As vozes da planície

A Academia Gulbenkian do Conhecimento de Idanha-a-Nova reinventou-se durante a pandemia. As suas atividades chegaram às crianças pela internet, mas também como antigamente: pelo correio e pela telefonia sem fios.
Monsanto © DR
24 jun 2020

Durante seis semanas, ouviram-se outras vozes ecoar pelas planícies de Idanha-a-Nova. Vozes que contavam histórias das sete cores do arco-íris ou de algumas das personagens com que os protagonistas do livro Os Sarilhos do Amarelo se foram cruzando ao longo da narrativa. Histórias que por vezes meteram a mentira, a preguiça, o amuo, a desobediência ou o medo ao barulho, mas também Cassiopeia, Perseu, Andrómeda, Posídon e outras figuras da astronomia e da mitologia grega que são perfeitas para ensinar certos valores às crianças.

Todas estas vozes que trouxeram vozes à planície fazem parte do projeto engendrado pela Academia Gulbenkian do Conhecimento de Idanha-a-Nova para não deixar 108 alunos dos 3º e 4º anos com o sabor amargo de tudo ter acabado antes mesmo de ter começado.

A base do trabalho realizado na Academia Gulbenkian do Conhecimento de Idanha-a-Nova é o livro Sarilhos do Amarelo, de Pedro Rosário.
A partir do livro, a equipa de Pedro Rosário propõe atividades para trabalhar competências sociais e emocionais nas crianças e jovens.

A Academia de Idanha (uma parceria entre uma associação de desenvolvimento local – o Centro Municipal de Cultura e Desenvolvimento –, um agrupamento de escolas – José Silvestre Ribeiro – e um Município – a Câmara Municipal de Idanha-a-Nova) tinha sido criada no verão de 2019. Entre a montagem da máquina, a formação de professores e de técnicos e ter tudo bem oleado para começar, só em fevereiro deste ano estavam em condições de entrar pelas salas de aula adentro. Munidos do livro Os Sarilhos do Amarelo, de Pedro Rosário – obra que “tem escondido, ao longo da história, trabalho de competências sociais, emocionais e de autorregulação quer nos comportamentos, quer na aprendizagem” – professores e técnicos tinham por objetivo “preparar crianças e jovens a enfrentar os desafios do presente e do futuro, contribuindo para o seu sucesso escolar”, explica Fátima Mendes, colaboradora da Câmara Municipal de Idanha-a-Nova e responsável pela Academia.

O trabalho habitualmente realizado em sala de aula teve de ser reinventado, para se adaptar ao período de confinamento.

O trabalho nas salas de aulas do Agrupamento de Escolas José  Silvestre Ribeiro não durou mais do que um mês. A aventura que levaria as cores numa busca pelo Amarelo, que tinha desaparecido, ficava suspensa enquanto o Covid-19 não permitisse o regresso à escola. Mas a curiosidade dos miúdos em saber o que tinha acontecido ao Amarelo era mais que muita. E o à vontade dos crescidos continuarem o projeto não era menor. Primeiro, na Academia, deu-se um “tempo de espera, para ver como é que os professores estruturavam as suas práticas. Teve de ser assim”, conta Fátima Mendes. Entretanto,  pensaram adaptar as atividades para o online. Depois, surgiu AQUELA ideia. 

  
“Pode contar connosco. Rádio Clube de Monsanto”

“Música portuguesa, notícias e uma companhia amiga”. Era isso mesmo. A assinatura da Rádio Clube Monsanto dizia tudo o que era preciso. Com o apoio da Fundação Gulbenkian, tendo como parceiro o SICAD-Projeto Afirma-te, o espaço das terças-feiras, entre as 19:10 e as 19:30 ficava reservado para a Academia Gulbenkian do Conhecimento de Idanha-a-Nova. E estava montada uma estratégia para dar a volta ao Covid-19.  
O livro foi enviado a cada uma das crianças. E, a partir de maio, um “guião da semana” serviria para continuar a aventura deixada em suspenso. Quem quisesse, lia os capítulos do livro que seriam trabalhados nessa semana; quem não quisesse (ou não pudesse), ouvia-os pela rádio.

 

Ouça aqui um capítulo dos Sarilhos do Amarelo

Cortesia do Rádio Clube de Monsanto

 

O guião daria as indicações para o que viria a seguir: responder a uma série de perguntas, fazer uma atividade (sozinho ou em família). Ouvida história, na rádio (ouça o excerto), as crianças seriam desafiadas a responder a perguntas como “Quem é que achas que venceu o concurso?” ou explorar comportamentos como a preguiça ou o medo: “O que é? Como acontece? Em que situações acontece? Consegues dar exemplos? Alguma vez te aconteceu? Como? Quais são as consequências desse problema [comportamento]? Que comportamentos alternativos poderias ter?”. E ainda lhe seria proposta uma atividade para a semana: “No final de cada dia irás preencher uma tabela [onde surgem os cinco comportamentos problemáticos] com um X no problema que mais te ‘atacou’ ao longo do dia, durante toda a semana. O tamanho do X deve representar a intensidade com que foste atacado por esse problema”.

O trabalho poderia acabar aqui. Mas às quartas chegava mais um desafio. Através do computador as crianças poderiam ir ao blog ver o vídeo através do qual, de uma forma lúdica, se continuava a trabalhar os conteúdos da semana – e é de referir que a Câmara Municipal de Idanha-a-Nova, parceira da Academia, disponibilizou tablets e internet às crianças do Agrupamento numa tentativa de assegurar, sempre que possível, que cada aluno tinha pelo menos um tablet e um acesso à net.

 

Como complemento à história (lida ou ouvida) e às atividades semanais, as crianças podem ainda divertir-se (trabalhando) com conteúdos como este, publicados semanalmente no blog da Academia.

 

O ano letivo está a chegar ao fim e as vozes que têm levado as cores do arco-íris às crianças de Idanha estão prestes a calar-se. Mas Fátima Mendes, tal como Pedro Rosário (psicólogo, autor do livro e coordenador do Grupo Universitário de Investigação em Autorregulação da Universidade do Minho), acreditam que houve uma semente que ficou. E que as competências sociais, emocionais e de autorregulação darão os seus frutos no comportamento e na aprendizagem de todas estas crianças, no futuro. 

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