Pequenas grandes transformações

12 jan 2016

São jovens e dinâmicos, têm vontade de ajudar e tempo para dar. Juntaram-se para criar a associação Just a Change e encontraram na reabilitação de casas precárias a sua forma de ‘mudar o mundo’. Contam agora também com o apoio do Programa Gulbenkian de Desenvolvimento Humano.

Gonçalo Coimbra tem 24 anos. Encontramo-lo num espaço de coworking no bairro de Alvalade, em Lisboa, onde desde que terminou o curso de arquitetura em 2015 está a tempo inteiro a trabalhar no projeto Just a Change. “Tornar as casas de quem mais precisa em lugares dignos de serem vividos, com alegria e esperança” é o lema desta associação, que fundou em 2010 com mais seis amigos, todos universitários de áreas diversas como Engenharia, Direito ou Gestão.
Tudo começou com dois jovens de 18 anos que levaram as suas guitarras para a baixa lisboeta para angariar dinheiro tocando música. Seria menos surpreendente terem gasto esses ‘trocos’ (change, em inglês) para beber umas cervejas do que aquilo que acabariam por fazer: pagar refeições aos sem-abrigo da zona. Repetiram a iniciativa várias vezes e outros amigos se juntaram. Não era muito dinheiro, mas era o suficiente para fazer a diferença no dia-a-dia de várias pessoas.

O grupo de amigos, que já tinha experiência de voluntariado em organizações católicas, vai ganhando força. “Começámos entre nós a discutir a melhor forma de mudarmos qualquer coisa no mundo à nossa volta”, conta Gonçalo. Foi então que um familiar lhes falou de uma senhora que vivia numa casa extremamente precária em Lisboa. “Com a maior inocência, fomos comprar umas latas de tinta e dois pincéis… Entrámos na casa desta senhora, limpámos tudo, pintámos as paredes e fizemos mais alguns arranjos, com os poucos conhecimentos que tínhamos.”

Gonçalo reconhece, retrospetivamente, que “não terá sido o trabalho de maior sucesso”, mas foi o primeiro, e serviu para perceberem qual o caminho a seguir. “Há anos que não entrava ninguém naquela casa, a não ser uma assistente social que ia lá de vez em quando.” O trabalho foi tão gratificante que decidiram entrar em contacto com instituições que conheciam, como a Cruz Vermelha ou o Banco Alimentar, para que indicassem à associação Just a Change, entretanto já criada, outras casas a precisar de intervenção. Tinham-se tornado ‘empreendedores sociais’.

As histórias que mais nos marcam são aquelas de pessoas que viviam pior e na vida de quem tivemos mais impacto

 

Reabilitar casas e vidas

As casas intervencionadas no âmbito deste projeto têm geralmente muitos problemas de higiene e de salubridade. Cada intervenção tem as suas especificidades mas, em média, as intervenções duram um mês e há sempre um técnico contratado a tempo inteiro, que orienta os voluntários e que garante a realização de um trabalho de qualidade.

“Conseguimos reduzir dramaticamente os custos de qualquer obra que façamos, quer pelo trabalho de voluntariado quer pelas parcerias institucionais”, explica Gonçalo, destacando em Lisboa a parceria com a Junta de Freguesia de Campolide, que tem sinalizado muitas casas e disponibiliza mão-de-obra para as intervenções. “Já somos amigos dos técnicos [da Junta]. Para eles também foi uma lufada de ar fresco, trabalhar na companhia de um grupo de jovens é muito diferente das rotinas deles.”

Os voluntários são maioritariamente universitários porque “têm mais tempo para dar”. A angariação é feita exclusivamente por meio das redes sociais e nunca tiveram falta de voluntários, assegura o fundador da associação que em cinco anos já conseguiu mobilizar quase mil voluntários e reabilitar 49 habitações, para além de outras intervenções em instituições sociais.

“As histórias que mais nos marcam são aquelas de pessoas que viviam pior e na vida de quem tivemos mais impacto”, diz o jovem arquiteto. Recorda vários casos, mas o do Sr. Álvaro, que vivia numa casa profundamente degradada no bairro da Serafina, impõe-se: “Era uma pessoa que não se cuidava, que não saia de casa. E de repente tinha vontade de sair à rua, arranjava-se, quis ir tirar o cartão de cidadão, e agora é uma presença assídua no centro de dia onde faz companhia aos mais idosos. Foi todo um processo que culminou nele próprio tornar-se voluntário do nosso projeto. Isso foi muito marcante. Ganhou um grande apego à casa e à sua própria vida.”

A intervenção na habitação do Sr. Álvaro durou dois meses e meio. Instalaram-lhe água e luz. Fizeram paredes, teto e chão, e ainda arranjaram alguns móveis.

Antes de sair para a inauguração da ‘nova’ casa da D. Felismina, uma das mais recentes intervenções pela qual passaram dezenas de voluntários e que incluiu a construção de uma casa de banho (antes inexistente), há tempo ainda para Gonçalo Coimbra partilhar os planos para o futuro da Just a Change: “A nossa ambição é replicar este modelo no país inteiro”. Com um projeto cada vez mais estruturado e sistemático, querem vê-lo crescer e tornar-se sustentável. “Queremos ser um projeto de empreendedorismo social, ou um negócio social. Temos uma mais-valia não só a nível habitacional, mas também social, das pessoas.” Muito mais do que ‘apenas uma mudança’.

www.justachange.pt

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