Mohomede Saide

“Moçambique precisa de uma força motriz que guie o país”

Especialista em Desenvolvimento Rural e Sustentabilidade, Mohomede Saide está a completar o doutoramento em Évora com uma bolsa Gulbenkian. Conheça os seus planos para mudar o mundo, a começar por Moçambique.
27 abr 2023 8 min
Histórias de Bolseiros

Natural do extremo norte de Moçambique, da cidade de Pemba, Mohomede nasceu e cresceu no bairro de Paquite. Em Pemba completou os estudos básicos e, a partir daí, não mais parou: licenciou-se em Sociologia, em Maputo, e fez o mestrado em Desenvolvimento Rural no Brasil, em Porto Alegre.

Em 2021, recebeu uma Bolsa Gulbenkian para fazer um doutoramento em Agronegócios e Sustentabilidade na Universidade de Évora, cujo tema da dissertação é “Estudo de Práticas de Adaptação à mudança climática em Agricultores Associados no Sul de Moçambique”. Em fase de investigação e colheita de dados, Mohomede Saíde revelou-nos os seus planos nesta conversa que decorreu à distância a partir do seu país-natal.

És licenciado em Sociologia, mestre em Desenvolvimento Rural e agora estás a fazer um doutoramento em Agronegócios e Sustentabilidade. Porque te interessaste por estas áreas?

Quando fui para Maputo, lembro-me que escolher um curso no ensino superior não era uma decisão muito pensada… nós só queríamos entrar na universidade. Eu já gostava de letras, de escrever – naquele tempo até sonhava ser jornalista –, então candidatei-me a Sociologia. Descobri o que é fazer sociologia e ser sociólogo dentro da faculdade, ganhei o gosto por pesquisa social aplicada e passei a ter uma ideia um pouco mais exata do que queria fazer: investigação científica e académica.

Em 2015, entrei num concurso público onde fui admitido para trabalhar no Instituto Nacional de Saúde, um órgão vinculado ao Ministério da Saúde em Moçambique que produz evidência científica em saúde pública. Mas o meu sonho era trabalhar com questões climáticas, de agricultura, ambiente e desenvolvimento, por isso decidi fazer um mestrado em Desenvolvimento Rural no Brasil. Viajei para lá em 2018 e depois regressei a Moçambique e matriculei-me no doutoramento em Agrobusiness e Sustentabilidade.

Foi basicamente este o percurso; primeiro um pouco intuitivamente, mas ao longo dos últimos anos fui afunilando mais as minhas áreas de interesse.

 

©DR

Estás a estudar Agronegócios e Sustentabilidade, mas também trabalhas com Saúde. De que forma é que estas duas coisas se ligam?

São áreas transversais. A área da saúde tem a ver com nutrição, saúde da mulher e da criança, que são temáticas sobre as quais tenho trabalhado, e também com questões climáticas, sobretudo na componente da adaptação. Como é que tornamos as comunidades resilientes aos efeitos das mudanças climáticas?

Moçambique, que é um mundo essencialmente rural, também é um dos países mais afetados pela mudança climática a nível do continente. O meu interesse sempre foi o de procurar intervenções induzidas ao meio rural para gerar processos de transformação, de forma sustentável e continuada, e que gerem resultados no continente e no resto do mundo.

Depois desse doutoramento, o que te vês a fazer no futuro? Continuar a investigar, trabalhar?

Estou inclinado a focar-me mais na área da agricultura, sobretudo em investigação agrária e práticas para lidar com eventos climáticos extremos (como a seca). Tenho muito interesse em entender como é que regiões propensas a mudanças climáticas se foram adaptando, quer do ponto de vista das práticas mais estruturais quer das marginais. Gostaria de afunilar a minha investigação profissional e depois fazer parte de redes de investigadores e empresas ou entidades que estejam interessadas nesta área temática.

Estudaste em Moçambique, no Brasil (Porto Alegre) e em Portugal (Évora). O que é que destacas destas experiências tão diferentes?

Existem diferenças substanciais. Não sei se por causa de relações históricas, mas creio que Moçambique e Portugal têm um pouco mais em comum do que Brasil e Moçambique, no que toca ao meio académico e à maneira como se lida com conhecimento e processos de aprendizagem/metodologias. Temos uma língua que é a Língua Oficial Portuguesa, mas sabemos que a ciência se comunica em inglês e tem de ser aberta e global.

As diferenças que existem são diferenças culturais, basicamente. Da sociedade como um todo. Apesar de o Brasil ser um lugar onde me senti imensamente feliz, está num contexto histórico muito difícil e turbulento nos últimos anos. Portugal corresponde às minhas expectativas: um ensino de excelência, professores e estrutura académica de topo. Estou imensamente feliz por estar a passar por essa experiência atualmente.

Mas é em Moçambique que te vês a ficar?

Estou muito tentado a contrariar estereótipos, nomeadamente o do jovem africano que emigra e fica na Europa. Moçambique precisa de uma força motriz que guie o país, precisamos de jovens inovadores e com horizontes, da minha área, mas também de outras – das artes, da cultura, da ciência, da tecnologia. Tenho uma visão ampla do que é pertencer a um país e ser uma força que contribui para os interesses nacionais, mas sou um cidadão do mundo, estou aberto às oportunidades, em Moçambique, em Portugal ou em qualquer outro país.

Qual foi a importância da Bolsa Gulbenkian para o teu percurso?

A Gulbenkian e a bolsa permitiram-me realizar o meu sonho que era continuar os estudos ao nível do doutoramento, viajar para Portugal e estudar lá. Sem essa ajuda, nas condições em que estava, não teria conseguido.  Só depois de pertencer à Gulbenkian é que soube o quão restrito é o grupo de bolseiros, que é uma rede a nível global do mais excelente que existe. Já pude conhecer muitos bolseiros de diversas nacionalidades, africanos e não só. Para mim é realmente gratificante, é uma responsabilidade e uma honra fazer parte desta rede.

 

©DR

Sempre foste incentivado a estudar pela família?

Eu pertenço a uma família de nove irmãos e fui o primeiro com o ensino superior completo. Posso dizer que tive um incentivo familiar muito forte, sobretudo do meu pai que sempre me incentivou à excelência académica, profissional e em tudo o que fazia. Atualmente estou a replicar esse incentivo com os meus irmãos, para que a geração inteira esteja muito engajada e interessada em educação.

Mas Moçambique é um país com muitas dificuldades e limitações no acesso ao ensino, sobretudo nas zonas recônditas/rurais. Temos profissionais de saúde e educação que fazem um esforço titânico; pertencem a um país onde temos de nos esforçar o dobro para alcançar as coisas. Eu já estava consciente de que candidatar-me a uma bolsa da Gulbenkian significa concorrer com os melhores cérebros e talentos da lusofonia. Queria pertencer a esse meio, e preparei-me para isso.

És o mais velho dos nove irmãos?

Sou o terceiro, porque tenho duas irmãs mais velhas. Mas costuma dizer-se que socialmente em Moçambique o filho homem é sempre o mais velho. [risos] Mas, brincadeiras à parte, as minhas irmãs têm as suas lutas e batalhas e sempre me incentivaram nas minhas.

Onde te vês daqui a cinco anos?

Vejo-me a gerir alguma intervenção em agricultura, ambiente e desenvolvimento, a trabalhar e a ser parte de uma solução climática global de que Moçambique, o continente e o mundo precisam. Profissionalmente acho que é uma das minhas ambições, pertencer ao quadro das melhores instituições que trabalham nestas áreas, sobretudo as que estão a lidar com as mudanças climáticas. Tenho uma noção muito clara do que quero fazer no futuro e estou a capacitar-me para isso.

No fundo, queres contribuir para salvar o mundo…

Existem várias formas de salvar o mundo, e acho que se nove milhões de almas acordarem e pensarem que querem salvar o mundo, no fundo até podemos conseguir. Mas, enfim, não sei se seria tão ambicioso; no mínimo queria conseguir impactar de maneira positiva. Acho que dentro do meio que me rodeia isso é possível e vamos criando pequenos movimentos, bolhas de esperança. Não unicamente com um pacto global, mas com pequenos acordos locais, respeitando as especificidades culturais e sociais das pessoas que compõem os lugares, formando acordos informais como base, olhando no olho e sonhando um mundo melhor… isso é que me interessa.

“Não me interessa reunir 200 pessoas em Genebra e discutir como vamos salvar o mundo; interessa-me reunir 10 pessoas dentro de um quarteirão e decidir como é que conseguimos uma melhor via de acesso para aquele lugar, como é que conseguimos água potável, alimentar famílias de maneira saudável, com educação para todos, roupa limpa e livros para ler. Existe um nível micro de como podemos salvar o mundo; nisso sim, eu acredito.”

— Mohomede Saide

Portanto, estás otimista em relação ao futuro do planeta.

Tenho de estar! Se quero fazer parte da solução, tenho de estar.

Série

Histórias de Bolseiros

Desde 1955, a Fundação Gulbenkian apoiou mais de 30 mil pessoas de todas as áreas do saber, em Portugal e em mais de 100 países. Conheça as suas histórias.

Explorar a série

Definição de Cookies

Definição de Cookies

Este website usa cookies para melhorar a sua experiência de navegação, a segurança e o desempenho do website. Podendo também utilizar cookies para partilha de informação em redes sociais e para apresentar mensagens e anúncios publicitários, à medida dos seus interesses, tanto na nossa página como noutras.