“Não se pode ignorar o passado, se queremos melhorar o presente”
É uma tarde de dezembro na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL). Numa pequena sala, no edifício da Biblioteca, conhecemos Ioannis Petropoulos, minutos antes de começar mais uma aula do seminário que tem ensinado este semestre, todas as segundas-feiras, intitulado “Saved by education: St Basil the Great’s ‘Address to the young on Hellenic education’ and Background texts” [“Salvos pela educação: O ‘Discurso de São Basílio Magno aos jovens sobre a educação helénica’ e textos de apoio”].
Natural da Grécia, Ioannis ensinou literatura grega antiga em Oxford, onde se formou; passou por diferentes universidades gregas – em particular pela Universidade Demócrito da Trácia, onde foi professor durante cerca de três décadas – e é diretor emérito do Centro de Estudos Helénicos na Grécia, em Harvard. No seu longo percurso, lecionou também em universidades no Brasil, na China ou no Reino Unido.
Este ano, veio passar uma temporada a Lisboa no âmbito da primeira edição das Bolsas Gulbenkian Professores Visitantes nas Humanidades, e quisemos conhecer um pouco da sua experiência.
Aprender a ler criticamente
O seminário tem 12 alunos inscritos, mas esta tarde são sete os que participam na aula. A sala é pequena e o ambiente é intimista: os estudantes, de diferentes nacionalidades, sentam-se em volta da mesa, e o trato entre todos é afável e cúmplice. O professor expressa-se em inglês, mas vai alternando com frases em português (com sotaque brasileiro), em momentos de maior leveza e humor. Para quem assiste, a sensação é de que estamos perante uma conversa, mais do que uma palestra.
O tema do seminário, explica-nos o professor, roda em torno de “um texto central, que é quase uma magna carta dos estudos humanísticos”. Trata-se de uma alocução de São Basílio de Cesareia, um pai da Igreja de meados a finais do século IV, que convida os jovens a ler os autores pagãos com uma mente aberta, por conta própria, e não deixar que seja a Igreja ou o Estado a decidir o que se deve ler.
Para o professor, a leitura atenta é o melhor método de ensino. “É preciso ler com atenção, ler criticamente, ler com desconfiança. Atualmente não fazemos isso, andamos distraídos com a Internet, com a televisão e por aí fora”. E é isso que traz também para as suas aulas na FLUL: professor e alunos leem o texto literalmente, palavra a palavra, comparando o original grego com a tradução em inglês, explorando todas as referências a outros autores – Platão, Aristóteles, Plutarco –, “descamando” o texto em todas as suas interpretações e ideias.
“Não se pode ignorar o passado, se queremos realmente ver e melhorar o presente”, diz o professor grego, convictamente. “Temos de voltar aos textos antigos e aos de antes do nosso tempo. É preciso voltar à gramática e à sintaxe. E o resultado é sempre um sentimento de humildade”.
A importância de incluir “um bocadinho de tudo”
Mais de duas horas de leitura atenta de um texto do século IV poderia parecer cansativo, mas essa não é a opinião de Martim Cunha Rego, um dos estudantes que frequenta a cadeira, no âmbito do primeiro ano do doutoramento em Estudos Clássicos e Estudo da Filosofia Antiga. “Eu até gostava de gravar as aulas, porque ele lê tão bem”, explica.
Martim juntou-se ao seminário por sugestão de outro professor, uma vez que se alinha com o seu tema de investigação: a história das ideias da Antiguidade. “É uma cadeira muito especial, porque estamos a falar de um autor cristão do século IV d.C. a defender o estudo de literatura que não é cristã. E é em grande medida por causa deste texto que sobreviveu a obra toda da antiguidade tardia; porque, se não houvesse pessoas como São Basilio, a falar da importância de preservar estes textos antigos, provavelmente não teriam sido copiados”.
Por outro lado, diz, o professor é “um gentleman absoluto”. “É uma pessoa que sabe imenso, imenso, imenso, e extremamente inteligente e delicada”. E, nas suas aulas, acabam por ter “um bocadinho de tudo”: “Temos muita literatura, muita sintaxe, técnicas de retórica, coisas desse género… Mas depois também temos muita filosofia e história das ideias”. Já para não falar do grego, que tiveram de ir aprendendo para acompanhar os estudos. “Isso também é outra coisa gratificante deste curso: quem não sabe grego é muito bem-vindo, mas quem sabe também pode beneficiar muito do trabalho que teve a aprender”.
Um processo bidirecional
Ioannis Petropoulos já tinha visitado o Centro de Estudos Clássicos da FLUL há cerca de dez anos, por conta própria. “Foi a minha primeira viagem a Portugal, e já nessa altura fiquei impressionado”. A bolsa da Gulbenkian concedeu-lhe uma oportunidade para fazer aquilo de que mais gosta: ensinar. “Queria colocar o meu projeto pessoal à disposição dos colegas e dos alunos, e também participar neste ambiente muito empreendedor, aberto à história intelectual e às novas tendências, ao mesmo tempo que se interessa muito a sério e tradicionalmente pelos textos. É uma combinação perfeita. Não podia recusar”.
Em Lisboa, encontrou um grupo de alunos interessados e motivados, com um domínio do grego “admirável”. “Muitos dos alunos são helenistas, outros são latinistas; uns são especialistas em literatura, outros de filosofia. Trata-se de um grupo interdisciplinar, pelo que estou bastante bem impressionado”.
Apesar de terminar em janeiro o seu semestre de aulas, até ao fim do ano letivo, o professor vai dar quatro seminários abertos à universidade, seguidos de uma conferência pública, onde resumirá o que tem estado a escrever e a estudar em Lisboa: um comentário ao texto de São Basílio.
Quanto a parar de ensinar e reformar-se, isso não parece estar nos planos do professor emérito. “Enquanto estiver operacional e tomar as minhas vitaminas, como o meu médico me disse, vou continuar a dar aulas”. E acrescenta: “Não é só um hábito. O ensino alimenta a minha investigação e o meu pensamento, e vice-versa; a investigação pode ser aplicada no ensino e fazer a diferença para os estudantes. É um processo bidirecional, e estou muito feliz e grato por poder fazê-lo, e por ter esta oportunidade de o fazer na Universidade de Lisboa.”
As Bolsas Gulbenkian Professores Visitantes nas Humanidades são destinadas a Instituições de Ensino Superior Portuguesas que queiram receber professores visitantes de universidades estrangeiras com currículo científico de mérito elevado e com notório reconhecimento na área das Humanidades, com o intuito de promover novas competências, fomentar a cooperação internacional de excelência e desenvolver o talento nacional de investigadores, corpo docente e estudantes nesta área.
Histórias de Bolseiros
Desde 1955, a Fundação Gulbenkian apoiou mais de 30 mil pessoas de todas as áreas do saber, em Portugal e em mais de 100 países. Conheça as suas histórias.