Um concerto muito participativo

Mais de 250 músicos, profissionais e amadores, vão interpretar a missa composta por Leonard Bernstein em homenagem a J. F. Kennedy. É o regresso dos concertos participativos ao Grande Auditório.
Participative Choir rehearsal © Márcia Lessa
11 nov 2019

Originalmente escrita para cantores, músicos e bailarinos, a Missa resultou de uma encomenda de Jacqueline Onassis para a inauguração do Kennedy Center for the Performing Arts, em Washington, em 1971. Tal como a música que Bernstein compôs para a peça West Side Story, estreada na Broadway em 1957 e, mais tarde, adaptada ao cinema, esta obra surpreende pela extraordinária variação da linguagem musical, que cruza folk, gospel, o estilo Broadway, a tradição romântica, com elementos de vanguarda dos anos 1960.

A produção que a Gulbenkian Música agora apresenta – a primeira da sua história – é dirigida por Clark Rundell e tem ação cénica de Marie Mignot. Juntam-se-lhes o barítono Jubilant Sykes, o Coro e a Orquestra Gulbenkian, o Coro Participativo, dois Coros Infantis (Instituto Gregoriano de Lisboa e Casa Pia de Lisboa), a Orquestra Geração e músicos da Escola de Jazz Luiz Villas-Boas/Hot Clube de Portugal.

 

Um dia de ensaios

Num sábado de outubro, acompanhámos o ensaio dos 60 cantores amadores que integram o Coro Participativo e vão reforçar o Coro Gulbenkian neste concerto. Depois de, no ano passado, terem cantado o Requiem de Mozart, este ano o desafio afigura-se maior, com a escolha de uma peça do século XX, bem menos conhecida. À medida que os coralistas iam chegando e ocupando os seus lugares na sala de ensaios, já o coro infantil contava com uma hora de trabalho com a maestrina Filipa Palhares.

Maestrina Filipa Palhares © Márcia Lessa
Maestrina Filipa Palhares © Márcia Lessa Maestrina Filipa Palhares © Márcia Lessa

Durante algum tempo iriam ensaiar juntos, algo que não estava inicialmente previsto, mas que foi bem acolhido por todos. “Vá, vamos lá começar que as crianças têm de sair às 15h30”, avisa a maestrina, apressando os trabalhos após o aquecimento inicial. “Abram a partitura na página 182.” Iriam deter-se no Ofertório, um trecho cantado em latim. “Exspectat, anima mea Dominum…” iniciam, sob o olhar atento da maestrina, que vai alternando o trabalho em conjunto com cada naipe individualmente. “Ó tenores, querem um convite por escrito, por pombo-correio ou por sinais de fumo?”, ironiza a maestrina perante a menor determinação evidenciada no arranque da frase. “Vá, energia agora!” Atenta ao evoluir dos sons, Filipa Palhares vai detetando e corrigindo os desacertos: “Estão aqui notas erradas, vamos lá outra vez.” E o coro lá segue, pelos caminhos por vezes complexos da partitura, repetindo as frases uma e outra vez. “Isto até novembro vai estar”, promete a maestrina. “Meninos, estão preparados para entrar a seguir?” O Coro Infantil do Instituto Gregoriano de Lisboa e o Coro da Casa Pia de Lisboa levantam-se, cantando com surpreendente desenvoltura. “Agora todos sem partitura”, desafia a maestrina. “Quem não tomou os comprimidos para o Alzheimer?” É que a componente cénica desta missa exige que todos decorem a partitura e as repetições prosseguem até se ouvir o comentário mais aguardado da maestrina: “Aaaah, muito bem, assim é outra história! Não sentiram a diferença?”

E tem sido assim desde o segundo fim de semana de setembro: cantores amadores de várias idades, diferentes profissões e diversas motivações, juntam-se para uma experiência que todos sentem como única, a de dar voz a uma peça no palco do Grande Auditório, com o Coro e a Orquestra Gulbenkian.

 

Cantar em família

Entre os participantes está uma família inteira: pai, mãe e dois filhos, cada um pertencendo, curiosamente, a um naipe vocal distinto. José Paulo, tenor, tem 54 anos e é professor de Matemática; Isabel, soprano, 49 anos, é professora de Geometria Descritiva; Sofia, contralto, 21 anos, é licenciada em Ciências Musicais e frequenta um mestrado; Guilherme, barítono, acabou de completar 18 anos e estuda Ciências do Desporto. Vieram de Sintra e participam num Concerto Participativo da Gulbenkian Música pela segunda vez. Falando por todos, Isabel diz que decidiram arriscar depois de, no ano passado, terem cantado o Requiem de Mozart. Arriscar? “Sim, porque esta é uma peça completamente diferente, para nós tem sido desafiante sair de um registo mais clássico.”

Para esta família, o gosto pela música começou cedo. Os pais frequentaram escolas de música paroquiais e coros litúrgicos e os filhos cresceram nesse ambiente musical: “Desde pequenos tiveram à disposição os instrumentos lá de casa, piano, órgão, acordeão, viola, flautas, percussões, que usaram sempre em registo autodidata.” É uma experiência que garantem querer prosseguir nas edições futuras dos Concertos Participativos.

Família Portela © Márcia Lessa
Família Portela © Márcia Lessa Família Portela © Márcia Lessa

Entrar no espírito da obra e dar o melhor

Nuno Gonçalves Pereira é tenor, ocupa um cargo de direção do Metropolitano de Lisboa e é também membro do Coro Polyphonia. Não falha os Concertos Participativos desde 2014. No dia do ensaio completava 54 anos, mas nem por isso deixou de se juntar aos colegas para mais uma tarde de trabalho. “Esta Missa é uma peça muito diferente, a carga horária de ensaios é exigente e há uma componente adicional de coreografia, por isso temos de saber a partitura de cor.” Mas, ao mesmo tempo: “É uma atividade que me estimula, completa e ajuda a equilibrar a vida profissional. Aqui esqueço os problemas e cantar ajuda-me a ser melhor na minha vida, quer familiar, quer profissional.” Sobre os ensaios, afirma que “construir um espetáculo é tão bom como apresentá-lo, porque é um trabalho realmente participativo”. Quanto a esta peça, que não conhecia, declara que, no início, “estranha-se, mas depois entranha-se”. Passou o verão a ouvi-la, para entrar no seu espírito: “É importante perceber o contexto histórico da época e o que o compositor procurou transmitir. Acho que o consegui fazer e vou agora tentar dar o meu melhor.”

Nuno Gonçalves Pereira © Márcia Lessa
Nuno Gonçalves Pereira © Márcia Lessa Nuno Gonçalves Pereira © Márcia Lessa

Saltar de projeto em projeto

Rita Vieira, contralto, tem 48 anos, é designer de interiores e inscreveu-se este ano, pela primeira vez, num Concerto Participativo da Gulbenkian Música, apesar de já ter pisado outros palcos em experiências semelhantes. “Um espetáculo puxa outro”, diz, revelando ter sido selecionada para outro projeto participativo no Natal e prever iniciar mais um em janeiro. Confessa que não sabia que ia entrar nesta dinâmica: “Isto não tem fim, é realmente uma espécie de vício, um bichinho que entra em nós.” Esta atividade intensa é mantida a par dos ensaios e apresentações de um coro que integra há três anos, o Coro Menor: “É um coro amador, muito eclético e que tem tido vários convites para participar em projetos muitos diferentes.” Sobre a Missa de Bernstein, que não conhecia, foi a extrema variedade da peça que a surpreendeu. “Quanto mais profundamente a fui conhecendo, mais fui gostando dela. Neste momento posso dizer que estou a adorar.”

Rita Vieira © Márcia Lessa
Rita Vieira © Márcia Lessa Rita Vieira © Márcia Lessa

 

Missa de Bernstein
Concertos Participativos

Edifício Sede – Grande Auditório
sáb, 30 nov / 19:00 – 21:00
dom, 1 dez / 18:00 – 20:00

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