Os textos reunidos no Volume III das Obras Completas de Miguel Baptista Pereira exprimem, por meio de uma reação ao ensino universitário de filosofia da época, a originalidade da posição filosófica do autor.
Contestando um modelo de docência marcado pela repetição neutra de ideias «colhidas em segunda mão» […] o autor chama a nossa atenção para a distinção absolutamente necessária que é preciso fazer, em Filosofia, entre a fonte documental e a fonte origem. O esquecimento da historicidade da fonte origem, a confusão da história da filosofia com o mero registo e descrição das opiniões dos vários filósofos são aqui claramente criticados como práticas que prejudicam seriamente a filosofia e o seu problema fundamental: o do sentido e sua estrutura profundamente temporal.
A historicidade do sentido – um dos temas-chave deste conjunto de reflexões que se opõe ao modo metafísico e puramente científico de consideração do real. Historicidade, liberdade, pessoa, diálogo, ser no seu dinamismo plural, são os núcleos fundamentais da nova maneira de pensar o tema.
Duas são de facto as raízes do pensar filosófico ocidental: a natureza cíclica dos gregos, com a sua temporalidade do eterno retorno, e a experiência bíblica da pessoa.
Baptista Pereira valoriza a raiz bíblica do pensamento ocidental, onde nasceram as categorias da pessoa, da liberdade e historicidade que exigem um retorno ao sentido originário da experiência. Requerem «a substituição de princípios universais e abstractos por imperativos ditados pelo acontecer de uma realidade cuja novidade surpreende». Não é o dualismo metafísico que define o tipicamente cristão, mas a temporalização sempre nova e inesgotável da verdade, cuja plenitude está prometida «num novo céu e numa nova terra».
O autor invoca a raiz bíblica do filosofar como novo modelo, garantia de um novo tempo pleno e do respeito pela dignidade do ser humano seriamente atacada hoje pelos exageros da tecnociência. Artefacto ou pessoa são conceitos que encerram em si duas considerações de mundo muito diferentes.
A experiência bíblica de tempo, marcada pelo primado do ouvir, e não pelo da visão ou percepção, em que o homem é pessoa, ator que se responsabiliza pelos outros, «pela forma presente do mundo e pelo papel que nela assume» marca a originalidade do seu pensamento.
(Da nota editorial de Maria Luísa Portocarrero e Luís António Umbelino)