“Às vezes parece que não temos oportunidade de nos expressarmos”

No projeto Correspondentes do Bairro, Inês de Sousa percebeu que todas as histórias são válidas e publicáveis, aprendeu a fazer perguntas como uma jornalista e a identificar notícias falsas. Mas será isto que quer fazer da vida? Não. Quer ser professora.
15 jan 2024 5 min

Ainda não eram nove e meia quando Inês Sousa chegou à Passa Sabi. Estava de férias escolares, mas não deixou de se levantar cedo, numa manhã fria de inverno, para envergar o seu melhor sorriso e assumir a pele de “Correspondente do Bairro”.  

O ponto de encontro era a Passa Sabi, a associação de raiz comunitária que, com o apoio do Programa Cidadãos Ativ@s, quis promover a literacia mediática e a combater a desinformação no Bairro do Rego, em Lisboa. A associação também quer mostrar aos jovens que qualquer pessoa – mesmo os habitantes de bairros sociais – pode ser notícia, que em qualquer parte há histórias boas, que merecem ser contadas e podem ser publicadas, que é legítimo ter sonhos e não é impossível concretizá-los. Para levar a cabo esta empreitada, a Passa Sabi fez uma parceria com a publicação online A Mensagem de Lisboa, à qual caberia ajudar um conjunto de jovens do bairro a identificar histórias, fazer entrevistas, hierarquizar informação, identificar notícias falsas e eliminar estereótipos e preconceitos que nos tornam a todos mais permeáveis ao populismo e à polarização que tanto ameaçam a democracia. 

A ligação de Inês de Sousa à Passa Sabi não é de agora nem se resume ao projeto “Correspondentes do Bairro”. Inês também está envolvida no projeto “Escola Equitativa” © Márcia Lessa

 Depois de Inês, foram chegando, à vez, Rafael, Tiago, e por fim Álvaro e Líbia. Rafael e Tiago iam ser entrevistados por Inês e Álvaro, respetivamente correspondente do bairro e o jornalista d’A Mensagem coordenador do projeto. Líbia tiraria as fotografias que acompanhariam o trabalho nas páginas d’A Mensagem, como as outras tantas publicadas. 

Inês já tinha entrevistado Bebé, um filho do bairro do Rego que se tinha tornado estrela do futsal. O resultado dessa conversa, transformada numa reportagem intitulada Bebé, o campeão do mundo que driblou a falta de campos no Bairro do Rego e hoje serve cachupa no restaurante da mãe, pode ser lida n’A Mensagem de Lisboa.  

A conversa com Rafael e Tiago seria mais fácil. Dois jovens adultos do bairro tinham sido contratados por uma organização social espanhola de distribuição sustentável e com preocupações com a inclusão social estavam dispostos a contar a sua história. Uma das coisas boas do projeto, havia dito Inês enquanto esperava, era a possibilidade de “dar voz a jovens da comunidade. Às vezes parece que não temos oportunidade de nos expressarmos.” Esta conversa ia nesse sentido.  

A jovem correspondente quis saber se este era o trabalho que se imaginavam a fazer. Nem por isso, responderam ambos. Como qualquer miúdo, queriam ter sido futebolistas. “Ou pasteleiro”, diz Tiago. Rafael ainda joga – é “falso 9” num clube da Amadora – mas não faz disso a sua vida. A conversa flui. Falam do processo de recrutamento e de continuar a estudar. Quase não há jovens do Bairro a ir para a faculdade. “O filho da D. Cristina entrou”, diz Rafael. Inês brilhou. “Entrou??!!” A questão da universidade “não é só do bairro. Depende da cabeça de cada jovem”, prossegue Tiago. “Às vezes vemos mais velhos, de 30 ou 35, aqui parados no bairro… A minha mãe começou a trabalhar aos 17” num restaurante de fast food e depois foi para a EGEAC, onde está há mais de 20 anos. 

Falam do que mais custa neste trabalho e de “onde se veem daqui a cinco anos”. Os rapazes tentam fugir à pergunta, mas Inês não se esquiva: quer estar na faculdade, a acabar um curso de professora de inglês. Álvaro aproveita a deixa: “É importante ter alguém na comunidade que quebre este ciclo e vá para a faculdade”. Aborda a importância de os jovens terem referências, exemplos a seguir, sonhos a conquistar. Recordam Bebé, que conseguiu fazer uma belíssima carreira no Sporting.  

A entrevista afinal é uma simples conversa. Mas esta não foi a única aprendizagem, para Inês. Grande consumidora de redes sociais, garante que depois de participar no projeto já não partilha notícias que não leia de fio a pavio, sem verificar o conteúdo do texto, o seu formato e as fontes das notícias. “Sei ver os sinais de notícias falsas”. 

E por falar em partilha… se dependesse de Inês, espalhava toda esta aprendizagem pela comunidade. E, apesar de estar a trabalhar para continuar a estudar e ser professora de inglês, continuaria, com gosto, a ser uma Correspondente do Bairro. 

Leia a reportagem Para toda a Lisboa, sobre duas rodas: eles criaram um quartel-general de entregas no bairro do Rego, feita por Álvaro Filho e Inês de Sousa e publicada n’A Mensagem de Lisboa. 

 O projeto Correspondentes do Bairro, promovido pela Associação Passa Sabi em parceria com a publicação A Mensagem de Lisboa, é financiado pelo Programa Cidadãos Ativ@s/EEA Grants, fundo gerido em Portugal pela Fundação Calouste Gulbenkian e pela Fundação Bissaya Barreto. 

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