Obras Completas XII: Segundo Paraíso – Do Cinema como Ficção do Nosso Sobrenatural

Eduardo Lourenço

O que significa um «segundo paraíso» para alguém educado a acreditar no primeiro? A dado passo deste livro, Eduardo Lourenço revive a descoberta do cinema na infância aldeã: o lençol na parede em que se projectava a vida de Cristo como se fosse um sudário. E surgem frequentes expressões como «reencantamento» ou «revelação», bem como a ideia de que no cinema uma imagem está lá em vez de outra, como se fosse uma figura poética ou sacramental. […]

Segundo Lourenço, o cinema não é simplesmente uma arte onírica: é um sonho exterior que faz da vida, e não do sonho, o lugar sobrenatural por excelência. O cinema não reproduz a naturalidade da vida, mas sobrenaturaliza-a, faz dela mais fascinante do que é na verdade. […]

Três mitos fundamentais estruturam este volume de ensaios, artigos, recensões, notas de agenda e manuscritos. O primeiro, mais constante e mais grave, é a História. Portugal teve um anti-Lusíadas com o Non de Manoel de Oliveira. Em vez de exaltar o nosso «destino mítico», Oliveira usa as nossas derrotas históricas para interrogar um outro lado do mito, o de um país «fora da História», que tem a derrota como horizonte, quanto mais não seja porque o passado é sempre maior do que o presente, certeza que torna vã qualquer glória. Em rigor, esclarece-se, Non não é sobre a História, mas sobre a representação mítica da História.

Um segundo mito omnipresente é o mito da «estrela», que não se confunde com o mero actor ou actriz de cinema. Os mitos não são alegorias: afirmam a irrealidade, em vez de transfigurarem a realidade. […]

O terceiro mito é Portugal. O cinema português é uma «aventura», na melhor das hipóteses, uma «querela medieval», na pior, e há sem dúvida mérito em ser crítico de uma matéria.

E, se esta terceira mitologia introduz uma nota mais pessoal, é pessoalíssima uma intervenção sobre O Terceiro Homem, de Carol Reed, […] em que dá conta de duas situações ideológicas: a do autor (humanismo agónico católico) e a do regime (autoritarismo católico conservador).

Há mais do que um paradoxo em Segundo Paraíso, mas o maior, que compreende os menores, é este: em textos que são muitas vezes sobre «outra coisa» que não o cinema, essa outra coisa é assombrada pela coisa ela-mesma, ou seja, pelo cinema, pela linguagem e mitologia do cinema, um sonho sem sono, um fora sem dentro, um milagre inquieto, uma técnica que inventou um paraíso.

 

(Da introdução de Pedro Mexia)


Ficha técnica

Outras Responsabilidades:

Sel. e introdução de Pedro Mexia

Idioma:
Português
Editado:
Lisboa, 2022
Entidade
Fundação Calouste Gulbenkian
Dimensões:
180 x 230 mm
Capa:
Encadernado
Páginas:
210
ISBN:
978-972-31-1648-9
Atualização em 07 dezembro 2023

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