Últimos Escritos sobre a Filosofia da Psicologia
Qual a aceção wittgensteiniana de uma “filosofia da Psicologia”? Certamente algo bem distinto do estudo empírico dos fenómenos psicológicos, sob as instruções do método experimental. A Psicologia desenvolve-se ao longo do século XX como disciplina de base empírica e usando metodologias fundadas em linguagens matemáticas e estatísticas de crescente complexidade. Os compêndios de Psicologia oferecem sobretudo explicações funcionais dos fenómenos psicológicos, o que é natural numa disciplina que pretende adquirir o estatuto de saber científico. Nesse sentido, a Psicologia não pode abdicar do tratamento matemático-estatístico de variáveis estudadas em situação experimental. Por exemplo, o estudo da relação entre o sexo (variável independente) e a resposta a 10 determinados estímulos (variável dependente) ou entre a idade (variável independente) e a rapidez de aprendizagem de certas competências (variável dependente) constituem outras tantas correlações suscetíveis de quantificação. Aquilo a que, neste âmbito, se chama “explicação causal” assenta na correlação verificada entre pelo menos duas variáveis: a rapidez de aprendizagem desta competência particular explica-se pela forte correlação entre aquela e esta ou estas variáveis selecionadas experimentalmente, etc., etc. À semelhança, aliás, da metodologia das outras ciências, esta é a estrutura metodológica mais geral da disciplina, a qual, convém desde já notar, tende a secundarizar a experiência ou a vivência subjetivas em favor da explicação causal referida. Sublinhe-se ainda que tal explicação supõe sempre um observador externo e manipulador das variáveis escolhidas, ou então uma perspetiva da terceira pessoa.
Voltando à pergunta inicial, podemos dizer que, por um lado, Wittgenstein trata os conceitos psicológicos e a Psicologia de um ponto de vista da filosofia clássica, ou seja, como investigação sobre os seus fundamentos ou primeiros princípios. Assim como em relação, por exemplo, à Matemática, existirá uma investigação acerca dos seus fundamentos, assim também em relação à Psicologia uma tal investigação é possível: “Para a Matemática é possível uma investigação bastante semelhante à investigação filosófica da Psicologia. Ela é tão pouco matemática quanto a outra é psicológica. Nela não se calcula, p. ex. não é Logística. Poderia merecer o nome de uma investigação dos ‘fundamentos da matemática'” (UEFP, I, 792). Mas, por outro lado, esse tipo de investigação filosófica 11 dirigida à Psicologia possui em Wittgenstein um sentido muito particular, que poderíamos articular em três grandes eixos: a) é uma investigação inseparável do emprego linguístico dos conceitos psicológicos; b) é uma investigação que tem como objeto o comportamento unitário (das Benehmen) do ser humano; e c) é uma investigação que assenta necessariamente na vivência do significado. São pois estes eixos principais que podem ajudar o leitor a orientar-se no conjunto aparentemente caótico e sem progressão dos UEFP.
(Da introdução de António Marques)
Ficha técnica
- Outras Responsabilidades:
Trad. de António Marques, Nuno Venturinha e João Tiago Proença; introd. de António Marques; apresent. histórico-filológica de Nuno Venturinha
- Coordenação editorial:
- Fundação Calouste Gulbenkian
- Editado:
- Lisboa, 2014
- Dimensões:
- 232 mm x 170 mm
- Capa:
- Encadernado
- Páginas:
- 373 p.
- Título Original:
- Letzte Schriften über die Philosophie der Psychologie I e II
- ISBN:
- 978-972-31-1198-9