A evacuação da coleção de pintura de Gulbenkian durante a Guerra
Este episódio inscreve-se no complexo e arriscado plano de salvaguarda da coleção daquele museu britânico, então sob a ameaça de bombardeamentos alemães, em plena 2.ª Guerra Mundial.
Durante o período entre-guerras, a National Gallery havia aumentado e valorizado a sua coleção, quer através de aquisições, quer através de empréstimos. Entre junho e julho de 1936, Calouste Sarkis Gulbenkian, residente em Paris, emprestaria àquele museu 22 das suas pinturas, número que viria a ser aumentado nos anos seguintes, perfazendo, em 1939, o total de 34.
A 1.ª Guerra Mundial deixara memórias marcantes nos museus e curadores britânicos. Com a subida ao poder de Hitler, em 1933, adensa-se o sentimento de insegurança e, em 1935, museus e galerias recebem instruções do Governo britânico para delinearem estratégias de evacuação das suas coleções.
Com a Crise de Munique (1938), a National Gallery de Londres ensaia, pela primeira vez, o transporte de cinquenta pinturas até Bangor, cidade situada no noroeste do País de Gales, mas com a celebração do Acordo de Munique, os quadros regressam a Trafalgar Square.
O teste viria a ser repetido em 1939.
Em agosto desse ano, com a iminência da Guerra e a ameaça dos ataques aéreos, é finalmente posto em prática o plano de evacuação, tendo o acervo daquele museu sido repartido e enviado para vários locais do País de Gales: a Universidade de Bangor, Aberystwyth, o Castelo de Caernarvon, Trawsgoed e o Castelo de Penrhryn (nas imediações de Bangor). As obras da coleção Gulbenkian foram acondicionadas no contentor BK323 e seguiram em direção a Bangor a 25 de agosto.
Entretanto, com a intensificação dos bombardeamentos, o staff de Calouste Gulbenkian em Londres solicitou a Kenneth Clark, diretor da National Gallery, que recebesse também em Bangor um cofre guardado nos escritórios Gulbenkian que continha preciosos manuscritos ocidentais e orientais e cuja chave estava na posse de Calouste, então já em Vichy. Essa transferência efetiva-se a 12 de julho de 1941.
Com a evolução da aviação militar, o alcance das bombas alarga-se. Bangor, Aberystwyth, o Castelo de Caernarvon, Trawsgoed e o Castelo de Penrhryn deixam de ser considerados locais seguros. Em 1940, uma mina de ardósia abandonada na montanha de Manod, também no País de Gales, foi escolhida para acolher as coleções, sendo, no entanto, necessárias obras de adaptação.
Criam-se, no seu interior, abrigos à prova de bomba calculados para receber a coleção da National Gallery, a coleção Gulbenkian e a coleção Real Britânica. São instalados equipamentos inovadores de regulação da temperatura e humidade. O acervo é finalmente transferido para o abrigo durante o Verão de 1941. Kenneth Clark tranquiliza Calouste Gulbenkian: “Visitei com frequência as suas pinturas nas reservas e estão todas em perfeita ordem. As condições aí são ideais e 100% seguras”.
O estágio das obras de arte nas minas serviu como laboratório de estudo. Apesar do conhecimento já então existente, ainda não havia sido possível monitorizar o comportamento de uma coleção em ambientes controlados. Pôde-se finalmente demonstrar a importância desses requisitos ambientais na conservação das pinturas. Algumas descobertas feitas neste período foram depois aplicadas na reconstrução da National Gallery no pós-guerra. Esta circunstância serviu também para pôr em prática um programa de limpeza que consistiu no levantamento de antigos vernizes das pinturas. O Retrato de Helena Fourment, de Rubens, pertencente a Calouste Gulbenkian, fez parte deste programa.
Com o fim da Guerra, a National Gallery fez regressar as suas obras a Londres. As salas do Museu reabriram ao público a 17 de maio de 1945. Todavia, o edifício carecia de obras profundas mercê dos 9 bombardeamentos que o haviam atingido. Por essa razão, as obras da coleção Gulbenkian permanecerão no País de Gales até à recuperação da sala onde passariam a ser exibidas em Trafalgar Square — a sala octogonal (atualmente a sala 33).
O regresso das obras a Londres ocorre a 16 de novembro de 1945 e em dezembro desse ano, numa das últimas iniciativas de Kenneth Clark à frente dos destinos da National Gallery, a coleção Gulbenkian, acrescentada pelas pinturas adquiridas por Calouste nos Estados Unidos durante a Guerra, volta a apresentar-se ao público.
Dos Arquivos
Momentos relevantes na história de Calouste Gulbenkian e da Fundação Gulbenkian em Portugal e no resto do mundo.