Entre espaços: um percurso pela vida e obra de Nadir Afonso

A investigadora e curadora Maria do Mar Fazenda escreve sobre a vida e a obra do artista e sobre uma exposição a ele dedicada no MACNA.
Maria do Mar Fazenda 07 out 2021 5 min
Novas leituras

Visitei pela primeira vez a cidade de Chaves no final de fevereiro de 2020. A viagem marcou o início da minha colaboração enquanto consultora para a programação do Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso (MACNA). Uma das primeiras tarefas que me foi confiada foi a de conceber uma exposição para assinalar o centenário de Nadir Afonso, que se viria a celebrar a 4 de dezembro desse ano. Voltei para Lisboa nas vésperas do primeiro confinamento. Talvez pela elasticidade que a noção de tempo ganhou nos tempos de pandemia, a exposição organizou-se em diversos compassos. À imagem do projeto museológico de Le Corbusier, Musée de croissance ilimitée, a proposta curatorial apresentar-se-ia progressiva e cumulativamente no espaço do museu que Nadir Afonso, ainda em vida, convidou Álvaro Siza Vieira a projetar para a cidade onde o artista nasceu em 1920.

 

Primeiro momento expositivo do programa «Nadir Afonso, entre o local e o global», inaugurado no dia 4 de dezembro de 2020 no MACNA. Foto: Alexandre Delmar

Entre o local e o global

Partindo do traçado de uma panorâmica sobre a vida e obra de Nadir Afonso (n. 1920, Chaves; m. 2013, Cascais), desenhou-se um itinerário por obras representativas dos seus vários períodos e da sua produção em várias frentes: a Arte (a área eleita desde cedo), a Arquitetura (disciplina que abandonou definitivamente nos anos 1960) e a Teoria (dimensão constante ao longo da sua vida, que acompanhou a sua prática artística e vice-versa). Correspondendo a este imenso itinerário espaciotemporal, para a comemoração do seu centenário no MACNA foi concebido um programa, procurando a cada vez evidenciar os diálogos entre a sua obra artística e arquitetónica, mas também conectar o seu trabalho com outros autores, lugares e contextos seus contemporâneos.

 

Nadir Afonso, «Oliveiras Milcentenárias» (pormenor), 1945. Inv. 71P699
Nadir Afonso, «Clérigos», 1941. Inv. 83P700

 

O primeiro momento expositivo seguiu uma narrativa cronológica, permitindo identificar as fases mais representativas do percurso artístico de Nadir, numa seleção de obras pertencentes ao património artístico municipal, doadas por Nadir Afonso nos anos 1980, e ao espólio em depósito no MACNA, por protocolo com a Fundação Nadir Afonso, desde 2015. A exposição teve como guião um artigo que Nadir escreveu, em 2007, para o Jornal de Letras, Artes e Ideias, «Local e universal», cujo título inspirou a nomeação do programa comemorativo. Este texto, escrito na primeira pessoa, segue um olhar retrospetivo, que parte do presente mas também pressente um futuro.

Entre a arquitetura e a pintura

Em 1946, Nadir parte para Paris, ano em que começa a sua colaboração no atelier de Le Corbusier – o AT.BAT. (L’Atelier des Bâtisseurs) – onde conhece Georges Candilis, André Wogenscky e Iánnis Xenákis. No início dos anos de 1950, numa breve passagem pelo Brasil, trabalha com Oscar Niemeyer, primeiro no Rio de Janeiro e depois no atelier de São Paulo.

 

Segundo momento expositivo, Arquitetura de Nadir Afonso em Chaves. Foto: Alexandre Delmar

 

O segundo momento expositivo do programa Nadir Afonso, entre o local e o global teve como foco o seu trabalho em arquitetura e, em especial, a projetada para Chaves. Este mapeamento revelou a experiência de trabalho em diferentes tipologias de arquitetura: habitacional, comercial, industrial, religiosa e também de desenho urbano, para as quais Nadir apresentou soluções arrojadas, mas também contextuais. Concebidas em função da sua localização, integram ainda no seu traçado as tendências internacionais suas contemporâneas. Em 1965, Nadir viria a abandonar definitivamente a arquitetura para daí em diante se focar somente na sua prática artística. E é de notar como a partir deste momento as representações urbanas e de espaços arquitetónicos ganham protagonismo na sua pintura.

 

Nadir Afonso, «Rue Chappe», 1970. Inv. GP671
Nadir Afonso, «Perspectiva II», 1965. Inv. 70P496

 

A exposição convida ainda o visitante a extravasar as paredes do museu para reencontrar as vistas de Chaves e do Porto pintadas por um jovem Nadir ou conhecer as suas obras arquitetónicas localizadas nas ruas de Chaves.

Entre a figuração e a abstração

O programa comemorativo concluiu-se com a apresentação de uma seleção de obras de Nadir Afonso representadas em diversas coleções institucionais, complementando a panorâmica formada pela primeira mostra. Reuniu-se também uma seleção de autores decisivos no percurso de Nadir com especial incidência nos anos de formação na Escola Superior de Belas-Artes do Porto: Dordio Gomes, Fernando Lanhas, Júlio Pomar e Júlio Resende.

Nadir e Lanhas, apesar de frequentarem o curso de Arquitetura, aproximaram-se da Pintura por via de Dordio Gomes, quer pela participação nas exposições do Grupo dos Independentes, quer nas Missões Estéticas em Évora. Pomar e Resende, estudantes de Pintura na mesma escola, também participaram nestas atividades impulsionadas por Dordio Gomes.

 

Terceiro momento expositivo, «Da Figuração à Abstração». Foto: Alexandre Delmar

 

A produção destes quatro artistas na década de 1940 do século XX inscreve-se na figuração; no entanto, todos eles irão deslocar a sua prática para um imaginário abstrato. À exceção de Lanhas, que rompe definitivamente com a representação do corpo, os outros artistas regressarão à figuração do humano. Se na obra de Nadir (no final dos anos de 1980) é frequente a representação de uma figura humana definida por traços e relações geométricas, nas composições e experiências plásticas de Pomar e Resende o corpo (erótico, com especial recorrência em Pomar) e a figura humana (social, sintetizada na pintura de Resende) nunca perdem protagonismo. Nadir, acompanhado de Lanhas, destaca-se pela antecipação e pelo vínculo na exploração racional da forma geométrica – sendo ambos pioneiros na abstração geométrica em Portugal, através de uma conceção da pintura como cálculo racional e equilíbrio geométrico.

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Nesta rubrica, artistas, curadores, historiadores e investigadores convidados refletem sobre a Coleção do CAM, explorando diferentes perspetivas e criando relações por vezes inesperadas. Partindo de uma obra, de um artista ou de uma temática específica, estes textos propõem novas formas de ver e pensar a Coleção à luz do contexto histórico atual.

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