«Gosto de pensar que os jovens gostam de vir cá para se porem à prova.»
O que te fez querer participar no Conselho Consultivo Jovem (CCJ)?
Quando vi o convite, estava em Budapeste com os meus amigos. Tínhamos visitado dois museus, entre os quais a Galeria Nacional. Lembro-me de que visitámos o primeiro andar, todos juntos, e fomos vendo os quadros. Mas o museu tem quatro andares e, ao fim do primeiro andar, os meus amigos subiram as escadas, viram as cadeiras, e quase todos ficaram lá a jogar cartas, no meio do museu.
Eu continuei com outros dois amigos a ver mais salas. Depois, percebemos que havia mais um andar, e mais outro… A certa altura recebemos uma chamada dos amigos que tinham ficado para trás a jogar cartas a perguntar quando é que saíamos dali, que já tinham jogado todos os jogos que conheciam.
E foi nessa altura que decidi. Já tinha visto o convite mas não tinha ainda decidido se me queria inscrever ou não. Foi depois dessa experiência, em que percebi que os museus não estão a comunicar bem com alguns jovens, que pensei que aqui poderia fazer alguma diferença porque tenho interesse, e porque também percebo o lado deles.
Antes de participares no projeto, qual era a tua relação com o CAM ou com a Gulbenkian em geral?
Com o CAM, se havia alguma, não me lembro. Não me lembro de alguma vez ter visitado o CAM. A Gulbenkian já seguia no Instagram e vinha cá às exposições, de vez em quando, mais quando eram na área da ciência. Lembro-me de uma Cérebro – mais vasto que o céu.
Tinha também uma professora de físico-química, no terceiro ciclo, que adorava fazer pontes de tudo com a físico-química, e que organizava, aos fins de semana, visitas a exposições para os alunos que queriam, e depois fazia essas relações.
Cheguei a vir cá umas três vezes com essa professora; fiz também um programa com o Departamento Educativo, com crianças autistas, cujo objetivo era explicar o sistema solar, portanto, este lado da física… assim o meu contacto veio um bocado por aí, mas era acima de tudo esporádico.
Mencionaste vários tipos de expectativas e relações com a cultura. O que achas que são as expectativas dos jovens relativamente a um centro cultural como este?
A Gulbenkian é mais do que uma instituição cultural!… É muito difícil de definir as expectativas dos jovens. A classificação «jovens» é difícil de definir. É como dizer «adultos». É uma faixa etária, mas não define o tipo de pensamento.
Ainda assim, sendo que há algumas características comuns aos jovens, gosto de pensar que a expectativa dos jovens é serem desafiados. Na juventude, estamos ainda muito dispostos a ser moldados e, portanto, gosto de pensar que os jovens gostam de vir cá para se porem à prova, para se questionarem a si próprios, não só para verem. É mais um ver interior, também.
Estamos a aproximar-nos da última sessão do Conselho Consultivo, o qual já está a decorrer há algum tempo. Durante os vários meses que aqui trabalhaste, quais foram os momentos que te marcaram?
Em primeiro lugar, marcou-me a forma como tudo funciona, a forma de conversar… Eu vim de um lado de engenharia e sempre apanhei com conversas que são sim ou não, ou são sim e não ao mesmo tempo, mas existem sempre opções limitadas.
No CAM é muito mais uma conversa, um diálogo, com muitas hipóteses, mais um espetro do que opções. E, portanto, gostei muito de todo esse tipo de trabalho, muito mais livre. Foi uma grande aprendizagem. Aprender a abrir o jogo.
Não posso dizer que seja um momento, mas marcou-me a primeira sessão que me deu a perceber que era assim que o CAM funcionava. Gostei muito da Silent Party, que sinto que é também um pouco minha, por ter ajudado a organizar. Foi um momento de acomplishment, também.
Para além de seres um consultor do CAM, também és um consultor da Júnior Empresa do Instituto Superior Técnico (JUNITEC). Portanto, tens dois papéis de consultoria. Quais são as diferenças e as semelhanças do teu trabalho de consultor nestas duas áreas em si bastante distintas?
A consultoria tecnológica, que é o que estudei, passa por desenvolver soluções tecnológicas para empresas. E, portanto, é muito prática, muito sim ou não. Envolve desenvolver, escrever código, gerir uma equipa para ter o produto finalizado.
Aqui (no CAM) é mais uma questão de abrir discussões, tentar definir rumos, determinar o que faz ou não faz sentido. É mais acerca de dar opinião e não criar propriamente um produto. Talvez não só dar opiniões – porque sentimos que também estamos a moldar alguma coisa – mas o nosso trabalho não vai propriamente resultar num produto finalizado, mas é um processo de tentar imaginar uma Gulbenkian do futuro, um CAM do futuro.
Tens um background mais científico, de engenharia aeroespacial. Os teus outros colegas do CCJ têm um background mais artístico ou das ciências sociais e humanas. Qual foi o teu papel, como um elemento mais outsider, dentro das dinâmicas do grupo?
Primeiro que tudo foi uma oportunidade de aprender muito. Nunca tinha tido uma oportunidade de aprender acerca de artes, porque não tinha seguido esse caminho, e aqui aprendi bastante e com pessoas que estão agora a fazer arte e, portanto, é muito interessante.
O facto de vir de uma área completamente diferente acabou também por criar muita curiosidade no resto do grupo. Porque saber que estamos aqui a moldar um centro de arte moderna, não estamos a moldá-lo apenas para artistas, estamos a moldar para toda a gente que visita.
E, por representar as pessoas que visitam, mas que não têm uma vertente artística, sempre me quiseram ouvir, não só para o CAM mas também para o trabalho deles. Para tentar perceber o que é que faz sentido para as pessoas que não são artistas. Porque às vezes quando está tudo muito relacionado com as artes existe o risco de nos esquecermos disso: que nem toda a gente que visita é artista, e nem deve sê-lo.
Quando começaste o projeto, pediram-te para escolheres duas obras da Coleção do CAM. Tu escolheste uma cadeira do Mario Bellini e uma pintura do Jorge Queiroz, Now I’ve got a witness. Porquê?
Foi uma escolha difícil. Eu não tenho grande conhecimento artístico.
Com o Jorge Queiroz foi engraçado, porque a ver todas as imagens da Coleção que estavam no website essa destacou-se.
Tinha de escolher duas obras e acabei por escolher essa porque estava a comunicar alguma coisa comigo, que na altura não percebi porquê. Depois, passado uns meses – eu costumo ir para a Brotéria estudar – fui para a Brotéria e, mesmo à frente da mesa onde me costumo sentar, estava um quadro. Fui ver de quem era e era dele.
Na altura não sabia, mas escolhi-o porque havia uma relação. Eu já tinha olhado bastante para aquele quadro, é sempre o quadro na Brotéria que eu olho, mas na altura não tinha feito a relação com o artista.
Quanto à cadeira, eu gosto muito de mobília, de design. O meu avô do lado materno sempre me incentivou muito nesse aspeto, restaurou várias peças de mobília, e eu sempre gostei. Também gosto muito de arquitetura.
Se tivesse de ser artista, provavelmente seria mais para o lado da arquitetura, porque também está perto da engenharia. E acho que os arquitetos também gostam dessa parte da mobília e, portanto, senti que fazia sentido.
Para terminar, quais eram as tuas expectativas para o novo CAM?
É interessante termos estado a fazer este processo de moldagem enquanto o CAM não estava aberto. Porque houve mais espaço para o CAM poder crescer. Toda a gente quer ver o CAM crescer de forma diferente, ou nascer de forma diferente.
Não tendo muitas expectativas em relação ao que o CAM era antes, por não o conhecer tão bem. Agora quero um CAM onde os meus amigos queiram vir e não para ficar a jogar cartas no chão. Acho que essa é a expectativa principal.