Usta Mango: “Passei a ver a medicina com outros olhos”
Usta Mango formou-se na Universidade Médica da Guiné-Bissau e trabalha no serviço de Medicina Interna do Hospital de Cumura, a cerca de 12km de Bissau. Integrou o grupo que fez formação médica avançada na área da medicina interna de 2021 a 2023, orientada por médicos especialistas de vários hospitais portugueses.
No Hospital de Cumura, todos os médicos são clínicos gerais. Num país onde há poucos especialistas e apenas um médico guineense especializado em medicina interna no país, esta é uma área fundamental; ela é a base do diagnóstico e tratamento dos doentes que necessitam de cuidados hospitalares, responsável pela ligação entre todas as especialidades e consegue, por si, resolver a maioria dos problemas médicos.
Ao candidatar-se a este programa de formação, Usta escolheu a medicina interna em primeiro lugar porque a considera uma mais-valia: “é a base da medicina. Consegue intervir, entre outras patologias, em doenças renais, hepáticas, infeciosas, autoimunes, através das histórias clínicas e do exame físico. Quase 80% do diagnóstico da doença está feito. Muitas das patologias são diagnósticos meramente clínicos.”
A jovem médica de 30 anos considera ter aprendido muito na formação, “comecei a ver pormenores, detalhes, que são muito importantes e que antes não parava para ver. Em 24 meses dei um salto qualitativo e passei a ver a medicina com outros olhos”. Após ter feito o seu estágio no serviço de Medicina Interna do Hospital de Braga, um dos hospitais parceiros do projeto, Usta sentiu-se bastante motivada, “em Braga, fazem-se reuniões de serviço onde os colegas discutem, atualizam-se, adquirem conhecimentos e partilham informações de casos. Eu não tinha essa prática e é algo que posso implementar no meu país. Achei muito importante trabalhar em equipa. Dá-nos a segurança de que estamos a fazer as coisas bem feitas.”
“Escolhi a medicina interna porque uma médica internista dedica a sua atenção à pessoa como um todo e distingue-se por ser o perito na abordagem clínica exaustiva de cada doente. Está mais apta a lidar com doentes complexos, com múltiplas doenças, com doenças que afetam vários órgãos ou sistemas.”
— Usta Mango
Com consciência de que não pode aplicar todos os conhecimentos que adquiriu no estágio na Guiné-Bissau, “por falta de meios complementares de diagnóstico ou de medicamentos, que dependem das entidades responsáveis guineenses”, sabe que há coisas que podem depender de si e dos seus colegas. “Depende de nós estudarmos e atualizarmo-nos cada vez mais, adequar as nossas práticas às práticas internacionais, partilhar informações ou discutir casos”. Usta Mango, apesar de não saber se terá oportunidade, gostava de se especializar em Medicina Interna e regressar à Guiné – Bissau com o título de especialista: “O meu país precisa de mim aqui”.
Carlos Capela, médico responsável pela formação na área da Medicina Interna, acrescenta que a formação começou por ser em medicina geral teórica, mas rapidamente avançou para uma formação mais especifica em medicina interna, graças ao nível de conhecimentos que os formandos já tinham, acrescentando e adaptando ao contexto da Guiné-Bissau. Outra área da formação foi a organização, diz o médico: “não nos detivemos só na transmissão de conhecimentos, mas também na criação de protocolos que permitam racionalizar serviços e complementar cuidados”. No final do projeto, Capela quis garantir que todos os formandos de medicina interna eram capazes de fazer a história clínica, algo que já faziam inicialmente, mas que atualmente está aperfeiçoado e é mais específico e adaptado. Também a parte mais interventiva da medicina foi corrigida e aperfeiçoada pelos formadores.
Formar médicos guineenses nas áreas de cirurgia, cirurgia ginecológica e anestesiologia é um dos objetivos do projeto IANDA Guiné Saudi, que decorreu ao longo de três anos com formação teórica e prática em três hospitais guineenses. A formação incluiu estágios observacionais em contexto clínico em hospitais portugueses, mas também, em paralelo, a área da Medicina interna, e toda a formação foi orientada por médicos especialistas de hospitais portugueses e teve a coordenação técnica e científica da Escola de Medicina da Universidade do Minho, parceira do projeto, e que contou com o cofinanciamento do Camões IP.
De 2021 a 2023, profissionais de dez instituições hospitalares portuguesas estiveram envolvidos na formação dos médicos, intercalando a formação na Guiné-Bissau com estágios de três meses em Portugal, de forma a não estar afastados por muito tempo do exercício das suas funções e da prestação de cuidados às populações.
Esta formação, apesar de não conferir grau nem título de especialista, reforça a capacidade local de formação médica, reconhecendo de forma progressiva a competência dos clínicos guineenses, abrindo portas a futuras formações de especialização.