Avós com Voz
Francisca Morais é uma das 85 pessoas que frequenta diariamente o Centro Social Nossa Senhora da Graça, em Baleizão, no concelho de Beja. Há seis anos que recorre aos serviços deste Centro mas, tal como todos os outros utentes, vê-se agora retida em casa, seguindo as regras gerais impostas pela pandemia.
Francisca foi uma das convidadas do Avós com Voz, um programa emitido todas as sexta-feiras pela Rádio Voz da Planície, que, desde o dia 8 de maio, entrevista pessoas direta ou indiretamente ligadas ao Centro Social Nossa Senhora da Graça de Baleizão, o promotor da iniciativa. Na sua estreia radiofónica, Francisca afirmou ter saudades do dia-a-dia no Centro, dos companheiros e de todos os que lá trabalham. “Queria muito abraçá-los”, confessa. Questionada sobre o que tem feito em casa, diz que vai pintando mandalas. “Mandalas? Explique lá isso um bocadinho melhor”, pede a locutora. “É uns livros que se compram com desenhos e a gente pinta” esclarece. Contou também que recebe visitas da equipa do Centro “que vêm trazer o comer e dar a insulina”. Aos 80 anos, Francisca mostrou não estar perdida no tempo ao afirmar com uma precisão surpreendente: ”Há 63 dias que estou em casa e sinto-me um pouco só”. Aproveitou a oportunidade para agradecer, “do fundo do coração”, aos funcionários do Centro que se têm preocupado com o bem-estar dela e de todos. Quanto à perspetiva de um regresso em breve, Francisca diria o mesmo que uma colega da instituição também entrevistada neste programa: “Tomara já. Estou desejando!”
Há D’Escampar – Tudo há-de ficar bem
A rubrica radiofónica – Avós com Voz – é uma das iniciativas do projeto Há D’Escampar – Tudo há-de ficar bem promovido pelo Centro Social Nossa Senhora da Graça, apoiado pela Fundação Gulbenkian em parceria com o Instituto de Segurança Social. O apoio foi atribuído no âmbito do concurso Gulbenkian Cuida, lançado pela Fundação para reforçar, em tempo de pandemia, a capacidade de resposta das organizações privadas sem fins lucrativos que prestam apoio aos idosos.
João Cascalheira, presidente do Centro Social Nossa Senhora da Graça explicou no programa inaugural do Avós com Voz que o projeto Há D’Escampar – Tudo há-de ficar bem “surgiu da necessidade de dar resposta aos utentes do Centro de Dia que, por força da Covid19, foram obrigados a ir para casa”. O Centro continuou a garantir a higiene e a alimentação dos utentes mas era importante conseguir manter os laços de proximidade e de convívio. “Este projeto surge, precisamente, para reaproximar o Centro dos utentes, para perceberem que não os abandonámos, que continuamos com eles.” Para tal, entre outras medidas, foi estabelecida uma parceria com a Rádio Voz da Planície para criar um programa capaz de aproximar os utentes, familiares, funcionários do Centro e outros profissionais “permitindo que todos se ouçam, que possam dizer aquilo que sentem, como a quarentena os afetou, do que sentem mais falta e o que querem fazer quando isto passar”. Na sua curta intervenção, João Cascalheira elogiou os funcionários do Centro, todos eles muito ligados aos utentes, e que nunca tiveram um minuto de pausa. “Mesmo no período mais crítico tiveram sempre o dever, a missão, de se chegar à frente para que estas pessoas nunca perdessem um milímetro da sua dignidade e dos seus direitos”.
Um regresso sem abraços
Sandra Bagulho, diretora técnica deste Centro do Baleizão, deu igualmente o seu testemunho numa das edições do programa, referindo como a Covid-19 alterou as rotinas diárias da casa, trazendo mais exigências em termos de recursos materiais e humanos. Foi necessário mudar toda a estrutura de funcionamento da instituição, articular o dia a dia com as famílias e explicar a situação aos utentes, o que nem sempre foi fácil. Alguns, assustados, pensavam que estavam infetados pelos facto de os funcionários entrarem de máscara em suas casas. “Temos tentado estar sempre presentes, as equipas vão a casa dos utentes mais de uma vez por dia, fazemos chamadas telefónicas, e, dentro daquilo que é permitido, tentamos fazer visitas domiciliárias para fazê-los ver que não estão sozinhos e que a instituição não os abandonou”. Apesar de ser “emocionalmente difícil” ver a instituição vazia, garante já estarem na retaguarda a preparar o regresso dos utentes quando a situação o permitir. Sandra sublinha que a missão do Centro é sempre, a de “acolher, cuidar e amar” o que “também passa pelo abraço”. “É do que vou sentir mais falta quando estiverem aqui presentes, não poder abraçá-los”, lamenta.
Encontrar soluções para tudo, menos para as saudades
A pandemia teve consequências a todos os níveis e foi preciso melhorar a gestão do Centro Social Nossa Senhora da Graça para manter a qualidade das respostas. Nuno Catarino, elemento da equipa do Centro, revelou ao programa que conseguiram encontrar soluções para tudo, menos para as saudades. “Estávamos habituados a ter uma casa cheia, agora custa um bocadinho, mas fazemos sempre uma brincadeira como se eles estivessem aqui, chamamos por eles, lembramo-nos das particularidades de cada um, e mantemos um contacto telefónico, sentindo a alegria do outro lado”. Nuno Catarino não tem dúvidas: “Sabemos que estamos a fazer bem o nosso trabalho, os utentes sentem-se bem connosco e querem voltar”.
Um dos parceiros do projeto é o Departamento de Psiquiatria da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo. A diretora do Serviço, Ana Matos Pires, aceitou também, “desde o primeiro minuto”, participar no programa de rádio. Salienta a importância do trabalho de prevenção das doenças do foro psiquiátrico, prevendo o impacto negativo da pandemia sobre a saúde mental, que vai seguramente atingir também as pessoas mais velhas. ”Numa região onde 25% das pessoas têm mais de 65 anos, é fundamental que os serviços de saúde mental do SNS cooperem e estejam disponíveis para as ações e projetos que venham da comunidade”. Ana Matos Pires sublinha a importância deste programa de rádio “como espaço de informação e de colaboração interinstitucional, com o objetivo de prevenir a doença e de dar suporte emocional e técnico às pessoas mais velhas, aos seus familiares e aos profissionais que com eles trabalham”.
Após ter sido selecionado pelo concurso Gulbenkian Cuida, o Centro Social Nossa Senhora da Graça conseguiu ampliar a sua capacidade de resposta, chegando agora a 150 idosos do concelho de Beja e arredores. A equipa integra profissionais de desporto, psicologia, animação, serviço social e, como referido, uma profissional de rádio. Além de garantir a satisfação das necessidades básicas, esta equipa zela pela saúde mental, física e emocional, conjugando esforços para retardar a degradação cognitiva e motora dos idosos. E, como sublinham todos os envolvidos, tudo isto num verdadeiro espírito de família.