Arlindo Oliveira: “Sistemas de inteligência artificial poderão ser vistos como artistas?”

Arlindo Oliveira abre a conferência "Inteligência Artificial: Que Humanidade?", que junta, no dia 29 de maio, na Fundação Gulbenkian, especialistas de várias áreas do conhecimento para uma mesa redonda dedicada a este tema.
22 mai 2023 6 min

Professor do Instituto Superior Técnico e presidente do Instituto de Engenharia de Sistemas e Computadores (INESC), Arlindo Oliveira faz a intervenção de abertura da conferência Inteligência Artificial: Que Humanidade?, centrando-se na questão da tecnologia, das aplicações e dos desafios dos grandes modelos de linguagem. Estes modelos serão responsáveis, a curto prazo, pela eliminação de muitos lugares no mercado trabalho, mas Arlindo Oliveira também lhes aponta um benefício: o aumento da produtividade (especialmente relevante “em sociedades como a portuguesa, onde a produtividade é baixa e a escassez de mão obra um fator limitativo”) e a criação de novos empregos e funções.

Nas linhas que se seguem, o presidente do INESC fala ainda de desinformação, da intervenção da IA no processo criativo, na humanidade que já existe nas máquinas e no debate à volta da humanidade que poderemos esperar que as máquinas possam vir a ter nas próximas décadas.

Sam Altman, co-fundador da empresa que criou o Chat GPT, transmitiu publicamente preocupação em relação aos efeitos inesperados da Inteligência Artificial, nomeadamente a nível do mercado de trabalho. É possível medir benefícios e prejuízos e encontrar (e regular) um ponto de equilíbrio?

É possível, embora com significativa incerteza, antecipar que tipos de funções poderão vir a ser desempenhadas, total ou parcialmente, por sistemas baseados em IA, nomeadamente sistemas baseados em LLMs (grandes modelos de linguagem). Muitas funções relacionadas com processamento e elaboração de textos (respostas a clientes, sumarização, relatórios de eventos, elaboração de atas de reuniões, análise de temas específicos, consultas a sistemas de informação, due dilligence, análise de precedentes, etc) poderão vir a ser progressivamente automatizadas, aumentando a produtividade dos profissionais dessas áreas e, possivelmente, reduzindo a procura por esses mesmos profissionais. Este aumento de produtividade é seguramente um benefício, especialmente em sociedades como a portuguesa, onde a produtividade é baixa e a escassez de mão obra um fator limitativo.

É mais difícil identificar, com alguma segurança, que novos empregos e funções virão a ser criados pela utilização das tecnologias de IA. Qualquer nova tecnologia introduz alterações estruturais na sociedade cujos efeitos são difíceis de prever. O maior risco, a meu ver, é que venha a existir procura por pessoas com competências específicas, mas que não seja possível à sociedade adaptar-se de forma suficientemente rápida para formar pessoas com essas competências em número necessário, e que seja preciso alargar significativamente a rede de proteção social para pessoas cujas competências se tornarem menos necessárias.

Os mecanismos regulatórios poderão ser úteis para atingir o adequado ponto de equilíbrio, que maximize os benefícios e minimize as desvantagens. Mas na presença de assimetrias na legislação entre blocos de países, existirão vantagens e desvantagens competitivas que terão de ser tidas em conta na elaboração da legislação.

A indústria musical já recorre a algoritmos para criar hits que entrem mais facilmente no mercado. Estas novas tecnologias têm suscitado muitas discussões sobre a manipulação das massas, sobretudo relativamente a fake news, alteração de sentido de voto…

Sistemas baseados em LLMs poderão, de facto, ser usados como mecanismos de desinformação, mais eficazes que os que existem hoje. A possibilidade de falsificar textos, fotos e vídeos, que se tornará progressivamente mais fácil, obrigará a uma maior sensibilização para a necessidade de verificar as fontes e obter informação fiável sobre factos e eventos.

Por outro lado, é necessário perceber que já hoje, sem a utilização de LLMs, existe significativa capacidade para criar e divulgar informação falsa, como é patente pelo número de pessoas que acreditam que a Terra é plana, que o homem não foi à Lua e que Trump ganhou as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos.

No que respeita ao processo criativo, é inevitável que esta tecnologia venha permitir novas formas de criar arte, como aconteceu anteriormente com outras tecnologias como a máquina fotográfica, o computador e os sintetizadores. Mais complicado é responder à pergunta (que não foi feita) se sistemas de inteligência artificial poderão ser vistos como artistas, ou se são simplesmente instrumentos. A minha opinião é que, enquanto estes sistemas não tiverem um estatuto legal específico (que não está previsto em nenhuma proposta de legislação) deverão ser vistos unicamente como instrumentos. Num futuro, imprevisível, onde sistemas de inteligência artificial tenham algum estatuto legal, poderemos ter de admitir que poderão ser autores ou coautores de obras culturais ou artísticas.

Por fim, quanta humanidade há já, na IA?

Muito pouca, ou mesmo nenhuma. A capacidade dos LLMs para perceberem e gerarem textos não deve ser confundida com as capacidades similares que todos nós temos. Para os humanos, a capacidade para perceber e gerar linguagem está intimamente ligada a um conjunto de planos, objetivos e motivações que estão completamente ausentes destes modelos. Os LLMs não têm, sequer, memória, e muito menos outras características humanas como senciência, consciência, emoções ou livre-arbítrio.

Porém, é necessário referir que existe relevante atividade de investigação na área de dotar sistemas de IA com algumas das capacidades acima referidas, como emoções ou consciência. Tanto quanto é possível afirmar hoje, não estamos perto de perceber suficientemente bem estes fenómenos para os podermos reproduzir em máquinas. Existem mesmo correntes de pensamento (com as quais eu não me identifico) que argumentam que tal nunca será possível.

A verdade é que não é possível descartar inteiramente a possibilidade de virmos a assistir a avanços significativos e rápidos nestas frentes de investigação e, portanto, não é possível afirmar, com inteira certeza, que não teremos máquinas com alguma humanidade nas próximas décadas. A comunidade científica da área divide-se, de forma bastante clara, na opinião que tem sobre estas questões, desde os que acham que nunca teremos (nem deveremos ambicionar ter) máquinas com consciência até àqueles que entendem que a única forma de obtermos verdadeira inteligência artificial é dotar estes sistemas com algumas das características que caracterizam a Humanidade, nomeadamente a senciência.

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