O superpoder do movimento

No dia 20 de fevereiro, apresenta-se no Grande Auditório um espetáculo multidisciplinar onde as crianças são as estrelas principais e as fragilidades se transformam em superpoderes. É o projeto Geração SOMA, que trabalha com crianças com necessidades educativas especiais.
14 fev 2018

Na Academia da Estrela, mais de 40 crianças ensaiam para o grande dia na Fundação Gulbenkian. Sob as orientações de Ana Rita Barata, coreógrafa e diretora artística da Associação Vo’Arte, e dos bailarinos Bruno Rodrigues, Cecília Hudec, Joana Gomes e Mara Pacheco, da CiM – Companhia de Dança, por entre risos, brincadeiras e cumplicidades, as coreografias ganham forma. É um dos primeiros ensaios depois do espetáculo EU MAIOR, estreado em junho de 2017 no Teatro São Luiz, que resultou do trabalho desenvolvido com cerca de 1200 crianças (17 turmas) do Agrupamento de Escolas Padre Bartolomeu de Gusmão e do Agrupamento de Escolas Vergílio Ferreira, entre 2016 e 2017, no âmbito do Geração SOMA. Este é um dos 16 projetos apoiados na segunda edição do PARTIS – Práticas Artísticas para a Inclusão Social, criado pela Fundação Calouste Gulbenkian em 2013.

Os 12 artistas/formadores multidisciplinares da equipa artística da CiM integraram, durante mais de um ano, o programa curricular das 17 turmas envolvidas. O desafio lançado foi o de fazer acordar o super-herói em cada um, partindo da crença de que todos temos um superpoder escondido, em contraponto com o que nos faz vulneráveis. Identificadas as fragilidades pelas crianças, surgiram quatro personagens, a partir das quais se desenvolveram quatro histórias que atravessam a narrativa do espetáculo. Uma é a da Joana, uma bailarina cega que desenvolveu o superpoder de ouvir com a pele, transformando a sua fragilidade em movimento.

Foi esta inspiração do imaginário da criança e da força nele contido e a vontade de tentar outro tipo de abordagem com os mais pequenos com necessidades especiais, a quem tantas vezes é negado o acesso à “normalidade”, que deram forma ao projeto. Para Ana Rita Barata, é fundamental a inclusão de crianças com necessidades especiais. “A minha filha andava na Escola Josefa de Óbidos e um dia disse-me que não podia ir para o recreio porque estavam lá os meninos deficientes. Tinham medo que se magoassem, que levassem com uma bola na cara…” Mas pode uma criança viver feliz sem correr riscos? “Uma criança tem de se mexer, tem de viver. É preciso aprender a levar com uma bola na cara!”

Ana Rita considera o nosso sistema de ensino “obsoleto”, já que a relação professor-adulto é muito estéril e limitada e, por isso, o professor “tem de ser mesmo muito criativo para conseguir transmitir algo de novo e captar a atenção dos alunos”, cumprindo ao mesmo tempo o programa escolar. Projetos como o Geração SOMA são um complemento à missão do professor, uma maneira de “tirar as crianças da cadeira”, trabalhar a fisicalidade, a consciência do corpo e o movimento, ao mesmo tempo que se aprende a estar em sala de aula e a trabalhar a atenção, o silêncio e o pensamento crítico e criativo.

O processo de implementação do projeto nas escolas foi “longo e difícil” e recebido com alguma insegurança por parte dos pais e educadores, com “reuniões atrás de reuniões”. No entanto, uma vez iniciado o desafio, o feedback é muito positivo. Os pais rapidamente notam as transformações nos filhos, garante Ana Rita. Basta ver, por exemplo, o caso da Ana Beatriz, uma criança com Trissomia 21 que, quando o programa começou, não se relacionava com ninguém na escola, “estava sempre num canto, calada, sozinha”. Quem a vê agora nos ensaios não a reconhece: solta-se, fala, brinca, está feliz. É o que Ana Rita chama side effects deste programa, “que são incalculáveis”. Longe do ambiente da escola, do gozo dos colegas, os ensaios tornam-se “um espaço sem filtros”, onde a experiência do coletivo é vivida com a entreajuda, a “inclusividade”, a dança e a música. Para a criança, é “como se encontrasse um lugar no mundo”.

 

Geração Soma: o espetáculo e o futuro

Das 65 crianças que se voluntariaram para participar neste espetáculo, nove pertencem à Orquestra Trifonética, composta por alunos do ensino articulado de música da Academia Musical dos Amigos das Crianças. A música do espetáculo, da autoria de Philippe Lenzini, foi criada em conjugação com as sugestões dos jovens músicos e a montagem das coreografias. O que vai ser apresentado a 20 de fevereiro é uma versão melhorada do EU MAIOR, com mais foco na história e na comunicação da narrativa.

O espetáculo é uma forma de mostrar este projeto inclusivo e social, que trabalha com crianças entre os cinco e os 16 anos, de escolas do Ensino Básico de Lisboa, algumas das quais com NEE (Necessidades Educativas Especiais) e os respetivos educadores (professores e pais), através da criação e prática artística.

Desenvolvido pela Vo’Arte (uma Associação que procura promover o diálogo criativo entre várias esferas artísticas com o intuito de reforçar as relações com diferentes comunidades e culturas), e em parceria com a CiM (que há dez anos une intérpretes com e sem deficiência), o projeto iniciado em 2015 tem agora a oportunidade de partilhar o seu trabalho na Fundação Gulbenkian, a “casa-mãe do projeto”.

Esta apresentação marca a última etapa do projeto cujo futuro, por agora, é indefinido. A vontade de continuar existe e ideias para um “Isto é PARTIS 3” não faltam. Nos planos de Ana Rita Barata está “um projeto-piloto que permita adotar uma abordagem multidisciplinar para as crianças nas escolas”, conjugando atividades diferentes dentro e fora da escola, da dança ao campismo, por exemplo. Para já, a luta para a mudança de paradigmas está iniciada e o convite para vir conhecer o resultado está feito.

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