Três cidades portuguesas promovem economia circular da alimentação

No Dia Mundial da Alimentação, a Fundação Calouste Gulbenkian destaca a sua parceria com a Food Initiative para a promoção da economia circular da alimentação nas cidades.
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16 out 2020

Lisboa, Porto e Torres Vedras estão a apostar em pequenos produtores locais para favorecer cadeias de distribuição mais curtas, a facilitar o acesso a produtos biológicos e sustentáveis ou a resgatar alimentos que seriam deitados ao lixo. Estas três cidades portuguesas integram a Food Initiative, um projeto internacional liderado pela Fundação Ellen MacArthur que promove, nas grandes cidades, a aplicação do conceito de economia circular da alimentação – consumo de alimentos produzidos de forma regenerativa e local, aproveitamento dos alimentos ao máximo; comercialização de produtos alimentares saudáveis, não só do ponto de vista nutricional mas também pela forma como são produzidos.

 

Dar nova vida ao desperdício

De acordo com dados de um estudo apresentado pela Fundação Ellen MacArthur em 2019, a cada segundo o mundo desperdiça o equivalente a seis camiões do lixo de comida. São números alarmantes que têm conduzido à implementação de medidas para a redução do desperdício alimentar nas 14 cidades envolvidas globalmente nesta iniciativa.

Em Lisboa, associações como a Refood ou o Movimento Zero Desperdício asseguram diariamente a distribuição condigna de comida que iria acabar no lixo – sobras de restaurantes, por exemplo – junto de famílias carenciadas. Já no município do Porto, a autarquia distribui, numa rede de restaurantes aderentes, embalagens sustentáveis para que os clientes possam levar para casa as sobras de comida de forma cómoda e segura, o que já resultou numa poupança de 28 toneladas de alimentos entre 2016 e 2020.

A redução do desperdício não se aplica apenas a comida confecionada: em Lisboa têm sido distribuídos, pelos munícipes que o desejem, compostores domésticos, ou seja, recipientes que acumulam resíduos orgânicos (cascas de fruta e legumes e outros restos de comida) e os transformam em fertilizantes naturais que podem ser utilizados para nutrir a terra de hortas, jardins, vasos ou floreiras. Estes compostores estão a desviar da deposição em aterro mais de 1400 toneladas de matéria orgânica por ano, que assim ganham uma nova vida.

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Os mercados biológicos são uma solução para reduzir os custos de saúde associados ao uso de pesticidas que, globalmente, atingem os 550 mil milhões de dólares. © Câmara Municipal do Porto

Todos têm um papel a desempenhar

O desenho e implementação deste tipo de medidas tem sido sustentada pela troca de experiências no âmbito da iniciativa. Quem o diz é Maria João Rodrigues, diretora técnica da E-nova – Agência Municipal de Energia e Ambiente, responsável pela execução destas ações na capital do país. “Para além do caráter inovador de grande parte dos projetos partilhados pela rede, a discussão e o acesso a informação sobre os sucessos e insucessos de implementação constituem informação importante para a estruturação da nossa própria estratégia de circularidade da cadeia alimentar”, afirma, complementando que “a diversidade de atores que integra a rede é também uma grande mais-valia” para esta aprendizagem.

De facto, esta estratégia engloba não só os responsáveis das autarquias mas também produtores, retalhistas, marcas alimentares, gestores de resíduos ou decisores políticos. Todos têm um papel no sistema alimentar e estão a ser desafiados a ter uma participação ativa na transição para uma economia circular da alimentação que pretende reduzir as emissões anuais de gases com efeito de estufa em 4,3 mil milhões de toneladas de CO₂ – o mesmo que retirar mil milhões de carros da estrada.

 

De pequenino se “colhe” o pepino

Em Torres Vedras, a transformação começa com as crianças. O projeto BioCantinas está a mudar as formas de produção, aquisição, confeção e consumo de alimentos na rede escolar pública e privada.

O município tem promovido o contacto direto dos alunos com o processo de cultivo de bens hortícolas através da criação de hortas comunitárias e pedagógicas nas escolas e jardins-de-infância, que são mantidas por alunos e professores e envolvem anualmente cerca de mil alunos. Paralelamente, as cantinas escolares recorrem agora a produtores locais para se abastecerem, procurando contribuir para a economia local, reduzir a pegada ecológica inerente ao transporte e embalagem e garantir produtos sazonais, orgânicos e saudáveis no prato dos alunos. Foi ainda criada uma rede de confeção de alimentos para IPSS, que providencia mais de 1 milhão de refeições por ano assentes em produtos orgânicos, incentivando todo o território a orientar nesse sentido a sua produção.

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Horta comunitária da freguesia de Aldoar, Porto. Este município disponibiliza 4 hectares de terreno agrícola aos munícipes, enquanto em Lisboa são já 9 hectares destinados a hortas comunitárias. © Câmara Municipal do Porto

Da horta comunitária ao garfo

A preocupação em disponibilizar à população uma maior oferta de produtos de origem biológica também se verifica em Lisboa e no Porto, onde têm sido criados mercados e feiras de produtos biológicos de iniciativa pública e privada. Esta é, aliás, uma das soluções que contribuem para reduzir os custos de saúde associados ao uso de pesticidas que, globalmente, atinge os 550 mil milhões de dólares.

A alimentação saudável não tem, no entanto, de ser comprada: as autarquias de Lisboa e Porto disponibilizam aos munícipes parques hortícolas distribuídos por várias zonas de ambas as cidades, para que estes possam produzir os seus próprios alimentos “bio”. Enquanto no Porto estão destinados a esse efeito 4 hectares de terra, em Lisboa existem neste momento 9 hectares divididos em cerca de 800 talhões distribuídos por 20 parques agrícolas.

 

Uma mudança liderada pelas cidades

Os esforços feitos por estes municípios são a resposta aos resultados do estudo de 2019 da Fundação Ellen MacArthur, que revelaram que, globalmente, por cada dólar gasto em alimentação, a sociedade gasta dois dólares em custos com ambiente e saúde, sendo que metade desses custos – 5,7 triliões anuais – são causados pela forma como a comida é produzida, particularmente pela economia linear, que extrai recursos finitos, é poluente (a indústria agroalimentar é responsável por quase 25% das emissões de CO₂) e prejudica os sistemas naturais.

O estudo estimou ainda que, até 2050, 80% de todos os alimentos serão consumidos nas grandes cidades e que é maioritariamente nas cidades que estão a tecnologia e as competências necessárias à inovação, o que torna evidente que a sustentabilidade futura dos sistemas alimentares depende, em larga medida, dos esforços que venham a ser feitos nos grandes aglomerados urbanos. Esta transição deve ser, por isso, liderada pelas grandes cidades e, até ao final de 2021, Londres, Nova Iorque e São Paulo são as cidades-bandeira da Food Initiative, pela sua dimensão e potencial de impacto nesta grande transformação que vai do campo – ou da horta comunitária – ao garfo. 

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