Aprenda a identificar os cantos das aves
Jardins para a vida silvestre
Normalmente são os machos que cantam, tanto para marcar como para defender o seu território, explica João E. Rabaça, professor da Universidade de Évora e coordenador do LabOr-Laboratório de Ornitologia. “Quando um melro-preto canta, está a transmitir um sinal para os seus vizinhos da mesma espécie cujo significado é semelhante a dizer ‘este espaço aqui é meu’. E os seus conspecíficos não só entendem a mensagem como podem responder”, descreve.
Cantar serve também para atrair uma parceira ou parceiro, ou para mostrar a vitalidade a um predador, acrescenta Magnus Robb, ornitólogo britânico especializado na gravação do som de aves. É o caso das lavercas, exemplifica, que muitas vezes o fazem para fugir dos esmerilhões, quando estas aves de rapina as perseguem.
Por outro lado, nem tudo se resume ao canto, uma vez que muitas vocalizações são afinal chamamentos – por exemplo, as crias no ninho a pedirem por comida ou os gritos de alarme quando se aproxima um predador. João E. Rabaça descreve os chamamentos como sons muito simples e sem uma estrutura melódica, emitidos de igual forma por machos e fêmeas.
Qual é a melhor altura para ouvir?
Quanto ao canto, o coro matinal (conhecido em inglês por ‘dawn chorus’) é a melhor altura do dia para ouvirmos aquilo a que João E. Rabaça chama “uma das mais expressivas paisagens sonoras da natureza”.. Para assistir a este espetáculo, em especial na primavera e também no verão, é importante levantarmo-nos bem cedo, uma vez que os primeiros cantores costumam ouvir-se mais de uma hora antes do nascer do sol, lá pelas 5h00.. E se houver possibilidade, devemos procurar um local sossegado e com boa vegetação, como um jardim.
“As aves que compõem o coro matinal são espécies com hábitos diurnos e, como tal, é importante que logo com as primeiras notas de luz do dia os machos sinalizem os seus territórios, porque se não o fizerem outros poderão ocupá-los”, sublinha João E. Rabaça.
As primeiras aves a atuar costumam ser do grupo dos turdídeos, como o melro-preto e o pisco-de-peito-ruivo. Seguem-se as toutinegras e a carriça, entre outras aves insetívoras. Alguns momentos depois, podemos também escutar alguns granívoros, como o pintassilgo e o tentilhão.
Ainda assim, embora não de forma tão intensa, é possível escutar o canto de muitas aves ao longo do dia.
Gonçalo Elias, responsável pelo portal Aves de Portugal, esclarece que existem outras espécies como o rouxinol-comum, ou o rouxinol-grande-dos-caniços, que cantam durante toda a noite, não pertencendo ao elenco do coro matinal.
Cinco aves para começar
De ouvidos bem atentos, quando visitar um jardim ao pé de casa, ou em passeio no campo, experimente escutar atentamente as melodias e trinados que nos rodeiam. Comece por estas cinco espécies (às quais poderá acrescentar outras cinco).
Toutinegra-de-barrete
Sylvia atricapilla
O Guia de Aves de Portugal e da Europa, de Lars Svensson, descreve o canto desta toutinegra como um “dos mais belos”. Começa por “um chilreio hesitante – que pode ser encurtado ou omitido – que, no final, acaba em notas aflautadas, límpidas e algo melancólicas”. Esta pequena insetívora pode ser reconhecida pelo barrete preto dos machos, que nas fêmeas e nos juvenis é castanho-arruivado. É comum em parques e jardins urbanos.
[Canto de macho de toutinegra-de-barrete gravado por Uku Paal/Xeno-canto]
Chapim-azul
Cyanistes caeruleus
Este pequeno chapim salta irrequieto de ramo para ramo, no meio da folhagem, e por isso nem sempre é fácil de observar. Mas mesmo escondido, podemos aprender a reconhecê-lo pela sua melodia. Lars Svensson, no seu guia, dá-nos algumas pistas: “O canto consiste em duas notas prolongadas e agudas seguidas por um pequeno trinado metálico na parte mais grave – ‘siiih siiih si-siurrrr’ – por vezes em dois ‘versos’ curtos repetidos rapidamente – ‘si-si-siurrr, si-si-siurrr’.”
[Canto de chapim-azul recolhido por Antonio Xeira/Xeno-canto]
Chapim-real
Parus major
O maior dos chapins, o chapim-real pode ver-se (e ouvir-se) em bosques, incluindo nos jardins e parques das cidades, onde faz os seus ninhos em caixas-ninho grandes ou em cavidades nas árvores. Os alimentos preferidos são insectos e sementes. O canto lembra “uma cantilena de altos e baixos com entoação mecânica – ‘ti-ta ti-ta ti-ta’ – ou um ‘ti-ti-ta ti-ti-ta ti-ti-ta’ trissilábico e com velocidades diferentes”, explica o Guia de Aves de Portugal e da Europa. Pode confundir-se com a melodia do chapim-carvoeiro, mas este último é mais acelerado.
[Canto de chapim-real gravado por Stein O. Nilsen/Xeno-canto]
Rabirruivo-preto
Phoenicurus ochruros
Esta pequena ave escura de cauda arruivada é comum nas zonas habitadas a norte do Tejo, mas pode ser observada também nalgumas áreas a sul do mesmo rio – em especial no inverno, quando chegam a Portugal muitos rabirruivos vindos de outros países da Europa. O rabirruivo-preto é também chamado de pisco-ferreiro, rabo-queimado ou carvoeiro. João Eduardo Rabaça, no seu livro “As Aves do Jardim Gulbenkian”, conta-nos que o seu “canto cadenciado”, normalmente emitido a partir de locais elevados, “é bastante sonoro e inclui algumas notas crepitantes bastante singulares”.
[Canto de rabirruivo-preto gravado por Jorge Leitão/Xeno-canto]
Trepadeira-comum
Certhia brachydactyla
Esta avezinha florestal de bico curvado e comprido, que passa os dias a trepar troncos de árvores em busca de insectos e aranhas, é bastante comum em parques e jardins urbanos. O canto é um verso curto com ritmo alegre e um tom constante, “tiuut e-to e-tititt”.
[Canto de trepadeira-comum gravado por Jorge Leitão/Xeno-canto]
Jardins para a vida silvestre
O Jardim Gulbenkian promove um conjunto de visitas sobre como tornar os nossos jardins, parques e terrenos, tanto no interior das cidades como fora, em espaços mais acolhedores para vida silvestre – fundamental para a vida na Terra! Estas visitas são acompanhadas pela revista Wilder que, em parceria com a Fundação Gulbenkian, publica artigos sobre cada um dos temas.