Berlioz: Sinfonia Fantástica
Orquestra Gulbenkian / Nuno Coelho
A Sinfonia fantástica é um marco no Romantismo. Aliando a narração de uma história às novas potencialidades abertas pelo desenvolvimento na construção e execução dos instrumentos, transformou a música orquestral da época. O recurso a uma grande orquestra, ampliada por novos timbres, contribuiu para um percurso sublinhado pelas combinações de instrumentos. Assim, tornou-se paradigmática da orquestração romântica. Escrita em 1830 e estreada no Conservatório de Paris a 5 de dezembro desse ano, é uma efabulação sobre a biografia do compositor, então fascinado pela atriz Harriet Smithson, cujas encarnações das heroínas de Shakespeare marcaram a Paris de então. Narra uma história de devaneio e paixão em que o sonho e a realidade se misturam com a morte e o oculto, elementos centrais no ideário romântico.
Estes “episódios de uma vida de artista,” como o compositor os designou, começam com “Sonhos – Paixões.” O nascer da paixão do artista é retratado, partindo de uma introdução lenta que prepara a tensão contrastante da forma sonata. Uma secção instável cede lugar a uma atmosfera sonhadora, ilustrada pelas melodias ondulantes. Neste andamento, surge o motivo que representa a relação entre o artista e a amada. Essa idée fixe será, recorrentemente, apresentada em diversos passos da narrativa. O recurso a surdinas e a pizzicati nas cordas atestam a abordagem visionária de Berlioz. “Um Baile” representa o artista numa festa, presença que será assombrada pela aparição da amada. O compositor oscila entre uma valsa em que pontifica a nobreza e elementos que contrastam pela tensão, aplicando a harpa de forma particular. Segue-se “Cena Campestre,” dominada pelo bucolismo. Solos de oboé e corne inglês dominam o episódio, centrado na melodia. Uma atmosfera de ameaça emerge, pontuada pelos tímpanos, interpolando as passagens líricas. A “Marcha para o Suplício” acompanha um sonho do artista, intoxicado pelo ópio após imaginar que o seu amor não era correspondido. Este sonha que mata a amada e é levado para o cadafalso numa marcha em que a orquestra sublinha, de forma enfática, a caminhada do Destino. A Sinfonia fantástica termina com “Sonho de uma Noite de Sabbat”, quando conjuradores e criaturas sobrenaturais se reúnem para o funeral do protagonista. A citação da melodia do Dies irae por instrumentos graves de sopro, como o inovador oficleide baixo, evoca a morte e enfatiza a solenidade da ocasião, que mistura a leveza da idée fixe da amada com uma atmosfera de ritual exagerado e grotesco.
Intérpretes
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Nuno Coelho
Maestro Convidado
Na temporada 2022/23, Nuno Coelho é o novo Maestro Principal e Diretor Artístico da Orquestra Sinfónica do Principado das Astúrias e cumpre o quinto ano como Maestro Convidado da Orquestra Gulbenkian, que dirige numa produção da visão de José Saramago da ópera Don Giovanni de Mozart, em comemoração do centenário do escritor. Outras atuações de destaque incluem estreias com a Orquestra do Real Concertgebouw de Amesterdão, a Filarmónica de Tampere e a Sinfonieorchester St Gallen, novas colaborações com a Sinfónica de Amberes e a Sinfónica de Tenerife e uma digressão com a Jovem Orquestra Nacional de Espanha.
Na temporada passada estreou-se à frente da Filarmónica de Helsínquia, da Dresdner Philharmonie, da Staatsorchester Hannover, da Filarmónica do Luxemburgo, das Sinfónicas de Gävle e Malmö, da HET Residentie Orkest, da Filarmónica de Estrasburgo e da Orquestra Nacional de Lille. Reforçou o seu relacionamento com as Sinfónicas da Galiza e de Barcelona. Em março de 2022, na Fundação Gulbenkian, dirigiu uma produção semi-encenada de Così fan tutte, expandindo o seu repertório de ópera que abarca produções de La traviata, Cavalleria rusticana, Rusalka, O diário de Anne Frank e Os sete pecados mortais, entre outras.
Nuno Coelho venceu o Concurso Internacional de Direção de Orquestra de Cadaqués em 2017 e, desde então, dirigiu a Royal Liverpool Philharmonic, a BBC Philharmonic, a Sinfónica de Hamburgo, a Sinfónica de Castela e Leão, a Noord Nederlands Orkest e a Orchestra Teatro Regio Torino. Em 2018/19 recebeu a Bolsa Dudamel, o que lhe permitiu colaborar com a Filarmónica de Los Angeles. Nessa mesma temporada, dirigiu a Sinfónica da Rádio da Baviera, ao substituir o maestro Bernard Haitink à última hora.
Nuno Coelho nasceu no Porto. Estudou direção de orquestra na Universidade das Artes de Zurique com Johannes Schlaefli e ganhou o Prémio Neeme Järvi no Festival Menuhin de Gstaad. Em 2014 foi bolseiro da Fundação Gulbenkian e em 2015 foi admitido no Dirigentenforum do Conselho Alemão da Música. Nos dois anos seguintes foi bolseiro em Tanglewood e maestro assistente da Filarmónica dos Países Baixos. Ocupa o seu tempo livre com a literatura e o ténis.
Programa
Hector Berlioz
Sinfonia Fantástica, op. 14
1. Rêveries – Passions
2. Un bal
3. Scène aux champs
4. Marche au supplice
5. Songe d’une nuit de sabbat