Este volume V das Obras Completas de Miguel Baptista Pereira reúne os textos escritos pelo autor em torno da ciência na sua articulação com a crise da razão científico-técnica ao longo do século XX. São nove trabalhos, publicados em vinte anos, entre 1984 e 2003, em que a profundidade da natureza e do real, o seu mistério, as múltiplas linguagens com que nos falam, a dimensão e a raiz humanas das suas reconstruções conceptuais e o consequente poder – a par das respetivas fragilidades – da ciência, na sua pluralidade de expressões, são interrogados, equacionados e aprofundados nas respetivas implicações epistemológicas, antropológicas, éticas, políticas e educativas. Uma densa argumentação, uma invulgar capacidade de penetração, uma assinalável fundamentação histórico-filosófica e uma consciência crítica da Modernidade e dos seus limites tornam os estudos aqui publicados ainda profundamente atuais, inquietantes e problematizadores.

Para a compreensão das dinâmicas a que respondem estas reflexões sobre a ciência são também significativos os contextos em que elas emergem e os desafios a que procuram responder. Assim, há a registar o modo como algumas delas se assumem como contributos para pensar a Universidade.

Em «Universidade e Ciência», a pretexto de uma reflexão e de um aprofundamento sobre a ciência como uma das principais vertentes da missão da Universidade, é a própria ciência que é interrogada, nas suas raízes mais antigas e profundas, e é a Universidade que é equacionada desde as suas origens medievais ao modo como atravessou a Modernidade e à sua estruturação no século XX, cruzando três conceitos que estruturam a investigação e o ensino do saber: liberdade, ciência e democracia.

Em três momentos se desenvolve este percurso pelos conceitos de Universidade e Ciência. Num primeiro momento articula-se a Universidade medieval com a unidade do conceito clássico de ciência, procurando desvelar as matrizes estruturantes das primeiras universidades europeias, mas partindo de uma clarificação do delineamento platónico e aristotélico do conceito de episteme. Num segundo momento, analisa-se o modo como a emancipação da ciência, ocorrida no princípio da Modernidade, a sua secularização ao longo dos séculos seguintes, a instauração de modelos matemáticos e mecanicistas nos processos de inteligibilidade do mundo e da natureza e a plurificação disciplinar das ciências se repercutiram sobre o próprio conceito de Universidade. […] Num terceiro momento, repensa-se a missão da Universidade na atualidade e a sua articulação com um renovado conceito de ciência com base no sentido da interdisciplinaridade científica e a partir das exigências que ela lança, tanto à investigação como ao ensino da ciência, e que encontra o seu fundamento numa «experiência profunda do humano», em que se deve alicerçar a instituição universitária, como espaço, simultaneamente, de liberdade e de responsabilidade.

(Da nota editorial de João Maria André)