sorte, vejo-me com o mestrado e um doutoramento, porque é isso que ambiciono mesmo, continuar a estudar. Já tive oportunidade de fazer investigação em Direito Administrativo europeu, aqui na faculdade, e adorei; por isso, vejo-me a continuar a desenvolver projetos do género. A nível de profissões é um bocado mais complicado porque não me vejo necessariamente a ser advogada nem juíza. É uma questão de experimentar mais coisas até lá. Mas daqui a 10 anos, desde que me veja feliz e orgulhosa de mim própria, acho que me vejo bem. Espero estar a contribuir minimamente para a comunidade.
Diria que não faltam por aí associações que precisam de pessoas para tratar de burocracia…
Exato. Se estiver a tratar de papelada, acredito que estarei feliz. [risos] Não há ação mais pequena, mas mais importante, às vezes, do que ajudar alguém a preencher um formulário.
Histórias de Bolseiros
Desde 1955, a Fundação Gulbenkian apoiou mais de 30 mil pessoas de todas as áreas do saber, em Portugal e em mais de 100 países. Conheça as suas histórias.