Andreia Pinto Correia: Reverdecer
Orquestra Gulbenkian / Aziz Shokhakimov / Jay Campbell
Reverdecer, palavra que encontrei múltiplas vezes em sermões religiosos do século XVII, contém no seu âmago duas possibilidades temporais. Por um lado, temos reverdecer como algo que cresce, renasce, se fortalece, e que olha para o além, para o futuro. Por outro, temos um reverdecer de memórias. Ou seja, uma nostalgia, um recordar, um recriar de um passado não necessariamente cronológico, mas uma reconstrução de memórias feita de acordo com a imaginação e as vivências individuais.
A ideia de organizar gestos e blocos musicais em dois tempos simultâneos, em que passado e futuro fluem conjuntamente, está no centro deste concerto. A viagem musical do instrumento solista é assim feita entre estes dois tempos coexistentes, num estado temporal simultâneo entre passado e futuro. Através de uma linguagem musical própria – manifestada pelo seu material maioritariamente microtonal – o violoncelo emerge e submerge do tecido orquestral com uma linguagem distinta da linguagem musical que o rodeia. Desta forma, o material musical vai sendo continuamente recriado, reverdecendo através de novas paletas orquestrais, cores, e timbres.
Escrito em 2019, na altura adaptado a uma orquestra mais reduzida na sua versão pandemia, Reverdecer encontra-se dividido em três andamentos com breves pausas entre si. Formalmente a obra vai crescendo desde as profundezas da terra, (como se fosse uma semente de uma planta que brota) – representada no início da obra pelas notas mais graves no registo do violoncelo e da orquestra – até ao infinito, num movimento cíclico ascendente, desde a escuridão em direção à luz.
Reverdecer, concerto para violoncelo e orquestra, é dedicado à memória de meus pais. É uma viagem de emoções, recordações, saudade e esperança. Uma segunda dedicatória é para o extraordinário solista norte-americano Jay Campbell, com amizade e admiração, para quem a obra foi escrita, e com quem tenho colaborado nos últimos seis anos.
Intérpretes
- Maestro
- Violoncelo
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Orquestra Gulbenkian
Em 1962 a Fundação Calouste Gulbenkian decidiu estabelecer um agrupamento orquestral permanente. No início constituído apenas por doze elementos, foi originalmente designado por Orquestra de Câmara Gulbenkian. Ao longo de sessenta anos de atividade, a Orquestra Gulbenkian (denominação adotada desde 1971) foi sendo progressivamente alargada, contando hoje com um efetivo de cerca de sessenta instrumentistas, que pode ser expandido de acordo com as exigências de cada programa. Esta constituição permite à Orquestra Gulbenkian interpretar um amplo repertório, do Barroco até à música contemporânea. Obras pertencentes ao repertório corrente das grandes formações sinfónicas podem também ser interpretadas pela Orquestra Gulbenkian em versões mais próximas dos efetivos orquestrais para que foram originalmente concebidas, no que respeita ao equilíbrio da respetiva arquitetura sonora.
Em cada temporada, a Orquestra Gulbenkian realiza uma série regular de concertos no Grande Auditório, em Lisboa, em cujo âmbito colabora com os maiores nomes do mundo da música, nomeadamente maestros e solistas. Atua também com regularidade noutros palcos nacionais, cumprindo desta forma uma significativa função descentralizadora. No plano internacional, a Orquestra Gulbenkian foi ampliando gradualmente a sua atividade, tendo efetuado digressões na Europa, na Ásia, em África e nas Américas. No plano discográfico, o nome da Orquestra Gulbenkian encontra-se associado às editoras Philips, Deutsche Grammophon, Hyperion, Teldec, Erato, Adès, Nimbus, Lyrinx, Naïve e Pentatone, entre outras, tendo esta sua atividade sido distinguida, desde muito cedo, com diversos prémios internacionais de grande prestígio. O finlandês Hannu Lintu é o Maestro Titular da Orquestra Gulbenkian, sucedendo a Lorenzo Viotti.
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Aziz Shokhakimov
Maestro
Aziz Shokhakimov é Diretor Musical da Orquestra Filarmónica de Estrasburgo e Diretor Artístico da Orquestra Filarmónica Tekfen (Turquia). Entre 2015 e 2021, foi Kapellmeister na Deutsche Oper am Rhein. Como maestro convidado, dirigiu a Sinfónica da Rádio da Baviera, a NDR Elbphilharmonie Orchester, a Sinfónica WDR (Colónia), a Filarmónica da Radio France, a hr-Sinfonieorchester Frankfurt, a Sinfónica de Houston, a Sinfónica de Toronto e a Sinfónica de Seattle, entre outras prestigiadas orquestras.
No domínio da ópera, na temporada passada, Shokhakimov estreou-se com a Ópera Nacional de Paris, em Lucia de Lammermoor. A temporada 2023-2024 inclui a sua estreia com a Bayerischer Staatsoper, na direção de A Dama de Espadas de Tchaikovsky. Com a Filarmónica de Estrasburgo dirigirá uma nova produção de Lohengrin na Ópera do Reno. Como Kapellmeister na Deutsche Oper am Rhein, dirigiu novas produções de A Dama de Espadas, Madama Butterfly, Salome e Tosca.
Aziz Shokhakimov tem uma relação especial com o Festival de Salzburgo, onde foi distinguido com o prestigioso Prémio para Jovem Maestro, em agosto de 2016. Regressou em 2017 para dirigir o concerto dos laureados, à frente da Sinfónica da Rádio de Viena, e em 2019 para dirigir na Cerimónia de Abertura do Festival de Salzburgo, com a violinista Patricia Kopatchinskaja.
Aziz Shokhakimov nasceu em 1988 em Tashkent, no Uzbequistão. Aos seis anos ingressou na Escola de Música Uspensky, onde estudou violino, viola e direção de orquestra. Aos treze anos dirigiu a Sinfonia n.º 5 de Beethoven e o Concerto para Piano n.º 1 de Liszt, à frente da Sinfónica Nacional do Uzbequistão. No ano seguinte dirigiu a sua primeira ópera, Carmen, na Ópera Nacional do Uzbequistão. Foi Maestro Assistente da Sinfónica Nacional do Uzbequistão, tendo assumido as funções de Maestro Principal em 2006. Em 2010 foi segundo classificado no Concurso Internacional Gustav Mahler, em Bamberg.
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Jay Campbell
Violoncelo
O jovem violoncelista Jay Campbell explora um largo e diversificado universo musical. Tem sido reconhecido pela abordagem de repertório antigo e moderno, com a mesma curiosidade e comprometimento, tendo as suas atuações sido consideradas “eletrizantes” pelo New York Times e “delicadas, pungentes e profundamente comoventes” pelo Washington Post.
Único músico que recebeu duas bolsas de estudo Avery Fisher Career Grants, como solista (2016) e como membro do JACK Quartet (2019), estreou-se em concerto com a Filarmónica de Nova Iorque em 2013. Em 2016 trabalhou com Alan Gilbert nos concertos Ligeti Forward, integrados na New York Philharmonic Biennale no Metropolitan Museum of Art. In 2017 foi Artista Residente no Festival de Lucerna, onde estreou o concerto para violoncelo Das Ding Singt, de Luca Francesconi. Em 2018 apresentou-se com a Deutsches Symphonie-Orchester Berlin, na Berliner Philharmonie. Gravou concertos para violoncelo de George Perle e Marc-Andre Dalbavie, com a Sinfónica de Seattle. Em 2022 regressou à Filarmónica de Los Angeles para estrear dois concertos, de Wadada Leo Smith e Inti Figgis-Vizueta. Em 2023-2024 estreia o novo concerto Reverdecer, de Andreia Pinto Correia, com a Orquestra Gulbenkian, apresentando-se depois com a Orquestra Sinfónica do Estado de São Paulo, no Brasil.
Um dos principais interesses artísticos de Jay Campbell é a colaboração com os novos músicos criadores, tendo trabalhado com Catherine Lamb, John Luther Adams, Marcos Balter ou Tyshawn Sorey, entre muitos outros. A sua associação com John Zorn deu origem a dois discos com novas obras para violoncelo, nomeadamente Hen to Pan (2015) e Azoth (2020). Como músico de câmara, Jay Campbell é violoncelista do JACK Quartet, do Junction Trio, com o violinista Stefan Jackiw e o pianista Conrad Tao, e do coletivo multidisciplinar AMOC.
Programa
Andreia Pinto Correia
Reverdecer, concerto para violoncelo e orquestra
1. Solenne, sospirando
2. Lacrimoso, quasi recitativo
3. Agitato