Pedro Massarrão
Um músico, não propriamente clássico
Com que idade surgiu esta tua paixão?
Nasci numa família de músicos, portanto, não me lembro da primeira vez que ouvi música nem do primeiro contacto. Provavelmente, foi antes de nascer, já que a minha mãe toca piano e o meu pai saxofone.
Segundo os meus pais, por volta dos três anos, comecei a sentir uma enorme necessidade de música. Estava sempre de volta do piano, senão fazia birras. Nessa altura, decidiram pôr-me a aprender violino, mas era pequenino demais, tinha apenas 3 anos. Os professores tinham medo de me acolher com aquele tamanho. Até que, aos 5 anos, surge uma professora de violoncelo, aqui da Fundação, a Teresa Portugal Núncio. Vim à Fundação para ter a primeira aula de violoncelo e pode-se dizer que foi amor à primeira vista.
E o que foi o teu percurso musical, até agora?
Comecei no Conservatório Nacional com 5 anos. Como faço anos em janeiro, ou era o mais velho em todas as turmas ou o mais novo. Por isso, acabei por entrar um ano mais cedo e comecei logo aí com a Teresa. Estive 8 anos com a mesma professora e, apesar do método ser um pouco o de “regime militar”, gostávamos muito um do outro. Ela aplicou, de certa maneira, novas táticas pedagógicas que resultaram e que foram quase como uma experiência. Eu tinha duas aulas de 3 horas por semana e creio que isso é parte do meu sucesso. O ensinamento militar resultou (risos). E é importante dizer que foi dado por alguém que gostava muito de mim.
A determinada altura, tive de mudar de professor porque a professora Teresa se reformou. Estive dois anos com outra professora que me proporcionou outros conhecimentos. Era uma mais nova, aliás, tinha poucos anos a mais do que eu – tinha vinte e poucos e eu tinha treze. Gostei bastante desta experiência nova, e trouxe-me bastante mais independência musical. E, depois, tive um professor no Secundário chamado Luis Sá Pessoa. Foi uma pessoa muito importante para o meu desenvolvimento porque foi com ele que me tornei um verdadeiro músico.
A meio do percurso, entrei na Escola Superior de Música com o professor Paulo Gaio Lima que, infelizmente, faleceu em maio. Posso dizer que ele foi a personalidade musical mais decisiva da minha vida. Arrisco-me até a dizer que me ensinou a ser um artista, que é a parte mais interessante disto tudo.
Entretanto, fui para Roterdão fazer um mestrado. Se calhar não foram os melhores anos para lá estar, devido ao Covid, mas tive a sorte de me ter sido atribuída a bolsa da Fundação. Foi uma experiência fantástica! A bolsa é daquelas coisas que, quando estamos na escola, todos querem porque é bastante avultada, possibilita uma vida melhor. Na Holanda, pelo menos (risos). A bolsa é tudo o que se quer, e eu tive a sorte de poder ir com essa ajuda e concretizar um sonho. Roterdão permitiu-me alcançar resultados incríveis. Considero que foi um objetivo que cumpri. E pronto, assim se passaram 19 anos na minha vida.
Estiveste fora, mas quiseste voltar. É aqui que queres fazer música?
Sim, penso que este país precisa de músicos. Mais e melhores. Há muito aquela ideia de que aqui não se cresce e de que falta qualquer coisa. As pessoas saem e já não voltam, o que não concordo porque é preciso haver mais orquestras Gulbenkian, mais música, mais coisas boas.
Que tipo de músico és?
Considero-me um músico não propriamente clássico (risos). Sou um músico que interpreta música desde o século XVII, nos primórdios do violoncelo, até aos nossos dias. Se alguém escrever agora uma peça, vou querer aprender a tocá-la. Como sou um intérprete, tenho de estar disposto e preparado para conhecer tudo, e ser o mais versátil possível. Acho que parte do meu interesse pela música também vem daí. Para mim, a música é talvez diferente do que é para a maior parte das pessoas. Há muito aquela tendência de se ficar entre o século XVIII e XX, mas eu gosto de tocar tudo. Coisas “esquisitas” dão-me imenso prazer. É uma maneira divertida e diferente de tocar o instrumento.
E o que é a música para ti?
A música para mim é um conjunto de sons físicos, que já existem, ao qual as pessoas atribuem um significado. Por exemplo, no outro lado do mundo as pessoas vão atribuir um significado diferente do que atribuímos por cá. Nós organizamos os sons físicos de uma maneira, que lhe dá um sentido, mas que se calhar não é objetivo. A música é a única arte que é cem por cento abstrata. É uma arte que não podes tocar, só sentir. Eu posso tocar Bach que vai soar muito bem, mas continua a ser abstrato. Não existe. Construímo-la da física. É uma coisa mágica.
Lançaste um primeiro CD este ano. Como foi para ti esta novidade na carreira?
O meu colega João Almeida, que é trompetista, é uma pessoa de que ainda se vai ouvir falar muito. Ele convida-me para tocar com ele e, desde o secundário, que fui tocando, em várias ocasiões. Entretanto, ele tinha esta ideia de gravar um CD com amigos que não fossem do Jazz, e convidou-me. Eu e um amigo do rock. É um CD composto por vinte e quatro miniaturas, mais ou menos de dois a quatro minutos, e cada minuto é um carácter musical e nós brincamos com isso. É uma cena diferente, que dá para ouvir no Bandcamp. Há uma edição limitada de cem CDs. Há um que vem aqui para Fundação Calouste Gulbenkian.
Quais são os teus projetos para o futuro?
A música atualmente está muito dependente da estabilidade financeira. É sempre um problema para os músicos porque é um compromisso difícil. É difícil tocar artisticamente e viver disso. Trabalhar numa orquestra ou dar aulas é sempre o caminho mais estável. Mas eu quero tocar o mais possível. De certa maneira, tenho conseguido resistir a isso e continuo sem me comprometer com ninguém. Eu quero desenvolver-me como um artista.
Onde te imaginas daqui a 10 anos?
Sinceramente, o meu sonho seria tocar na Orquestra Gulbenkian daqui a 10 anos. Isso seria chegar ao topo.
Histórias de Bolseiros
Desde 1955, a Fundação Gulbenkian apoiou mais de 30 mil pessoas de todas as áreas do saber, em Portugal e em mais de 100 países. Conheça as suas histórias.