Santos Simões, a referência do Azulejo

João Miguel dos Santos Simões, enquanto bolseiro e interveniente em atividades da Fundação Gulbenkian, desenvolveu um vasto conhecimento sobre a Azulejaria em Portugal.
10 nov 2022 8 min
Artistas e autores

Nascido a 17 de julho de 1907, em Lisboa, Santos Simões destacou-se ao longo da sua vida por possuir uma curiosidade ávida e uma personalidade empreendedora e incansável nos projetos em que se empenhou.

Em 1956, após a morte do seu pai, Santos Simões estabelece-se definitivamente em Lisboa, oferecendo os seus préstimos junto do Museu Nacional de Arte Antiga como investigador na área da cerâmica, tendo-lhe sido atribuído um gabinete pelo então diretor do museu, João Couto. Já em 1948, é-lhe emitido o cartão da Academia Nacional de Belas Artes, como diretor da Brigada de Inventariação dos Azulejos, integrado no Inventário Artístico de Portugal.

 

Cartão de identificação da Academia Nacional de Belas Artes (Inventário Artístico de Portugal)

 

É em janeiro de 1957 que tem início a sua relação com a Fundação (já então contava 49 anos e um longo curriculum na área dos estudos sobre arte, em particular sobre azulejaria, termo vulgarizado, aliás, através dos seus escritos). Percebendo que poderia obter reconhecimento intelectual e meios para continuar os seus estudos e aprofundar os seus conhecimentos, é nestes moldes que se dirige a Azeredo Perdigão a 25 de janeiro de 1957: faz uma apresentação das suas habilitações académicas, dos seus interesses culturais, das inúmeras viagens que realizou e do interesse crescente, a partir de 1939, pelo estudo do azulejo após contacto com museus e historiadores de arte espanhóis.

Propõe-se então “a realização de uma obra total sobre azulejaria” a qual “Mais do que um ‘livro de arte’ pretende ser um livro ‘para a arte’ e para os estudiosos, reunindo num ‘corpus’ homogéneo o muito que se encontra desconexo e disperso”.

 

Carta de João Miguel dos Santos Simões para Azeredo Perdigão

 

Na pendência desse pedido, Santos Simões apresenta a José Raposo Magalhães um novo documento intitulado Memorial sobre a edição do estudo ‘Azulejos holandeses em Portugal e Espanha’ onde realça a importância da presença do azulejo holandês na Península Ibérica, indo ao encontro dos seus mais recentes trabalhos (Haia, 1955). Propõe a planificação da obra a editar e o programa de trabalho, prevendo a colheita fotográfica e visitas a monumentos em Portugal e viagens à Holanda e a Espanha.

A 1 de março de 1957 é aprovado o apoio à publicação de trabalhos de Santos Simões sobre azulejos portugueses e azulejos holandeses em Portugal, conforme pedido formulado a 25 de janeiro, sendo publicitado na imprensa a 27 de abril. A edição da obra Carreaux céramiques hollandais au Portugal et en Espagne é aprovada a 21 de junho, substituindo o pedido de apoio de janeiro, prevendo-se como prazo de edição a data de 31 de janeiro de 1958.

 

Memorial sobre a edição do estudo “Azulejos holandeses em Portugal e Espanha”

 

Santos Simões ocupa-se da edição dos Carreaux durante 1957 e praticamente durante todo o ano de 1958, tendo-se deslocado a Espanha em novembro de 1957 e à Holanda entre abril e julho de 58. No seu relatório da viagem (datado de 13 de agosto de 1958), para além da descrição dos trabalhos decorrentes da edição da obra, Santos Simões dá-nos conta do que foram as conferências realizadas. Tendo levado consigo cerca de 200 diapositivos coloridos, apresentou cinco conferências tendo variado os temas entre “Decoração cerâmica em Portugal”, “O papel da cerâmica decorativa na Antiga e Moderna Arquitectura Portuguesa” e “Azulejos de Van Kloet, Boumeester e Aalmis em Portugal e Espanha”.

Pelos seus dotes de oratória e pelo ineditismo dos temas apresentados, parte dos ouvintes vai acompanhando o autor no seu périplo: “Parte da assistência era constituída pelos meus ouvintes da véspera…” Viaja ainda em junho, a partir de Haia, a Paris onde profere mais duas conferências.

O livro seria finalmente editado no final de 1959.

No final de 1958, Santos Simões recorre novamente ao Presidente da Fundação no sentido de obter apoio para a continuação dos seus trabalhos de investigação sobre azulejaria por um período de dois anos para, agora sim, proceder à execução da obra A arte do azulejo em Portugal, tal como previsto em janeiro de 1957.

É-lhe concedida nova bolsa de estudo, trabalhando Santos Simões a partir de casa e sendo ressarcido de todas as despesas com viagens e deslocações e material fotográfico. Em março de 1959 apresenta uma programação de viagem de estudo a realizar no Brasil, aproveitando o convite da Universidade do Recife e da Direção do Património Histórico e Artístico Nacional. Propõe- se fazer o levantamento de elementos de estudo para o “Corpus” do Azulejo, a par de outras atividades (entre as quais 12 conferências).

Viajando por via marítima, aproveitaria na ida a escala no Funchal, onde permaneceria nove dias, para levantamento e rastreio, partindo posteriormente para o Brasil. Conforme se depreende de tão ambicioso programa, e a partir dos relatórios que periodicamente envia, Santos Simões ressente-se fisicamente da viagem e, no regresso, terá de permanecer no Funchal cerca de dois meses após “crise cardíaca” ocorrida a bordo do Vera Cruz, em setembro de 1959, regressando a Lisboa a 23 de novembro.

 

Carta de João Miguel dos Santos Simões para Azeredo Perdigão
Carta de João Miguel dos Santos Simões para José Raposo de Magalhães
Carta de João Miguel dos Santos Simões para José Raposo de Magalhães
Carta de João Miguel dos Santos Simões para José Raposo de Magalhães

 

Reinicia a correspondência com a Fundação a 7 de dezembro propondo, dois dias mais tarde, a constituição de uma equipa de trabalho – que designa como Brigada – para o ajudar na continuação dos trabalhos de rastreio e inventariação dos azulejos. Neste sentido, é contratado um desenhador, Emílio Guerra de Oliveira, em abril de 1960 e, em abril do ano seguinte, um administrativo, Maria Isabel Ribeiro. Não estando à data ainda disponível o edifício-sede da Fundação, a Brigada de Estudos de Azulejaria passa a ocupar um gabinete no edifício da Avenida 5 de Outubro, 95 – 2.º andar. Transitaria mais tarde para o 8.º andar do n.º 56 da Avenida de Berna.

No final de 1965 “os ficheiros de estudo da Brigada comportavam cerca de 20.150 fichas e índices. No arquivo fotográfico […] cerca de 6.400 fotografias e negativos e 2.00 diapositivos coloridos. Do ficheiro de padrões constam 886 aguarelas de protótipos […] referente a azulejaria do século XVII.” In III Relatório do Presidente: 1 de Janeiro de 1963 – 31 de Dezembro de 1965, p. 71.

 

Padrão 235. Desenho aguarelado, color., 25 x 25 cm. Emílio Guerra de Oliveira

 

A par da inventariação, rastreio e deslocações, Santos Simões participa em atividades culturais a nível nacional e internacional, entre as quais: faz parte do júri do Salão dos Novíssimos, Porto, maio 1960; realiza uma visita de estudo a Paris em dezembro de 1960; profere conferências tanto na Fundação como noutras instituições; colabora com o Museu Nacional de Arte Antiga na montagem do Museu do Azulejo; dirige em setembro de 1963 a XXVI Missão Estética de Férias no Funchal…

Entre 9 de janeiro e 19 de março de 1968 profere na Fundação uma série de 10 palestras sobre Azulejaria. Era propósito de Santos Simões a edição de uma obra intitulada “Manual de Azulejaria” a editar pela Fundação e que condensaria estas palestras, procurando, desse modo, chegar a um público mais vasto.

 

3.ª palestra / João Miguel dos Santos Simões, 1968

 

A Brigada de Estudos de Azulejaria é extinta a 30 de novembro de 1969 – uma vez que o trabalho de rastreio já tinha sido realizado -, passando a equipa a ser designada Corpus da Azulejaria Portuguesa. Santos Simões continuará a colaborar com a Fundação uma vez que até àquela data faltavam editar os volumes correspondentes à azulejaria dos séculos XVII e do século XVIII, o primeiro editado em 1971 e o segundo postumamente em 1979. O volume respeitante aos Açores e à Madeira seria editado em 1963, o volume do Brasil em 1965 e o respeitante aos séculos XV e XVI em 1969.

 

Plano de atividades 1962. Serviço de Belas Artes. Brigada de Estudos de Azulejaria

 

A sua última “obra” de fôlego foi a organização do 1.º Simpósio Internacional sobre Azulejaria (de 13 a 20 de outubro de 1971). Planeado e organizado pelo I.C.O.S.T. (International Committee for the Organization of Symposia on Decorative Tiles), do qual Santos Simões era o Presidente desde 1969, teria o apoio do Governo português e da Fundação Calouste Gulbenkian.

Baseou-se sobretudo em visitas guiadas a monumentos quer em Lisboa (Museu do Azulejo, Alfama, Igreja de São Roque, Convento dos Cardais, Capela de Santo Amaro e Palácio Saldanha, Palácio dos Marqueses da Fronteira), bem como a Santarém, Torres Novas, Tomar, Batalha, Alcobaça, Nazaré, Caldas da Rainha, Óbidos, Sintra, Évora, Setúbal e Azeitão. Para além destas visitas, foi organizada uma visita pós simpósio de seis dias ao Norte de Portugal.

João Miguel dos Santos Simões viria a falecer em Lisboa no dia 15 de fevereiro de 1972 aos 64 anos deixando uma vasta obra reconhecida nacional e internacionalmente.

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