Carla Carrilho: “Idealizo um país mais capacitado para tratar as doenças oncológicas”
Em traços gerais, em que vai consistir o projeto OncoInvest?
É um projeto de três anos, financiado pelo Instituto Camões e pela Fundação Calouste Gulbenkian, que surge na sequência da experiência de dois projetos anteriores na área da oncologia, no Hospital Central de Maputo. Visa contribuir para o reforço da cobertura de serviços diferenciados de saúde oncológicos de qualidade em Moçambique, através da melhoria do diagnóstico e das competências dos profissionais de saúde em oncologia e do acesso a novas tecnologias.
Maior ênfase será dado à promoção da capacidade de investigação clínica e suas infraestruturas de apoio, na área da oncologia. É um projeto de parceria entre a Faculdade de Medicina da Universidade Eduardo Mondlane (FAMED-UEM) e o Hospital Central de Maputo (HCM), com o apoio técnico da FCG – Parcerias com África. O projeto será implementado principalmente no HCM mas também na FAMED-UEM.
Está prevista a implementação de um sistema de telepatologia/patologia digital; estágios em Portugal para patologistas e oncologistas, bem como residentes em áreas afim da oncologia para atualizações em diagnóstico e tratamento do cancro; a criação de um banco de tecidos de tumores; a conceção e implementação de um Mestrado em Oncologia e apoio a estudantes do programa de Doutoramento de biociências e saúde pública da FAMED-UEM, assim como de mestrado de biociências através da atribuição de algumas bolsas.
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Quais são as maiores dificuldades na área da oncologia em Moçambique?
Do ponto de vista da clínica, um dos problemas é o diagnóstico tardio dos doentes oncológicos, dificultando um tratamento atempado e adequado. A insuficiência de recursos humanos especializados para o diagnóstico e tratamento na área da oncologia é outra questão. Há, por isso, necessidade de formar e atualizar os profissionais de saúde que atuam nesta área, particularmente em novos protocolos de diagnóstico e de tratamento, melhorar as infraestruturas e adquirir mais equipamentos para um diagnóstico e tratamento de qualidade.
No que toca à investigação, apesar de ter havido um aumento na área da oncologia, ela ainda está longe do desejado. As dificuldades são transversais a todas as áreas de pesquisa, por exemplo: falta infraestrutura organizacional e física para a condução de pesquisa clínica com o rigor que é necessário; falta de recursos humanos e materiais; falta de financiamento; pouco reconhecimento profissional e social de quem faz pesquisa; inexperiência na elaboração de propostas de financiamento para fundos competitivos e na escrita de artigos científicos; falta de expertise em metodologias de investigação; capacidade laboratorial insuficiente.
Também do ponto de vista da formação nesta área, sentimos que, em conteúdos de oncologia, é limitada, quer no ensino pré-graduado, quer pós-graduado. Haverá ainda outras dificuldades, por exemplo quanto à prevenção, rastreio, e cuidados paliativos, mas o projeto foca-se mais naquelas que referi anteriormente.
Qual a importância de estabelecer protocolos de cooperação entre entidades dos PALOP e Portugal?
Portugal tem colaborado há muitos anos na área da saúde e tem capacidades instaladas que são bastante mais desenvolvidas do que as existentes nos PALOP e internacionalmente reconhecidas. O benefício desta colaboração para os PALOP é aprenderem com a experiência portuguesa e formarem as suas equipas, quer de assistência, quer de investigação, reforçando a partilha de conhecimentos e boas práticas clínicas.
Temos a oportunidade de colaborar com centros de excelência na área de oncologia, diagnóstico e de investigação em cancro, como por exemplo as parcerias com o Hospital de São João do Porto, o Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da UP, o IPO-Porto, o Instituto de Saúde Pública da UP, além de outras instituições, na formação, investigação, diagnostico, tratamento e transferência de tecnologia.
O facto de falarmos a mesma língua também facilita a aprendizagem e a troca de experiências. A contraparte portuguesa, por outro lado, tomando conhecimento de uma realidade diferente da sua, também beneficia desta cooperação. Por exemplo, o sistema de patologia digital e telemedicina oncológica permite a discussão e partilha de casos de patologia menos prevalentes em Portugal e ainda frequentes em África.
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No fim do projeto (em 2026), o que espera ter conseguido fazer?
Esperamos ter reforçado a capacidade de condução de pesquisa clínica em oncologia em Moçambique, bem como melhorado a qualidade de diagnóstico e de tratamento em oncologia, baseado em evidência científica.
Esperamos ter um banco de tumores criado e operacionalizado para ser utilizado por especialistas e investigadores em áreas da oncologia; ter médicos e investigadores moçambicanos com capacidade de produzir e divulgar conhecimento científico no âmbito da oncologia, com base em investigação desenvolvida localmente e em parceria com outros centros de investigação e instituições académicas internacionais e dos PALOP; e ter contribuído para a formação académica pós-graduada através de um Mestrado em oncologia acreditado e implementado localmente.
No futuro, espera continuar a exercer em saúde e fazer investigação em Moçambique? Que futuro idealiza para o país, nestas áreas?
Espero continuar a exercer anatomia patológica e contribuir para a formação de novos especialistas nesta área, continuar a fazer investigação multidisciplinar na área do cancro, contribuindo também para a formação académica nestas áreas.
Idealizo um país mais capacitado para diagnosticar e tratar as doenças oncológicas, e um maior desenvolvimento da capacidade de investigação, com mais mestrados, doutorados e especialistas e maior autonomia na investigação. O fim é que o projeto contribua para o Programa Nacional de Controle do cancro e permita que, em Moçambique, se prestem os melhores cuidados ao doente oncológico, baseados em evidência científica.