Dos Delitos e das Penas
Cesare Beccaria
Esta pequena obra – e não está o pensamento ocidental cheio de pequenas grandes obras? – pode ser vista como o Manifesto do garantismo, ou seja: como manifesto das garantias, em direito e processo penais, do cidadão nas suas relações com o Estado detentor do ius puniendi. […] Razão bastante e suficiente para novas edições, onde renovadas leituras encontram eco e respostas para os problemas que, em todas as épocas, aquela tensão vai exprimindo. De facto, a questão das relações entre o indivíduo (pessoa) e a autoridade (Estado) é, em todo e qualquer país, uma questão perenemente aberta, com um incerto e precário equilíbrio. E é por isso que resultam preciosas as reflexões de Beccaria.
Não é por acaso que se possa considerar como chave de leitura transversal […] a seguinte asserção: «não existe liberdade todas as vezes que as leis permitem que em alguns casos o homem deixe de ser pessoa e se torne coisa» (XX. Violências). O que, em termos de política criminal, quer significar o seguinte: fazei leis que tratem o homem como pessoa e não como instrumento de prossecução de certos e determinados objectivos. Mesmo que a finalidade […] seja a afirmação do valor «contrafáctico» da norma.
É esta impostação – absolutamente extraordinária para aquela época –, conaturalmente liberal, que Beccaria transforma em pano de fundo das relações entre o Estado e o Indivíduo. Um Estado que deve servir a pessoa com o único fito de assegurar «a máxima felicidade repartida pelo maior número» (Introdução). E esta extraordinária forma de ver e valorar as relações entre o Estado e o Indivíduo, entre Autoridade e Liberdade, não podia não reflectir-se no modo de afrontar a dilemática questão dos fins das penas que, daquele tipo de relações, é a mais imediata e real imagem especular.
A variabilidade […] da questão criminal – sobretudo da legitimidade e da legitimação das penas – não são outra coisa senão o sinal tangível ou perceptível da constante expansão e retracção do poder coercitivo do Estado perante o indivíduo. Daí que perante esta insuperada e insuperável questão seja gratificante ter o apoio de uma voz – sobretudo quando ela se tem imposto «classicamente» já desde o século XVIII – que elege como tema central da problemática criminal o «âmbito penalmente relevante» e que […] defenda, intransigentemente, o mais amplo e alargado espaço de liberdade imune à coerção penal.
(Do prefácio de Giorgio Marinucci)
Ficha técnica
- Outras Responsabilidades:
José de Faria Costa (tradução), Primola Vingiano (revisão), Giorgio Marinucci (prefácio)
- Editado:
- Lisboa, 2023
- Entidade
- Fundação Calouste Gulbenkian
- Dimensões:
- 140 x 220 mm
- Capa:
- Encadernado
- Páginas:
- 166
- Título Original:
- Dei delitti e delle pene
- ISBN:
- 978-972-31-0816-3