Dutilleux: Tout un monde lointain…
Orquestra Gulbenkian / Nuno Coelho / Jonathan Roozeman
Tout un monde lointain… resultou de uma encomenda realizada pelo maestro Igor Markevich, no início da década de 60, para a Orchestre Lamoureaux. Escrita entre 1967 e 1970, a obra destinou-se ao violoncelista Mstislav Rostropovich, que a estreou no Festival Internacional de Arte Lírica de Aix-en-Provence a 25 de julho de 1970. Essa apresentação foi levada a cabo pela Orquestra de Paris, sob direção de Serge Baudo.
Tout un monde lointain… é uma obra concertante para violoncelo. Dividida em cinco andamentos, Dutilleux inspirou-se em As flores do mal, livro revolucionário de poemas de Charles Baudelaire. Os títulos dos andamentos são retirados dessa obra e tocados sem interrupção; as cinco partes requerem um grande domínio do violoncelo e empregam um colorido orquestral muito próprio. Dutilleux baseia-se numa sequência de doze sons e valoriza o timbre e a descontinuidade rítmica, colocando Tout un monde lointain… na esteira do serialismo, tendência dominante na Europa Ocidental da época. Contudo, o compositor atribui maior relevância a alguns sons da série, permitindo uma abordagem flexível, conciliando o pontilhismo com uma abordagem mais lírica.
Essa hierarquia é audível logo em Énigme, que destaca a apresentação do material principal pelo solista, acompanhado esparsamente pela orquestra, concentrada em massas sonoras. Neste andamento, o violoncelista interpreta variações sobre a série e apresenta os motivos que serão posteriormente transformados. Entre a angularidade e o melodismo cantabile, Énigme desenrola-se com a entrada progressiva de instrumentos, contrapondo conjuntos de câmara a momentos solistas. A atmosfera etérea e expressiva de Regard remete para um estatismo contemplativo, até retomar materiais de Énigme no final. Assim, liga-se a Houles, um episódio cinético em que se destaca o papel assertivo e virtuosístico do solista face às figurações rápidas dos instrumentos de sopro. A troca de material entre o violoncelo e a orquestra caracteriza Miroirs, um andamento cristalino de textura esparsa no qual se suspende a narrativa temporal. Tout un monde lointain…termina com Hymne, um clímax movimentado e enérgico em que Dutilleux recapitula e mistura os materiais de todos os andamentos, enfatizando ostinati de caráter percussivo.
Intérpretes
- Maestro
- Violoncelo
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Nuno Coelho
Maestro Convidado
Na temporada 2022/23, Nuno Coelho é o novo Maestro Principal e Diretor Artístico da Orquestra Sinfónica do Principado das Astúrias e cumpre o quinto ano como Maestro Convidado da Orquestra Gulbenkian, que dirige numa produção da visão de José Saramago da ópera Don Giovanni de Mozart, em comemoração do centenário do escritor. Outras atuações de destaque incluem estreias com a Orquestra do Real Concertgebouw de Amesterdão, a Filarmónica de Tampere e a Sinfonieorchester St Gallen, novas colaborações com a Sinfónica de Amberes e a Sinfónica de Tenerife e uma digressão com a Jovem Orquestra Nacional de Espanha.
Na temporada passada estreou-se à frente da Filarmónica de Helsínquia, da Dresdner Philharmonie, da Staatsorchester Hannover, da Filarmónica do Luxemburgo, das Sinfónicas de Gävle e Malmö, da HET Residentie Orkest, da Filarmónica de Estrasburgo e da Orquestra Nacional de Lille. Reforçou o seu relacionamento com as Sinfónicas da Galiza e de Barcelona. Em março de 2022, na Fundação Gulbenkian, dirigiu uma produção semi-encenada de Così fan tutte, expandindo o seu repertório de ópera que abarca produções de La traviata, Cavalleria rusticana, Rusalka, O diário de Anne Frank e Os sete pecados mortais, entre outras.
Nuno Coelho venceu o Concurso Internacional de Direção de Orquestra de Cadaqués em 2017 e, desde então, dirigiu a Royal Liverpool Philharmonic, a BBC Philharmonic, a Sinfónica de Hamburgo, a Sinfónica de Castela e Leão, a Noord Nederlands Orkest e a Orchestra Teatro Regio Torino. Em 2018/19 recebeu a Bolsa Dudamel, o que lhe permitiu colaborar com a Filarmónica de Los Angeles. Nessa mesma temporada, dirigiu a Sinfónica da Rádio da Baviera, ao substituir o maestro Bernard Haitink à última hora.
Nuno Coelho nasceu no Porto. Estudou direção de orquestra na Universidade das Artes de Zurique com Johannes Schlaefli e ganhou o Prémio Neeme Järvi no Festival Menuhin de Gstaad. Em 2014 foi bolseiro da Fundação Gulbenkian e em 2015 foi admitido no Dirigentenforum do Conselho Alemão da Música. Nos dois anos seguintes foi bolseiro em Tanglewood e maestro assistente da Filarmónica dos Países Baixos. Ocupa o seu tempo livre com a literatura e o ténis.
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Jonathan Roozeman
Violoncelo
O jovem violoncelista Jonathan Roozeman é uma estrela ascendente nos palcos internacionais. O seu elevado potencial artístico evidencia-se na sua musicalidade e no seu virtuosismo e numa sonoridade expansiva e versátil, seja na interpretação de obras chave do repertório clássico, seja em obras de compositores como Kabalevskiy, Kokkonen ou Vieuxtemps. Tem colaborado regularmente com maestros como Christoph Eschenbach, Sakari Oramo, Esa-Pekka Salonen, Osmo Vänskä, Dima Slobodeniouk, Jukka-Pekka Saraste ou Santtu-Matias Rouvali.
Na temporada 2021/22, para além de se apresentar com a Orquestra Gulbenkian, Jonathan Roozeman dá continuidade ao seu percurso de colaboração com outros agrupamentos orquestrais e maestros de renome como a Filarmónica de Helsínquia e Michael Sanderling, a Orquestra do Teatro Mariinsky e Valery Gergiev ou a Sinfónica de Bilkent e Daniel Smith. No domínio da música de câmara, apresenta-se em trio em Girona, Alicante e no Festival de Gstaad. Está também prevista a gravação do Concerto para Violoncelo n.º 2 do compositor finlandês Kalevi Aho, para a editora BIS.
Os destaques de temporadas recentes incluem estreias com a Filarmónica de Seul, (Duplo Concerto de Brahms), a Sinfónica da Coreia (Variações rococó de Tchaikovsky) e com a Philharmonie Zuidnederland (Concerto nº. 1 de Kabalevskiy). Na sua Finlândia natal atuou com a Tapiola Sinfonietta e no Crusell Music Festival. Em recital, apresentou-se no Konzerthaus de Berlim, em vários palcos no Canadá e em festivais em Londres, Edimburgo, Moscovo e Tóquio.
Jonathan Roozeman foi o mais jovem músico premiado no Concurso Internacional Tchaikovsky, em 2015. No mesmo ano foi finalista no Concurso Internacional de Violoncelo de Naumburg. Em 2013 foi finalista no Prémio Suggia, no Porto e alcançou as semifinais do Concurso Internacional Paulo, na Finlândia. Em 2012 foi 2.º classificado no Concurso Nacional de Violoncelo, nos Países Baixos.
Jonathan Roozeman estudou com Martti Rousi na Academia Sibelius, em Helsínquia, e diplomou-se em 2020 pela Academia Kronberg, na classe de Frans Helmerson. Toca um violoncelo David Tecchler (ca. 1707), por empréstimo da Fundação Cultural Finlandesa. O seu arco foi construído por Jean Pierre Marie Persoit, em Paris, ca. 1850.
Programa
Henri Dutilleux
Tout un monde lointain…
1. Énigme: Très libre et flexible
2. Regard: Extrêmement calme
3. Houles: Large et ample
4. Miroirs: Lent et extatique
5. Hymne: Allegro