Tronco de Árvore Derrubada Pelo Furacão Sandy

Conheça melhor esta obra de Gabriela Albergaria pelas palavras do investigador José Oliveira.
José Oliveira 07 ago 2023 3 min
Obras da Coleção do CAM

O trabalho de Gabriela Albergaria tem como foco a natureza, nomeadamente a natureza vegetal e o material orgânico que tanto transporta para o espaço da galeria, como manipula, cria, transforma, processa e estuda no seu ateliê, elaborando questões ligadas à ecologia e com o modo como nos relacionamos com o mundo natural. Para tal, lança mão de diferentes mediações isoladas ou em conjunto, de que são exemplo o desenho, a fotografia, a instalação ou a escultura. O seu ateliê está repleto de fragmentos da natureza que «coleciona» nos seus passeios e derivas, para posterior reflexão e enquadramento. Esta experiência é fundamental para o seu trabalho e a peça Tronco de Árvore Derrubada Pelo Furacão Sandy não é exceção.

Formado no mar das Caraíbas, o furacão Sandy abateu-se sobre as regiões de Nova Jérsia e Nova Iorque alguns dias depois (29 de outubro de 2012) com efeitos devastadores. Na altura, Gabriela Albergaria vivia em Nova Jérsia e em correspondência trocada com o autor referiu que «foi uma das minhas primeiras experiências de destruição natural que me marcou muito», tendo executado a peça «num registo de testemunho de uma experiência».

Não foi a primeira vez que as forças arrebatadoras da natureza despertaram a atenção da artista. Na verdade, para a exposição Mouvement Instability Conflito, que teve lugar em Coimbra no ano de 2005, Gabriela Albergaria criou, entre outras peças, uma instalação que consistia num tronco de árvore semienterrado no Jardim da Sereia, interpelando o visitante na invocação de uma das mais violentas tempestades que fustigaram o país, ocorrida em 1941, com o derrube de árvores de grande porte, para além de um elevado número de vítimas e avultados prejuízos materiais.

 

Porém, desta vez foi a experiência real vivida pela artista que originou Tronco de Árvore Derrubada Pelo Furacão Sandy. A artista colheu, na altura, um pedaço de um tronco de árvore arrancado pelo ímpeto do temporal.

Contudo, contrariamente ao caos e à violência do evento, a peça de Gabriela Albergaria denota ordem e rigor na disposição dos elementos que a constituem, aproximando-se da apresentação pragmática de um estudo no domínio das ciências da natureza.

Efetivamente, o tronco colhido, e sujeito a um corte longitudinal central, apresenta-se horizontalmente em duas metades como se tivesse sido objeto de uma dissecação laboratorial. Na parte inferior da obra, uma placa de barro natural autossecante constitui-se como um erzatz de um documento de identificação do tronco através do decalque da sua superfície, evidenciando as suas cicatrizes e marcas. Na parte superior da obra, são mostradas três tentativas de modelar o espaço em falta no tronco arrancado pela intempérie, numa possibilidade hipotética de reparação da natureza, tema recorrente na obra de Gabriela Albergaria.

Assim sendo, e optando a artista por esta sistematização expositiva, pode eventualmente afirmar-se que, no rescaldo do evento, esta obra evidencia uma convergência entre racionalidade e expressão criativa, encontrando espaço no diálogo da linguagem científica com a sensibilidade artística.

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