Calouste Gulbenkian e o “Japonisme”
Apesar de os portugueses terem estabelecido os primeiros contactos com o império do sol nascente em 1543 e, nos séculos seguintes, mercadores holandeses terem sido autorizados a aí manter algumas atividades comerciais, até 1854, ano do Tratado de Kanagawa – assinado com os Estados Unidos –, o Japão viveu séculos de isolamento voluntário.
Quatro anos mais tarde, um novo tratado – o Tratado de Amizade e Comércio – abriu definitivamente os portos japoneses ao exterior, originando uma espécie de “redescoberta” e de encantamento pelo Japão e pela sua cultura.
Este gosto do Ocidente pela arte do Extremo-Oriente começou a desenvolver-se logo no século XVI, muito por causa do comércio de porcelanas, sedas e lacas chinesas que chegavam aos mercados europeus, alargando-se à arquitetura e aos jardins no século XVIII.
No século seguinte, as exposições universais, inauguradas em 1851, no Palácio de Cristal de Londres, vieram ajudar a divulgar rapidamente esse gosto pelas artes e cultura nipónicas junto do público ocidental e a transformá-lo numa moda.
O Japonisme – termo que terá sido criado pelo crítico, colecionador e impressor francês Philippe Burty (1830-1890), no início da década de 1870 para designar a influência que a arte japonesa desempenhou nas obras de artistas ocidentais nas últimas décadas de Oitocentos – impôs-se e ganhou influência a partir das exposições de 1862 (Londres) e de 1867 (Paris).
Nesta última, o Japão participou pela primeira vez com um pavilhão, onde os visitantes puderam admirar diversos exemplos da arte japonesa. Por estes anos, existiam na capital francesa algumas lojas que não só comercializavam diversos objetos artísticos japoneses – leques, quimonos, bronzes, lacas, gravuras – como funcionavam como lugares de encontro para artistas e colecionadores da época.
As particularidades estéticas da arte japonesa, expressas de forma admirável nas gravuras dos grandes mestres como Hokusai (1760-1849) e Utamaro (?-1806), atraíram os pintores impressionistas e pós-impressionistas. Édouard Manet, James McNeill Whistler, Edgar Degas e Vincent Van Gogh contam-se entre os primeiros colecionadores de gravuras japonesas. Eles foram, tal como Mary Cassatt, Pierre Bonnard e Toulouse-Lautrec, alguns dos artistas que, influenciados por essas características, vieram a introduzi-las, de forma diversa, na sua produção pictórica.
Homem do seu tempo, Calouste Gulbenkian não ficou imune à moda do Japonisme e o seu interesse pela arte do Japão está refletido na sua coleção de arte, em diversos objetos de arte japonesa e gravuras, como as surimono, edições exclusivas e limitadas de xilogravuras, destinadas a um público seleto da sociedade nipónica da época – de que adquiriu um conjunto representativo, sobretudo da autoria de Totoya Hokkei (1780-1850) – e as ukiyo-e (imagens do mundo flutuante).
Também a biblioteca pessoal de Calouste Gulbenkian reflete a sua atenção e gosto pela arte e a cultura do Japão, reunindo diversos livros em francês e inglês. São, no total, 25 títulos, publicados entre 1880 e a década de 1950, que incluem algumas das obras de referência na época sobre a história dos leques, a arte dos arranjos florais – ikebana –, jardins e estampas.
É o caso, por exemplo do livro, The flowers of Japan and the art of floral arrangement, publicado em Tóquio em 1891. Da autoria do arquitecto inglês Josiah Conder (1852-1920) – contratado pelo governo japonês Meiji como professor de arquitetura no Imperial College of Engineering, tornou-se arquiteto das Obras Públicas do Japão – este foi o primeiro livro que divulgou, em língua inglesa, a arte japonesa de arranjos florais, Ikebana. A capa e contracapa desta primeira edição é da autoria de Tsukioka Yoshitoshi (1839-1892) – mestre do género ukiyo-e, assim como 6 das 14 gravuras coloridas do interior, sendo as restantes realizadas por Kawanabe Kiosui (1868-1935), filha de outro mestre das gravuras ukiyo-e, o pintor Kawanabe Kiosai (1831-1889).
O interesse suscitado por este tema foi tal, que este livro teve uma segunda edição revista, com o título The floral art of Japan, publicada com encadernação de estilo ocidental e ilustrada por Ogata Gekko (1859-1920), artista contemporâneo de Yoshitoshi.
Do mesmo autor, Josiah Conder, é a obra, em dois volumes, Landscape gardening in Japan, publicada em Tóquio em 1893, ilustrada com colotipias realizadas por Ogawa Kasumasa (1860-1920), um dos pioneiros da fotografia e dos métodos de impressão fotográfica no Japão.
Outro dos belos exemplares comprados por Calouste Gulbenkian é A grammar of Japanese ornament and design, da autoria do arquiteto inglês Thomas William Cutler (1842-1909), que foi, na época, uma espécie de manual e guia de inspiração do Japonisme. Editada em Londres, em 1880, esta obra tem prefácio ilustrado com uma xilogravura a preto e branco, contém a lista e a descrição das chapas seguidas de páginas de texto ilustradas com sete xilogravuras a preto e branco, e ainda 58 chapas litográficas de página inteira, algumas a cores, outras a ouro e prata e outras a preto e branco. A capa é original, com desenhos de pássaros, flores, leques, a ouro, vermelho e preto juntamente com as letras da capa.
A obra Masterpieces selected from the fine arts of the Far East merece aqui uma referência, embora as “obras-primas” que apresenta sejam quer da arte japonesa, como da arte da China. Identificada a lápis com a referência “D.512” (D de “Documentation”, numa das classificações que Calouste Gulbenkian atribuía aos livros que comprava e que faziam parte da sua biblioteca particular) e com a informação “sans facture” (sem fatura), esta coleção é composta por 13 volumes e foi publicada em Tóquio, entre 1909 e 1910, pela casa editora Shimbi Shoin, cujas edições se caracterizavam pela elevada qualidade técnica das suas encadernações e reproduções.
Cada volume está dentro de uma caixa forrada a seda estampada, com fechos de osso ou marfim, e a encadernação é igualmente em seda estampada, com fio de seda de cor roxa. No interior, os textos sobre cada obra reproduzida estão em inglês – em alguns volumes também em japonês -, e as numerosas reproduções que cada volume apresenta são a preto e branco – gravuras e fotogravuras em papel – e a cores, sendo, neste caso, gravadas em seda e coloridas manualmente. A arte do Japão tem a ela dedicados 8 volumes, enquanto a arte chinesa apenas ocupa 5.
Entre os livros que integram este conjunto contam-se ainda Au Japon: promenades aux sanctuaires de l’art (1908) e Chefs d’oeuvre d’art japonais (1905), da autoria de Gaston Migeon (1861-1930) – que foi conservador no Museu do Louvre e estudou, entre outros assuntos, a história da arte japonesa e chinesa -, e catálogos de leilões realizados, respetivamente, em 1911 e 1916, onde foram vendidas estampas japonesas.
Obras na biblioteca pessoal de Calouste Gulbenkian
A grammar of Japanese ornament and design […] / Thomas W. Cutler, 1880
Artistic Japan / compiled by S. Bing, 1888
The kokka / The Kokka Publishing Company, [1889]
The flowers of Japan and the art of floral arrangement / Josiah Conder, 1891
The flowers of Japan and the art of floral arrangement / Josiah Conder, 1892
Landscape gardening in Japan / Josiah Conder, 1893
Fans of Japan / Charlotte M. Salwey, 1894
The floral art of Japan / Josiah Conder, 1899
Chefs d’oeuvre d’art japonais / Gaston Migeon, [1905]
Choice of Korin and Kenzan, [1906]
Masterpieces of thirty great painters of Japan, [1906]
Au Japon / Gaston Migeon, 1908
Chats on oriental art / J. F. Blacker, 1908
Painting in the far east / Laurence Binyon, 1908
Masterpieces selected from the fine arts of the Far East, 1909
Étoffes japonaises / M. P.-Verneuil, [1910]
Catalogue of a collection of Japanese colour prints…, 1911
Les estampes japonaises / W. de Seidlitz, 1911
Japanese colour prints / Edward F. Strange, 1913
Japanese temples and their treasures, 1915
Catalogue of an interesting & varied collection of Japonese colour prints […], 1916
Faïences, manuscrits et miniatures, robes de la Perse, livres japonais […], 1930
Portraits d’acteurs japonais du XVII au XIX siècle / Galerie Huguette Berès, [195-]
Obras da Biblioteca
Uma seleção de livros e revistas, fotografias, catálogos de exposições e outros documentos cujos temas se relacionam com a história da arte, as artes visuais modernas e contemporâneas, a arquitetura, a fotografia e o design portugueses.