Acerca do Infinito, do Universo e dos Mundos
Qualificar, pela sua polivalência, o génio de Bruno pouco nos diz […] do modo como essa polivalência foi assumida. Com efeito, será preciso referi-la ao seu poder de conjugar, na vida, o homem de pensamento e o homem de ação e, na doutrina, as dimensões do artista e do filósofo – e ter em conta a intensidade e a versatilidade com que o fez – para se compreender como não foi tarefa fácil, nem para os contemporâneos nem para os vindouros, o discernimento (e muito menos a Visão unitária – de intenção ou de perspetiva) das múltiplas facetas por que esse poder se exprimiu: ora no frade impaciente e rebelde perante os imperativos externos da disciplina ou dos estudos e os limites internos da sua vocação de regular; ora no político atento às oportunidades da ação e ávido de unidade temporal, entre as divisões dos poderes; ora no ousado comediógrafo, desmascarador e satirizador de superstições e hipocrisias (religiosas e mundanas); ora no filósofo inspirado e polémico, sensível ao conflito das heranças e das vigências culturais e todo entregue, com heroico furor, à vertigem de uma convergência doutrinária nos abismos abertos à razão discursiva e às intuições do espírito.
Assim se compreenderá, também, como essa polivalência se refletiu, já em vida, ora no interesse (nem sempre hostil) que Papas e monarcas dedicaram a algumas destas obras, ora na desconfiança e no escândalo que rodearam seus atos e lições ou na admiração e na proteção (quase nunca desinteressadas) que os seus projetos e doutrinas despertaram entre as “mais altas esferas da sociedade” europeia.
Do mesmo modo não surpreenderá que, com a morte do filósofo (e sob o peso das circunstâncias em que decorreu) o seu nome (mesmo quando voluntariamente omitido) simbolizasse valores antagónicos, tal como a sua obra (mesmo quando foi ignorada) suscitasse interpretações parciais ou partidárias quanto à unidade e ao alcance das dimensões metafísicas, científicas, ético-políticas, religiosas e artísticas pelas quais se desdobrou.
(Da introdução de Vítor Matos e Sá)
Ficha técnica
- Outras Responsabilidades:
Introd. de Victor Matos e Sá; trad. notas e bibliografia de Aura Montenegro
- Coordenação editorial:
- Fundação Calouste Gulbenkian
- Editado:
- Lisboa, 2016
- Páginas:
- 259 p.
- Título Original:
- De l'infinito, universo e mondi
- ISBN:
- 978-972-31-0003-7