Beethoven: Concerto para Piano n.º 3
Orquestra Gulbenkian / José Eduardo Gomes / Maria João Pires
Uma vez alcançada a afirmação enquanto virtuoso e professor no meio aristocrático vienense, Beethoven embarcava na composição de uma série de obras em larga escala, as quais se destacam na sua produção entre 1800 e 1802, um conjunto de peças ambiciosas e experimentais que anunciam já o novo “ideal sinfónico” que marcaria o seu estilo no período entre ca.1803-1812. O Concerto para piano e orquestra n.º 3, em Dó menor, op. 37, cujos primeiros esboços parecem datar ainda de 1796, foi trabalhado inicialmente em 1799-1800, altura em que o 1.º andamento ficou concluído. No entanto, o compositor regressaria à obra apenas em 1802, concluindo-a no ano seguinte. A sua estreia, tal como a da Sinfonia n.º 2, ocorreu em Viena em abril de 1803, com o próprio autor ao piano, num concerto cujo programa incluía ainda a Sinfonia n.º 1 e a oratória Cristo no Monte das Oliveiras. A obra seria publicada em 1804, mas só em 1809 o compositor acrescentaria a cadência para o andamento inicial.
Tal como é possível observar em várias das obras que antecederam o Concerto n.º 3 no catálogo do compositor, também no caso presente é possível falar de uma relação particular com o modelo de Mozart. De facto, são vários os detalhes que este concerto partilha com o Concerto n.º 24, em Dó menor, K. 491, composto em 1786 mas publicado apenas em 1800. Porém, não se trata da simples emulação de um modelo: Beethoven não só lhe presta o seu tributo, como também procura transcendê-lo, imprimindo a sua marca pessoal em vários aspetos do discurso musical e acabando por produzir, ele mesmo, uma obra que concilia as raízes no século findo com o caráter pioneiro para o século que se iniciava.
O primeiro andamento, Allegro con brio, abre com a apresentação pelas cordas de um tema sóbrio e conciso (claramente reminiscente do congénere mozartiano), desenvolvido por toda a orquestra até que os violinos apresentam um segundo tema contrastante, em Mi bemol maior. Anunciando-se com dramatismo, o solista dá início a uma segunda exposição em que é o protagonista, e depois de uma secção de desenvolvimento a orquestra reafirma o tema principal em fortissimo. O segundo tema surge agora em Dó maior e uma cadência tempestuosa conduz a um encerramento dramático.
Segue-se um Largo em Mi maior, um andamento lírico em que o piano canta com nobreza. Para a sua atmosfera tranquila contribui grandemente a orquestração imaginativa. Por fim, o Rondo: Allegro, pleno de bom humor, rompe em Dó menor com um tema agitado, no piano a solo. Num radioso interlúdio contrastante, em Lá bemol maior, é apresentado um segundo tema, dolce, motivicamente derivado do primeiro. Partindo de Fá menor, a orquestra explora o tema do rondó em estilo fugado, desembocando num breve episódio lírico, agora em Mi maior, baseado no segundo tema. O tema principal regressa e a música caminha para um ponto culminante em Dó maior, momento em que uma breve cadência dá lugar a uma coda altamente espirituosa, que encerra o concerto de modo vertiginoso e triunfante.
Intérpretes
- Maestro
- Piano
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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José Eduardo Gomes
Maestro
José Eduardo Gomes foi recentemente laureado com o 1.º Prémio e o Prémio Beethoven na European Union Conducting Competition. É Professor na Escola Superior de Música de Lisboa, onde trabalha com as várias orquestras. Foi Maestro Titular da Orquestra Clássica do Centro, da Orquestra Clássica da FEUP e do Coro do Círculo Portuense de Ópera, Maestro Associado da Orquestra Clássica do Sul e Maestro Principal da Orchestre de Chambre de Carouge, na Suíça.
Começou a estudar clarinete em Vila Nova de Famalicão, sua cidade natal, na Banda de Música de Famalicão. Prosseguiu os seus estudos na ARTAVE e ESMAE, onde se formou na classe de António Saiote, tendo recebido o Prémio Fundação Engenheiro António de Almeida. Estudou direção de orquestra, com Laurent Gay, na Haute École de Musique de Genève (Suíça) e direção coral com Celso Antunes.
É membro fundador do Quarteto Vintage e do Serenade Ensemble. Foi laureado em diversos concursos, com destaque para o Prémio Jovens Músicos (Clarinete e Música de Câmara) e no Concurso Internacional de Clarinete de Montroy (Valência). Foi igualmente laureado no Prémio Jovens Músicos, na Categoria de Direção de Orquestra, tendo recebido também o prémio da orquestra.
Nos últimos anos, tem sido convidado para trabalhar com as principais orquestras portuguesas e nos mais destacados festivais de música em Portugal, com solistas como Maria João Pires, Diemut Poppen, Sebastian Klinger, Bruno Giuranna, Artur Pizarro, Natalia Pegarkova e Adriana Ferreira, entre outros. Na temporada 2022/23 apresentou-se em concertos em Portugal, na Alemanha, em França e na Hungria.
No domínio da ópera, incluem-se produções de Don Giovanni, Così fan tutte, Lo Speziale e La Donna di Genio Volubile. Recentemente, foi Diretor Musical da nova produção da Companhia Nacional de Bailado, Alice no País das Maravilhas, com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, assim como da nova produção da ópera Blimunda, no Teatro Nacional de São Carlos. Parte importante do seu trabalho é dedicada a orquestras de jovens, um pouco por todo o país. É Diretor Artístico da Jovem Orquestra de Famalicão. Em 2018 foi agraciado com a Medalha de Mérito Cultural pela Cidade de Vila Nova de Famalicão.
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Maria João Pires
Piano
Maria João Pires nasceu em Lisboa em 1944. Tocou pela primeira vez em público aos quatro anos de idade e aos cinco deu o seu primeiro recital. Foi aluna de piano de Campos Coelho, tendo estudado também com Francine Benoît. Posteriormente prosseguiu a sua formação musical na Alemanha, com Rosl Schmid e Karl Engel. Como solista de concerto e em recital, tornou-se na mais célebre pianista portuguesa de sempre e uma das artistas mais destacadas internacionalmente. A sua carreira passou pelos principais palcos mundiais, onde colaborou com maestros de renome internacional e com as mais prestigiadas orquestras. Destaque também para as suas inspiradas e muito aplaudidas gravações como solista e no domínio da música de câmara.
Desde a década de 1970, Maria João Pires tem-se também dedicado a refletir sobre a influência da arte na vida, nas comunidades e na educação. O seu objetivo é o de encontrar novas formas de afirmação desta linha de pensamento na sociedade, respeitando o desenvolvimento dos indivíduos e das culturas e encorajando a partilha de ideias. Em 1999 criou o Centro de Artes de Belgais, para o estudo das artes em Portugal, lugar onde organiza regularmente workshops interdisciplinares para músicos profissionais e amadores, além de concertos e gravações. Num futuro próximo, estes poderão ser partilhados com a comunidade digital internacional. Em 2012, na Bélgica, Maria João Pires iniciou dois projetos complementares: os Partitura Choirs, um projeto de coros infantis destinado a crianças oriundas de ambientes socialmente desfavorecidos como o Hesperos Choir e os Partitura Workshops. Todos os projetos Partitura têm como objetivo criar uma dinâmica altruísta entre artistas de diferentes gerações, propondo uma alternativa a uma realidade demasiado focada na competitividade, uma filosofia que tem vindo a ser divulgada internacionalmente.
Programa
Ludwig van Beethoven
Concerto para Piano e Orquestra n.° 3, em Dó menor, op. 37
1. Allegro con brio
2. Largo
3. Rondo: Allegro – Presto