Financiar o storytelling climático: nos bastidores do programa da BBC StoryWorks “O que o oceano diz sobre nós”
Em junho de 2023, num dia quente de verão, Luísa e Catarina foram acompanhadas por uma equipa de filmagens desde a sua casa de acolhimento nos subúrbios de Lisboa até um centro de terapia pelo surf na praia de Carcavelos. Mais tarde, na mesma semana, o cidadão-cientista Kevin e a bióloga marinha Heather passaram dois dias com os mesmos videógrafos num barco em Londres, acompanhando o projeto comunitário de plantação de ervas marinhas e discutindo os planos de recuperação do rio Tamisa.
As imagens captadas nessa semana – que coincidiu com o Dia Mundial dos Oceanos – culminaram neste filme de seis minutos, O que o oceano diz sobre nós. Produzido pela BBC StoryWorks para a Fundação Calouste Gulbenkian como parte da série The Climate And Us [O Clima e Nós], este filme explora a relação entre o clima e a saúde. O objetivo é chamar a atenção para a dependência da e a profunda ligação da humanidade aos oceanos, sublinhabdo a a importância d o seu restauro.
Para a Fundação Calouste Gulbenkian, este seis minutos procuram resumir mais de uma década de investigação e experiência no apoio às boas práticas em comunicação sobre as problemáticas do clima e dos oceanos.
Valuing the Ocean (Valorizar os Oceanos)
A saúde dos oceanos é essencial para a humanidade e para a existência do planeta. Os oceanos suportam a vida tal como a conhecemos, cobrindo cerca de setenta por cento da superfície terrestre e produzindo cerca de metade do oxigénio que respiramos. Os oceanos têm um papel fundamental na regulação do clima, no fornecimento de alimentos e na subsistência das pessoas. Porém, os nossos oceanos não estão saudáveis – pressões como as causadas pelas alterações climáticas, pela poluição, pela destruição de habitats e pela pesca excessiva resultam no aquecimento e na acidificação dos oceanos, e na perda da biodiversidade marinha. Muitas das pessoas empenhadas na sua proteção afirmam que a saúde dos oceanos não é suficientemente reconhecida no financiamento e nas políticas climáticas globais. O ODS 14, “Proteger a vida marinha”, é referido regularmente como o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável que menos financiamento recebe.
Na Fundação Calouste Gulbenkian trabalhamos no sentido de colmatar este subfinanciamento e sensibilizar o público para a importância de cuidar dos oceanos. Em 2013, a investigação realizada no âmbito do nosso programa Valuing the Ocean mostrou que, subjacente a todos os problemas enfrentados pelos oceanos, se encontra a falta de conhecimento sobre a razão pela qual eles são tão importantes, que se constitui como um dos principais desafios para a conservação dos oceanos. Sabemos que com o interesse vem a responsabilidade – e que este interesse pode melhorar as probabilidades de a sociedade conseguir pressionar os governos a melhorarem as medidas de conservação.
Os nossos apoios centraram-se, por conseguinte, em capacitar as ONG na sua comunicação, permitindo-lhes alcançar públicos novos e abrangentes – para lá da bolha de ambientalistas e cientistas – e divulgar questões ligadas aos oceanos, bem como demonstrar abordagens de proteção e regeneração que funcionam.
Entre as ferramentas que surgiram graças a este trabalho destacam-se Reframing the Ocean – um guia que ajuda os profissionais a aprofundar o conhecimento público acerca da saúde dos oceanos por meio de técnicas de enquadramento e comunicação, e How to Talk About the Ocean so that People Will Listen – um folheto com três recomendações-chave para quem trabalha na comunicação. As recomendações baseiam-se numa investigação mista com mais de 8000 membros do público do Reino Unido.
Mudar a narrativa pública sobre a ação climática e os oceanos
O nosso atual programa de subvenções foca-se no trabalho efetivo para a ação climática e em defesa dos oceanos, incluindo iniciativas de financiamento e investigação que ajudarão a alterar e narrativa sobre as alterações climáticas e a mudar a opinião pública. Tal como muitos outros financiadores na área do clima, o nosso compromisso estratégico foca-se na equidade e na diversificação das vozes em defesa do clima, bem como em alcançar grupos sub-representados. E não é só porque é a coisa certa a fazer, mas porque sabemos que resulta em comunidades mais envolvidas e num maior consenso para a mudança. Recentemente, apoiámos grupos focados em comunidades locais, incluindo o Climate Reframe, uma rede que liga comunicadores pertencentes a grupos minoritários da sociedade, e o Pledgeball, uma iniciativa que mobiliza a ação climática junto de públicos de futebol. Proporcionamos financiamento de base às organizações Climate Outreach e Communications INC, as quais operam a nível internacional na comunicação com base em evidências e na capacitação da sociedade civil para implementar ações que têm uma forte probabilidade de funcionar. Lançámos recentemente um concurso aberto a organizações que trabalham na participação e envolvimento dos públicos em questões relacionadas com o clima em Portugal.
O campo emergente da criação de narrativas para a mudança foi algo que explorámos em conjunto com outras organizações financiadoras do Reino Unido, no congresso da Association of Charitable Foundations de 2022, onde identificámos a necessidade de apoiar iniciativas persistentes de storytelling criativo relacionado com o clima, com vista a alcançar novos e cada vez mais abrangentes públicos.
Quando fomos contactados pelo departamento de produções comerciais da BBC StoryWorks para apoiar a série The Climate And Us [O Clima e Nós], considerámos que seria a oportunidade ideal para criar um conteúdo de comunicação destinado a grandes audiências ,utilizando princípios baseados na ciência para a comunicação de questões climáticas. Interessou-nos o modo como os vídeos para os canais internacionais da BBC conseguem transmitir mensagens-chave acerca dos oceanos da forma mais cativante possível.
A visão que a BBC StoryWorks tinha para a série estava alinhada com a nossa. A equipa de produção queria chamar a atenção para as graves ameaças para o bem-estar da humanidade e do planeta, mas ao mesmo tempo evitar enquadrar essas questões de uma forma negativa. Em vez disso, a série encoraja uma atitude positiva ao apresentar soluções, com cenas fascinantes e histórias reais de ação, em que o trabalho das pessoas resulta em benefícios tangíveis para a nossa saúde e para a saúde das nossas economias e sistemas naturais.
Nos bastidores
Reunimos parceiros com que temos vindo a trabalhar ao longo dos anos e convidámo-los a cocriar o filme com os produtores especialistas da BBC StoryWorks. Através de entrevistas aprofundadas com a Catarina, a Luísa, a Heather e o Kevin, os produtores captaram uma variedade de experiências e cenas que ilustram a diversidade de ligações que existem entre os seres humanos e os oceanos. “O que o oceano diz sobre nós” conta uma história simples de conexão – ao mundo natural e entre as pessoas. Tal como a Catarina refere, quando lhe pedem para descrever o que sente sobre as alterações climáticas – “cuidares do mar e cuidares do teu planeta é exatamente a mesma coisa que cuidares de ti”.
Algumas técnicas adotadas no filme incluem o foco nas soluções, exemplos de ação positiva e mensagens de esperança. O peso das estatísticas é reduzido – em vez disso, a bióloga marinha Heather recorre a metáforas e dá exemplos do quotidiano para explicar o complexo papel que os oceanos têm em sistemas como a regulação do ciclo da água. A sua mensagem final recorda-nos que a proteção dos oceanos é de importância vital para as gerações futuras – uma mensagem que outras experiências de comunicação climática mostraram repetidamente que funciona para os mais diversos públicos. As mensagens são subtis e foram orientadas pelos experientes produtores da BBC.
Oportunidades de financiar a comunicação em questões climáticas
“O que o oceano diz sobre nós” é intencionalmente não promocional. Não defende um objetivo político específico, nem pretende transmitir uma mensagem de campanha ou um avanço científico. Um dos benefícios do financiamento de conteúdos climáticos por entidades dedicadas à filantropia, em vez de por empresas ou de organizações de campanha, é que podemos focar-nos em mensagens mais abrangentes que podem ajudar a moldar novas histórias e a criar consenso público para a ação. Temos o privilégio de podermos olhar para todo o sistema, assumir riscos e pensar a longo prazo.
O envolvimento do público é uma área de interesse crescente para o financiamento de iniciativas climáticas – o mais recente relatório de tendências de financiamento da ClimateWorks indica que o envolvimento do público foi a área estratégica mais financiada em 2022. Trabalhar para mobilizar a vontade pública, envolver grupos e comunidades mais abrangentes ajuda a criar um ambiente capacitante para as transformações políticas e sociais. Este relatório recente do Climate Outreach destaca abordagens-chave com vista ao envolvimento do público para captar o apoio filantrópico.
Contudo, apesar do crescente interesse, o investimento nas narrativas climáticas para a mudança ainda é reduzido, em particular fora dos EUA, e a necessidade é gigantesca. Para contrariar os orçamentos para a publicidade e os esforços de lobbying das empresas de combustíveis fósseis – cujas táticas de divulgação de desinformação estão bem documentadas – a sociedade civil precisa de trabalhar em conjunto para melhor alinhar os seus esforços de comunicação e assegurar que todos os grupos sociais são alcançados, de modo a que possam refletir e a envolver-se no storytelling climático.
Os nossos parceiros dizem que, para mudar a opinião pública sobre o clima, necessitam de maior capacidade de comunicação, mais oportunidades para aprender o que funcionou ou não em outras iniciativas, mais investimento em estratégia e mais esforços de comunicação conjunta ou sem marca.
Na COP28 escutámos repetidamente oradores a citar David Attenborough: “Salvar o nosso planeta é agora um desafio de comunicação.” Existe uma enorme oportunidade para a filantropia aumentar o investimento no storytelling climático, para tornar possível a compreensão conjunta do que funciona e onde devemos concentrar os nossos esforços.
Este artigo, originalmente publicado na Philanthropy Europe Association. Leia mais sobre o Programa Sustentabilidade da Fundação Calouste Gulbenkian e sobre o nosso trabalho para a transformação das narrativas sobre a ação climática e a defesa dos oceanos.
Agradecemos a todas as partes envolvidas na criação do filme, incluindo a BBC StoryWorks; Ema Shaw Evangelista, Catarina, Luísa e a equipa da Wave by Wave; Heather Koldewey, Kevin e a equipa da ZSL Marine Nicky Hawkins and Heard; e a Communications INC.