“Alexandra, preciso de falar contigo!”

A iniciativa Gulbenkian Cuida apoiou 70 instituições a chegar a quem mais precisava, durante a pandemia. Esta é a história do que Alexandra e as suas mulheres sem fronteiras conseguiram fazer com esse apoio.
24 fev 2022

Basta-lhe atravessar a rua que começa a ouvir uma e outra vez “Alexandra, preciso de falar contigo!” Ou porque a Câmara não responde ao pedido de casa, ou porque está na altura de uma consulta, ou porque é preciso um forcing junto da assistente social ou por outra coisa qualquer. Os pedidos chovem das janelas dos prédios do Bairro Alfredo Bensaúde, em Lisboa. Mas também chegam cara a cara, no meio da rua, no café ou ao dobrar de uma esquina.

Alexandra Alves Luís, co-fundadora da Associação Mulheres sem Fronteiras, candidatou-se ao Gulbenkian Cuida para ajudar a população do Bairro Alfredo Bensaúde, em Lisboa ©Márcia Lessa

 

“O miúdo tem três anos e já não usa fralda. Tens de me arranjar um lugar na creche!” Alexandra ouve tudo com atenção. “Temos de tratar do RSI. Estou em casa da minha mãe e não mo querem dar…” Alexandra vai filtrando. “A tua mãe vai começar a receber a reforma…” O novelo é interminável e geralmente está bem engavelado.

Há vários anos que Alexandra Alves Luís é uma espécie de faz-tudo no bairro. Ouve, leva, traz, marca, remarca, pergunta, pede papéis, preenche formulários, contesta, gere conflitos, encontra soluções… tem trabalho para dar e vender, mas é a vida que escolheu e fá-lo com visível dedicação.

 

Naquele território, diz, o Serviço de Apoio Domiciliário não passa de uma miragem. E o trabalho que tinha só se multiplicou com a chegada da pandemia. Além da população mais idosa que era preciso, mais do que nunca, alimentar e medicar, Alexandra viu-se a braços com pedidos de ajuda das outras comunidades do bairro, como a hindu e a cigana, onde os rendimentos caíram a pique, onde filhos que não queriam que os pais se vacinassem e pais que não tinham como fazer com que os filhos acompanhassem a escola a distância. Mais novelos para desenrolar.

Com o que tinha, Alexandra não conseguia chegar a todos. Como poderia distribuir comida se na Associação Mulheres Sem Fronteiras (de que é cofundadora) só uma colaboradora tinha carro de dois lugares, sem porta-bagagens?

 

Bensaúde ficou + perto

A notícia de que a Fundação Gulbenkian abrira candidaturas para ajudar associações da sociedade civil a reforçar a sua capacidade de resposta em tempos de pandemia caiu que nem uma luva. Candidatou-se à iniciativa Gulbenkian Cuida com o projeto Bensaúde + Perto – pedia apoio para a compra de uma carrinha.

Angariou outros financiadores e lá comprou o meio de transporte de que precisava. Não esperava era o resultado. Em vez de apoiar 70 beneficiários (mais 50 familiares), conseguiu chegar a cerca de 400 pessoas e, além de tudo o resto (preencher formulários Covid, imprimir certificados e tudo o que já aqui se falou), ainda fez coisas que nem imaginava conseguir, como levar idosos a consultas e a vacinar-se, ou levar TPC da escola aos alunos sem computador e dos alunos de volta à escola.

Nandini Rangi (à direita) é estudante universitária, residente do bairro e voluntária na Associação Mulheres sem Fronteiras ©Márcia Lessa
A associação Mulheres sem Fronteiras distribui comida, medicamentos, livros, roupa e tudo o mais que for necessário àquela população ©Márcia Lessa

 

Ensinou as regras básicas de proteção pessoal, distribuiu máscaras e álcool-gel. “A minha avó sabia que tinha de usar máscara, mas não sabia que precisava de a mudar”, conta Nandini Rangi, a neta de Moti Bai, a matriarca da comunidade hindu que é voluntária na Associação. A caminho dos 92, Moti Bai nasceu em Diu e viveu em Moçambique antes de se instalar em Lisboa (primeiro na Quinta da Vitória, depois realojada no Bairro Alfredo Bensaúde). Ao contrário dos filhos e netos, mal fala português. Nandini, a neta de 20 anos, vai traduzindo. A avó repete várias vezes, em português, “obrigada” pelo apoio que a Fundação Gulbenkian lhe fez chegar através de Alexandra.

Encontrámo-nos no templo Jai Ambe, que Moti Bai montou no rés-do-chão do prédio e onde muitas mulheres, viúvas, se encontram para agradecer a Durga (deusa protetora, a quem foi dedicado o templo), Ganesh, Hanuman, Parvati, Shiva, Vishnu, Krishna, Dharma e… Nossa Senhora de Fátima, que as acolheu em Portugal.

 

Oferecem-lhes fruta, arroz, doces e tantas outras coisas que no fim partilham. Para casa levam um saco com mais máscaras e mais álcool-gel. “Alexandra, e para aquela senhora que está doente…?” Mais sacos houvesse e Alexandra tê-los-ia dado todos.

O projeto Gulbenkian Cuida chegou ao fim. Mas deixou na Associação Mulheres sem Fronteiras “as sementes para outros voos, que passarão por novas respostas na comunidade”, garante Alexandra. Ao acreditar em nós, a Gulbenkian deu-nos a confiança que faltava e reforçou aquilo que sempre soubemos: a intervenção comunitária de proximidade é a resposta por excelência e que ninguém, devido à sua idade, origem, nacionalidade, sexo, condição socioeconómica, pode ficar para trás.” 

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