“A juventude tem muita força” e a rede de bolseiros Gulbenkian mostrou como

O primeiro Workshop dedicado a Desafios de Impacto juntou bolseiros de Mérito e Novos Talentos num fim-de-semana de dezembro. Pensando numa “força para o bem comum”, o grupo de estudantes pensou em iniciativas que mais tarde pretendem aplicar nas suas comunidades.
Ana Patrícia Silva 20 dez 2024 10 min
Histórias de Bolseiros

Numa sala disposta para um dos jardins exteriores da Fundação Gulbenkian, as cadeiras que pareciam vazias até então, vão se preenchendo. Contam-se 84. Ouvem-se vários sotaques. Da Covilhã ao Algarve, passando pelo Porto, Aveiro, Beja, Braga, Viseu, entre muitas outras cidades, fizeram-se várias paragens pelo país sem que se saísse daquela sala. Todos os jovens eram estudantes bolseiros e sabiam exatamente para o que iam e o que esperavam: responder à pergunta “e se… a rede de bolseiros da Gulbenkian fosse uma força para o bem comum?”.

Foi no workshop Desafios de Impacto que, pela primeira vez, se reuniram os alunos das bolsas de Mérito e dos Novos Talentos, parte deles. O objetivo era trazer respostas a esta questão que lhes passou a soar durante os dois dias que se seguiram. “Neste momento temos sentido que vivemos numa sociedade tão rápida, tão intensa e que dá tão pouco espaço àquilo que é a vivência no presente”, começa por explicar Sara Magno, 21 anos, embaixadora da bolsa Novos Talentos, pouco depois de nos contextualizar sobre a sua área dentro da Psicologia. “O que o Vasco Gaspar fez durante o workshop com as sessões da meditação, o uso da mão compassiva, o foco no momento presente com o sentir a cadeira ou os pés no chão, tudo isto, é algo que na Psicologia chamamos de terapias de terceira geração e que se focam precisamente em trazer-nos para o presente”, continua.

O quotidiano é um turbilhão de gente, “perdida no turbilhão dos seus pensamentos, sob mil camadas de invisibilidade”, tal como se ouve o facilitador Vasco Gaspar dizer, e estes alunos e alunas não são diferentes. Ao longo de dois dias o objetivo foi contrariar este vórtice.

Recorrendo a um processo imersivo baseado na Theory U [Teoria U], Vasco Gaspar e Marco Abreu abriram as portas que faltavam para que se criasse uma jornada de reflexão, criação e desenvolvimento de ações concretas que permitissem definir contributos para uma sociedade mais justa e sustentável. “Nunca sabemos o impacto que a nossa vida tem nas coisas e vice-versa e, ter a possibilidade de ter um dia onde quase 80 pessoas se permitiram parar e estar em contacto com o outro a pensar no mundo, nos problemas sociais, no planeta, em ouvir a voz das pessoas marginalizadas e ver partir daí uma ligação mais humana, mais genuína, faz-me sentir muita inspiração” reconhece Vasco Gaspar.

Ao longo do dia foi realçada a vontade de fazer com que “os bolseiros da Gulbenkian fossem vistos além das boas notas”, o que se concretizou com diferentes dinâmicas que, durante a manhã, passavam por colar papéis nas costas de cada um, em pares, onde anotavam os pontos positivos e as inseguranças do outro depois de alguns minutos de conversa; ou o ato da escuta sem interrupção – Dialogue Walks – também numa dinâmica em pares que os fazia alavancar para a reflexão sobre o sistema em que vivem, como se veem  e o que mudariam.

Tal como a saúde do corpo foi o grande foco do século XX, a saúde mental é o do século XXI. Com a Humanidade recentemente sitiada por uma pandemia e uma crise que se instalou, floresceu uma prática que não é propriamente de hoje, mas que em Portugal exponenciou nos últimos tempos: o Mindfulness (em português: atenção-plena). Vasco Gaspar recorreu a estas técnicas para dar a conhecer exatamente do que se trata a atenção-plena ao longo do workshop.  “É uma ferramenta de grande importância no bem-estar e na saúde mental” e, para o facilitador, “torna-se audaz pensar no futuro e querer contribuir para a sociedade”.

A ansiedade, a pressão, uma imensa asfixia devora o nosso tempo como um glutão. Na cultura ocidental, o pensamento é um indutor de tarefas e as pessoas tornam-se obedientes e apressadas tarefeiras e, tal como facilitador realça, “é realmente inovador pensar no bem-estar mental deles [bolseiros], da comunidade, ir para além de uma simples bolsa e abraçar este programa de gestão emocional, esperando que tenha impacto na comunidade e que ajude os bolseiros a partir destas tecnologias que são de toque, baseadas na U Theory [Teoria U], da Escola de Negócios do MIT”.

© Francisco Gomes

À procura da (des)ordem

A máscara dos dias é infinitamente menor do que a máscara dos tempos e, para Vitória Ferreira, de 19 anos, aproximar-se de pessoas que não só provêm de um meio idêntico ao seu, mas sobretudo, que são empáticas pode fazer também parte de uma nova linguagem. Pensar como diferentes entidades – o planeta, uma comunidade marginalizada ou uma criança daqui a seis gerações – foi um desafio que espoletou não só muitas visões como questões: “na maioria das vezes, enquanto falava em nome de cada uma dessas entidades era sobre algo com que também me identificava e achei curiosa esta realidade em que sei que há problemas em todas estas dimensões e, se olharmos profundamente, são também problemas que se traduzem em nós próprios”, partilha a jovem portuense que é também autora de livros de romance e poesia.

Vitória Ferreira © Francisco Gomes

Muda-se de sala. E a nova dinâmica exige que se criem grupos, onde passam a mapear os lugares de cada entidade a que respondem, seja ela a comunidade universitária, a Fundação ou a comunidade no geral. Usando objetos como botões, plasticina e algodão, os jovens estudantes recorreram ao seu imaginário e debateram de forma a criar um sistema, inicialmente, existente e, depois, ao qual gostariam de pertencer. “Pensar nas mudanças de diferentes perspetivas, e na prioridade de cada uma das realidades que vivemos ali através da ‘inteligência das mãos’ – mais do que da nossa cabeça – foi realmente um momento importante”, adianta Mariana Resende, 19 anos, enquanto arruma uma das estações de materiais localizadas ao longo da sala.

Mariana Resende © Francisco Gomes

A jovem é da cidade de Aveiro, mas cedo partiu para o Porto para estudar Direito. Era a primeira vez que saía de uma destas duas cidades, especialmente, sozinha. Para si foi uma experiência que “além de a aproximar dos bolseiros, permitiu-lhe sair do contexto universitário”.

Surpreendidos por se ‘conectarem’ de forma tão imediata, depois de uma sessão de conversa seguida de uma tarde de Journaling, meditação e um Piquenique a dois – recreado – é possível perceber-se que os fatores ingredientes que permitem que as pessoas se ‘conectem rápido’ estavam todos ali: a escolha de certos vídeos mostrados  anteriormente, as histórias que se conta, “há todo um trabalho de bastidores que permite perceber determinados momentos mais introspetivos e que, depois, precisam de rejuvenescer o sistema nervoso”, ouve-se Vasco a explicar a um grupo de jovens que lhe questionava sobre os métodos utilizados no final da sessão. Daí os jogos que se seguiram até chegar ao momento de partilharem ideias.

Com um espaço criativo totalmente disponível, o objetivo destes 13 pequenos grupos era construir uma ideia que pudesse ser concretizável ao longo do ano. E ao que parece a meta foi cortada: desde uma temporada de podcasts, ao voluntariado com idosos, passando por iniciativas de fact-check e realização de conferências e debates.

“Para onde caminha a Humanidade?”

“Eu senti que havia pessoas que me confessavam coisas que nunca tinham confessado a ninguém”, afirma Mariana Maia Rocha, que, aos 24 anos, representa os setores das Artes e das Humanidades na rede de bolseiros de Novos Talentos da Fundação Calouste Gulbenkian. Recordando as diferentes práticas realizadas no workshop de Vasco Gaspar que teve continuidade no dia seguinte, com Marco Abreu, a jovem reconhece, surpresa, o quão “fascinante é a forma como em tão pouco tempo se cria uma relação tão forte, mas a verdade, é que estamos todos juntos a tentar arranjar soluções e a identificar problemas e, isso, é ser família Gulbenkian”.

Mariana Rocha © Francisco Gomes

Se no dia 7 de dezembro a ideia seria criar um espaço seguro para que os jovens tivessem tempo para pensar, no dia 8 o objetivo foi perceber como concretizar estes projetos. O debate começou entre os grupos. O tempo era escasso e os projetos precisavam de arquitetar várias fases e dificuldades pelo qual poderiam vir a passar, entre elas, chegar a um consenso, alterar todo o processo criativo e pensar em algo aplicável. Tudo isto faz parte do ciclo de tarefas que, tal como o facilitador explica, é um caminho para “desenvolver competências e definir todo o processo dos produtos e serviços que vão originar”. Perceber o propósito dentro do ciclo de tarefas era o objetivo essencial, pois, para que algo se concretize “é preciso entender a quem servir e qual a sua finalidade”, termina.

Gonçalo Jorge © Francisco Gomes

Gonçalo Jorge que, aos 21 anos, se dedica a perceber o impacto das Fake News em Portugal reconhece que esta finalidade é clara: “pensar sobre o que realmente importa”. “Todas as ações em que podemos pensar parecerão sempre pequenas e até mesmo redundantes, por isso é que é tão importante termos estes eventos, para podermos começar a falar sobre tudo”, continua.

O jovem, assim como Sara Magno, reconhece que a vida destes estudantes de alto rendimento é extremamente exigente, tanto como a de toda a sociedade, “há sempre coisas para fazer, todas elas muito urgentes, estamos sempre a pensar na próxima fase”. A também embaixadora das bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian explica que isto acontece porque “quando entramos numa imperatividade muito grande é difícil sair dali, entramos em modo de sobrevivência”. É também por essa razão que reconhecem que iniciativas como o workshop são fundamentais, “as ideias que emergiram no final do dia, o potencial que pode emergir de uma rede de pessoas supertalentosa com uma Fundação a poder realizá-las é um dos atos mais empáticos que podemos ter pela vida”, admira Sara Magno.

Sara Magno © Francisco Gomes

E se os desafios propostos no workshop abriram asas à imaginação de cada um destes bolseiros, permitiram também recordar que a “o grande ponto de toda esta família é a relação de acreditarem que todos nós temos o perfil certo para fazer alguma coisa” afirma Mariana Maia Rocha, uma jovem otimista que decide ir mais longe: “não sei se vamos mudar o mundo, mas acredito que conseguiremos, a longo prazo, mudar algo ou parte desse algo”.

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Desde 1955, a Fundação Gulbenkian apoiou mais de 30 mil pessoas de todas as áreas do saber, em Portugal e em mais de 100 países. Conheça as suas histórias.

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